Cometi Facebookcídio

 

“A definição de insanidade é continuar a fazer o que você sempre fez, desejando obter resultados diferentes.”

O Facebook, portanto, se tornou uma redoma de loucos.

* * *

Há catorze dias, me furtando a despedidas babacas, tasquei o perfil de um certo "Guilherme Nascimento Valadares" no caixão. Para contextualizar as razões por trás do seppuku, compartilho meu percurso na rede social zuckerbergiana.

early adopters

Fui um típico usuário pós-, criei minha conta há cerca de três anos.

Com esmero, disparei os primeiros pedidos de amizade. Munido dos aprendizados orkutianos e da experiência como profissional de comunicação digital, já me considerava maduro o suficiente para estruturar círculos sociais mais proveitosos e coerentes com minha realidade. Reestruturei álbuns de fotos, arranjei um avatar interessante, postei as primeiras badalhocas espertas no mural.

Pronto. Lá estava eu, ou melhor, "ele", minha persona, se exibindo no Facebook.

À medida em que o tempo passava, meu crivo foi se tornando cada vez mais frouxo. Não tive paciência para lidar com listas, segmentações especiais por grupos e critérios de privacidade sofisticados. Amigos de infância, conhecidos, contatos profissionais e fodas de uma noite compartilhavam basicamente o mesmo habitat.

O Facebook criou inúmeras configurações para melhor estruturar meus círculos. No entanto, também me fez preguiçoso. Updates pulam em nossa tela freneticamente com aqueles simbolozinhos vermelhos infernais. Updates pelo nariz, pelo rabo, pelas tripas. As tais configurações? "Ah, são chatas, meio escondidas, preciso gastar um tempo pensando nelas e um tempo maior ainda para agrupar as centenas de conexões nos caixotes corretos."

Em contraponto, minha vida "fora dali" avançava a braçadas amplas. Me demiti para focar integralmente no PapodeHomem, me afastei de pessoas com as quais não me identificava, passei a dedicar mais tempo ao cultivo da mente, corpo e estabilidade emocional por n percursos distintos.

Dentro do Facebook, a persona Guilherme residente por aquelas bandas não raro me parecia um primo estranho. Passei a postar cada vez menos. Preferia poupar a web de mais ruído.

Mesmo em silêncio, seguia firme com minhas doses diárias de dopamina por meio das várias mensagens recebidas, prospectos de novos negócios, diversão, festas, sexo ou apenas papo furado mesmo. Distrações em cima de distrações, escassez galopante de trocas realmente úteis.

A plataforma não é má. Abre zilhões de possibilidade fantásticas. Porém, a maneira como a conduzimos pode nos trancafiar em uma prisão bastante confortável, que, compartilhada por tantos outros, sequer se assemelha a uma.

O problema era eu ter me viciado no Facebook.

 

Será que estava sozinho nessa?

Não. Em 2011 estimava-se cerca de 350.000.000 de pessoas afetadas pela Desordem do Vício em Facebook. A rede tem cerca de 845 milhões de usuários.

Dando boa margem para variações, podemos trabalhar com a hipótese de que uma em cada três pessoas presentes no Facebook o usa de maneira nociva.

 

Seria o intrépido Mark um Pablo Escobar do Vale do Silício, bem debaixo de nosso nariz?

Caso você observe dois ou três dos sintomas abaixo surgindo continuamente ao longo de um período de seis meses, bem-vindo ao clube:

 

Permissividade

Esse termo é usado para descrever o comportamento desesperado de um viciado. Ele gasta cada vez mais tempo no site, chegando a um estágio em que necessita acessá-lo para obter satisfação. Ou, no extremo oposto, o uso do site começa a gerar um efeito de piora na pessoa e em sua vida. Um sinal clássico costuma ser ter três ou mais abas do navegador abertas no Facebook.

 

Sintomas de abstinência

Se tornam óbvios quando o indivíduo tem seu uso do Facebook restrito por conta de participar e executar tarefas fora da rede. Sinais comuns são ansiedade, stress e necessidade em falar sobre o Facebook e o que pode ter sido postado em sua ausência.

 

Redução das atividades sociais/recreativas usuais

O indivíduo reduz - de maneira consciente ou inconsciente - o tempo gasto socializando com amigos fora da web assim como reduz quaisquer outros hábitos que pudesse ter, e passa mais tempo no Facebook. No lugar de se encontrar com um amigo para tomar um café ou praticar esportes, ele manda uma mensagem... pelo Facebook. Jantares são substituídos pelo messenger. Em casos extremos, a pessoa deixa de atender o telefone e passa a insistir para que os outros se comuniquem com ele pelo Facebook.

 

Encontros virtuais excessivos

No lugar de levar o parceiro ou a paquera para o cinema, jantar ou qualquer outra atividade, acabam interagindo online em proporções nada saudáveis. Até sexo pela caixa de mensagens surge. Bandeira vermelha.

 

"Amigos" que não são amigos

Se, digamos, sete ou oito dos últimos updates em seu feed de notícias foram feitos por pessoas com as quais você não tem ou deseja ter uma relação real, cuidado. Seu crivo para selecionar as pessoas com quem se conecta pode ter sido deturpado.

 

Vício completo

Ao encontrar uma pessoa nova, o indivíduo logo dispara, "Qual seu nome? Ok. Nos vemos no Facebook...". Cada novo update recebido - notificações, mensagens, wall posts, pedidos de amizade... - pela pessoa é o equivalente a uma pequena dose de prazer, bem semelhante ao que acontece com apostadores quando jogam suas fichas na roleta. Bem comum observar viciados checando compulsivamente seus smartphones em situações sociais. Não adianta questioná-los, vão racionalizar alguma justificativa circunstancial para o ato.

Tal relação nociva tem sido padrão recorrente em várias redes sociais. Orkut, Facebook, YouTube, Twitter e por aí vai. Ruído, ruído, ruído. Não somos nativos digitais, somos os perdidos digitais. [sintomas traduzidos da seguinte fonte: Social Times]

A missão do Facebook é tornar o mundo mais aberto e conectado, nas palavras do próprio Mark, conforme escreveu em carta para os investidores antes do IPO.

Pessoas adentram a rede para enriquecer e amplificar suas interações sociais.

Melhores conexões humanas necessitam abertura, estado de presença, relaxamento, mente estável. Mas vejam esse trecho da carta de visão do Facebook:

 

Nós acreditamos que um mundo mais aberto é um mundo melhor pois pessoas com mais informação podem tomar melhores decisões e ter um impacto maior.

PERIGO!

Desde quando pessoas agem melhor com mais informações em mãos, cara pálida?

A nossa mente lida com as informações. A nossa mente é um dos territórios mais inexplorados do universo conhecido.

O digníssimo Mark - reforçado por U$$100.000.000.000 e uma horda de investidores - decidiu que devemos consumir o máximo possível de informações, pois isso é o melhor para nós e para o mundo. Essa crença é o problema fundamental do Facebook.

Se a plataforma possui seus mecanismos automatizados para nos enfiar cada vez mais updates e informações goela abaixo, isso conduz seus usuários a um curto circuito mental. Como consequência, surgem personas erráticas, ansiosas e aflitas. As conexões humanas provenientes sofrem danos.

 

Na prática, o que temos?

"Publique primeiro, pense depois. Curta, pois todos curtem." Esse é o mantra zumbificado do inconsciente coletivo.

Cerca de um terço da base de usuários com graus distintos de vício, aflita diante do volume brutal de informações, disparando mensagens dispensáveis freneticamente. Seja em busca de reconhecimento, por perplexidade, para seguir e pertencer ao bando ou por mero hábito, sem pensar muito.

O grafo social se expande, a quantidade de conexões se expande.

O ruído - as interações dispensáveis - se expande. O sinal - a comunicação útil - decresce.

Falas repetitivas, angustiantes, afobadas.

A mente de todos sofre.

Seja sincero, quanto do que você faz e checa no Facebook é absolutamente essencial? Quantas vezes por dia você checa seu perfil? Os cinco minutos entre reuniões checando updates e compartilhando alguma crítica social mordaz eram vitais para seu dia e o de seus amigos?

Não. São apenas uma egotrip, algodão doce. Você fala, outros lêem, nada acontece. Melhor, alguns "curtir" e "compartilhar" acontecem. Dopamina (prazer) e suposto capital social (valor) surgem do éter.

O vício se instala em nossa mente sem notarmos. Ora, todos a nosso lado agem mais ou menos parecido. Não é dolorido, ele nos dá prazer ao checarmos as novidades. Isso não pode ser ruim.

De súbito, o efeito cascata atravessa múltiplos grafos sociais e temos uma manada infinita de seres humanos exibindo comportamento similar. Como se fossem símios anestesiados.

A plataforma se converte num templo de ansiedade, uns buscando validar os delírios dos outros, cuspindo interações falseadas a torto e à direito. Cascas. Mais cascas. Máscaras. Insuportavelmente sufocante. Poucos se olham ou se falam de verdade.

Em busca de melhorar suas vidas e interações sociais, propagam e colhem mais caos, ruído e angústia. Seguem agindo do mesmo modo nocivo sem se dar conta do que acontece. Mesmo achando minhas mensagens e presença online bastante espertas, confesso que me encaixei nesse recorte.

E esse comportamento - buscar enriquecer a vida com ações que gerem ansiedade e confusão, repetidamente - é a própria definição de insanidade.

Pelo ritmo atual de crescimento, nos próximos 24 meses o Facebook pode se tornar o site responsável por mais de 50% do tempo gasto online por TODAS as pessoas do mundo. Ubíquo.

 

Significado de Ubiquidade
s.f. Propriedade ou estado do que é ubíquo. Do que está ao mesmo tempo em toda parte; onipresença. (Do lat. ubique)

Ou seja, o Facebook se tornaria a web. E a internet se tornaria a plataforma na qual ele roda. Seu perfil, um CPF digital.

Se o comportamento das pessoas "lá dentro" hoje beira a definição de insanidade e o Facebook se tornar a própria web, podemos ter em breve o mais perfeito chassi da loucura onipresente.

Uma redoma de loucos, como mencionei ao começo desse texto.

 

"Sendo a Internet o reflexo da sociedade, se você não gosta do que vê no espelho, a solução não é mudar o espelho, mas a nós mesmos."
- Vint Cerf, reconhecido como um dos criadores da internet e dos protocolos TCP/IP, o alicerce de conexão à rede

Entendam, não sou um retrógrado anarquista. Acredito pra caramba na internet. No entanto, não aposto minhas fichas no Facebook como a rede social para nos fazer avançar rumo a vidas melhores. Sua visão mira no futuro presa aos paradigmas (e investidores) errados.

Estou fora até segunda ordem, resolvi partir em busca de novas paisagens e ar puro. Há de existir mundo além-facebook.

Nos vemos pela estrada.


publicado em 24 de Junho de 2012, 23:25
File

Guilherme Nascimento Valadares

Editor-chefe do PapodeHomem, co-fundador d'o lugar. Membro do Comitê #ElesporElas, da ONU Mulheres. Professor do programa CEB (Cultivating Emotional Balance). Oferece cursos de equilíbrio emocional.


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