Fora do ar por conexões reais

Pode parecer pouco, mas para algumas pessoas ficar três dias sem celular pode ser uma tortura. Quanto mais três dias sem conexão alguma com o mundo. Outros exemplos: um mês inteiro, como o Gitti faz de tempos em tempos, seis meses, como uma vez ficou o Bracht, ou mesmo cometer um facebookcídio como do o Guilherme - se desligando de um mundo que muitos julgam necessário para a própria sobrevivência e evolução social.

Há alguns dias resolvi fazer uma experiência um tanto quanto simples dentro de um mundo do qual eu participo ocasionalmente. Passei três dias em atividade na ONG Um Teto Para Meu País – Brasil.

E dessa vez, só dessa vez, o celular ficou em casa.

Sem sinal, sem bateria e sem conexão

Alguns pontos são “divertidos” na experiência off. O impulso de colocar a mão no bolso procurando o celular para ver se há alguma mensagem, se alguém ligou ou apenas olhar as horas é algo comum. Pensando no que acontece normalmente, a expectativa é sempre maior que a realidade.

A estranha sensação de se ter o bolso vazio e estar separado daquele mundo participativo, colaborativo e de certa forma doente e caótico, some rapidamente. Não sei precisar exatamente quando isso acontece, mas o mundo lá fora fica bem mais colorido e interessante que o da telinha. A atenção aos detalhes, o foco, tudo fica muito nítido ao invés de se perder no excesso de tarefas. Continua-se fazendo inúmeras coisas, mas de forma mais focada e com controle do tempo.

Quantas vezes já ouvimos alguém reclamando que não tem tempo para isso ou aquilo? A verdade é que tudo que temos na nossa vida é o próprio tempo. A gestão dele depende única e exclusivamente de cada um.

O Medo

Tudo nesse mundo tem uma fobia. Aquele disturbio de ansiedade em relação a um medo intenso e irracional. O medo de ficar sem comunicação por meio de aparelhos como o telefone ou computadores é intitulado de nomophobia, não é algo que pode ser levado com desleixo. A necessidade em excesso é como uma droga. Tem gente que fica nu, sem chão, totalmente catatônico ao se desconectar desse mundo secundário.

Nu

Quando vemos uma pessoa tuitando ou postando mensagens no Facebook o dia todo, essa pessoa está claramente dizendo: “no momento da concepção dessa mensagem e na leitura dos comentários posteriormente, eu, de fato, não estou trabalhando”. Salvo algo relacionado ao próprio trabalho, ainda assim, é complicado de se julgar.

Dessa forma, até que ponto essa irracionalidade nos subjuga e atrapalha o andamento de nossos pensamentos para algo mais complexo, interessante e real? Toda vez que quebramos uma cadeia de pensamentos lógicos porque postaram na timeline um gatinho do Shrek, um protesto contra homofobia ou mesmo um bom dia do PapodeHomem, levamos tempo para voltar ao raciocínio inicial e refazer todas as conexões necessárias para chegar ao ponto que queremos e podemos até nunca voltar.

Experimentos para começar

Não precisa passar 20 dias em um retiro espiritual, jogar o telefone para o alto ou tocar o foda-se geral. Pense em pequenos momentos e note a diferença. Agora parece sutil, mas será gritante na experiência.

Feche o Facebook pela manhã e não abra ele durante a tarde. Não acesse o twitter por um dia - você não vai morrer por não saber os trending topics daquele dia – e não acesse no fim de semana. Pare de dar checkin no Foursquare, ao invés disso, apenas olhe as dicas dos locais e ache um interessante. Aproveite o momento. E você, definitivamente, não precisa checar o e-mail de 5 em cinco minuto. O assunto é urgente? Ligue ou fale pessoalmente. Se quiser, depois deixe registrado.

O Resultado

Em um palavra: liberdade.

Não olhar o celular a cada minuto e não sentir sua falta dentro do bolso do jeans. Isso é bom. E tem refletido hoje, pois não dependo mais do celular para conviver em sociedade.

Com isso, toda a ansiedade do cotidiano, a busca por resolver tudo no momento em que algo acontece parece pífio dá lugar ao pensamento, concentração, julgamento e a uma tomada de decisão. Dessa vez, ponderada e sobriamente executada.

O Mito e um lembrete

Para quem conhece um pouco de mitologia grega, Teseu foi um semi-deus filho de Poseidon com uma mortal mulher de Egeu. Entre muitos feitos, há a morte do Minotauro. Não entrando em detalhes, Teseu saiu de casa e matou o Minotauro, que residia em um labirinto na ilha de Creta. Mas, na volta para casa, em Atenas, Teseu esqueceu de trocar as velas negras pelas velas brancas, o que indicaria que estava vivo. Se seu pai, quando avistou o navio, achou que ele havia morrido e atirou-se do penhasco ao mar, que então passou a levar o seu nome.

E como todas essas histórias, essa também tem uma moral:

Vai se desligar por três, dez, duzentos dias? Avise seus pais. Devo dizer que o meu ficou bem puto, pois esqueci desse mero detalhe.


publicado em 25 de Julho de 2012, 17:06
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João Pedro Braconi

João Pedro Braconi é publicitário. Escolheu a área achando que tudo era um comercial de TV, mas nem passou perto de trabalhar com isso. Safado por natureza, tem sérios problemas com a palavra "namoro", vive correndo atrás de novos projetos e aumentando o seu número de madrugadas sem dormir.


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