A internet não está chata, é só você

"A internet está chata."

Assim declarou Sean "sabe o que é incrível? um bilhão de dólares!" Parker, co-fundador do Napster e um dos personagens mais controversos e importantes da história do Facebook. O contexto da frase foi o lançamento do Airtime, sua nova empreitada.

Tenho escutado variações dessa crítica a torto e à direito.

“A internet anda tão chata… o facebook uma merda… o twitter então, nem se fala! Quando será que vão inventar uma nova rede social pras pessoas legais irem?”

Será mesmo? Quero esmiuçar o que enxergo como enganos por trás dessa crítica.

 

Exclusão

Sartre já dizia, "o inferno são os outros".

“O outro [menos capaz, burro, brega, atrasado]… está aqui conspurcando minha timeline com seu conteúdo [de baixa qualidade, banal, irrelevante, tosco]... aff…”

Hora de acordar. A web é uma massa de modelar neutra. Toma como forma o reflexo de cada um de seus navegantes.

O reflexo nos desagradar é um atestado de nossa confusão, apenas. Somos perdidos digitais, não nativos. Todos nós, em alguma medida, integramos o gigantesco paredão de seres extraviados entre gerações.

Há alguns anos, a web era habitat exclusivo das cool kids. Os inovadores, os pensadores, os hackers, os geeks, os antenados... chame como quiser. Hoje, seu avô e seu mecânico trocam emails entre si. Usar um smartphone, ter um ipad no banheiro e um macbook air 11'' pra lazer ao lado da privada não alteram a noção de que estamos todos no mesmo barco.

 

Web ficando velha

A internet, como meio, está sim cultivando costeletas. Madura, se torna chassi de convergência para os meios pré-existentes. Aqui assistimos filmes e programas de televisão, lemos revistas e jornais, escutamos rádios, ligamos e interagimos com os amigos. Todos em um.

Notou como tem consumido cada vez mais programas de tv em seu computador? Fronteiras se desmanchando.

como utilidade, a web está só começando. Geolocalização, crowdsourcing, crowdfunding, crowdsharing, crowdlearning, compras coletivas, pesquisas coletivas, recomendações coletivas, real-time-tudo... Adicione a isso tudo a mobilidade dos novos aparelhos e a lista segue ad infinitum.

Nesse sentido, a web é uma criança. Nunca teve diante de si possibilidades tão excitantes.

 

Miopia, passividade & falta de senso crítico

Adotarmos uma postura de curadoria pseudo-ativa, distribuindo e compartilhando links como se não houvesse amanhã, é incongruente.

Há uma ampla mudança antropológica em curso, ainda alguns bons anos distante de ser digerida, como muito bem colocado pela escola de atividades criativas Perestroika:

 

A Revolução Digital transformou profundamente a forma como todos as pessoas se relacionam com o mundo. A partir da Internet, nasceu o Protocolo Digital: uma ética/estética/lógica que, por alguns anos, funcionava apenas dentro do computador.
Mas, agora, ela já saiu para o mundo offline – e está interferindo no consumo de informação, nos hábitos de compra e na relação das pessoas com comunicação.

Esse misterioso protocolo digital nos exige curadoria ativa. Mais do que selecionar “bom conteúdo”, pressupõe premissas e cuidados inteiramente novos:

 

1.

Nossos amigos no mundo físico não necessariamente serão pessoas que desejamos acompanhar no mundo dos bits e bytes.

Configurar nosso grafo social - leia-se, nosso círculo de relações - no ambiente online é uma tarefa distinta do tradicional modo como construímos nossos laços fora da web.

 

Na web, os grafos das relações se transformam. Interesses em comum não pressupõem convivência social. E convivência social não pressupõe reais interesses compartilhados.

 

2.

Responder seguida e neuroticamente a perguntas como “no que está pensando?”, “o que está fazendo?”, “onde está agora?” não nos faz mais autênticos. Nos torna erráticos e presos a personas estranhas.

YouTube | Esse app chamado Jotlysurgiu como uma irônica brincadeira para o hábito de avaliar tudo, o tempo todo. O resultado? Atraiu investidores. (!)

 

3.

Manter sua presença online pode se transformar num vício em encenar múltiplas versões de si mesmo, vide acima. Perigo.

 

4.

As redes devoram nossa atenção, um de nossos bens mais valiosos e escassos. Com a reserva de atenção exaurida, ficamos passivos. Um sujeito com a mente cansada produz, cria e se inspira menos.

 

5.

Indo mais fundo, corremos o risco de condicionar nosso cérebro a processar somente donuts de informação. Nossa capacidade cognitiva vai, pouco a pouco, sendo compactada.

140 caracteres.

Vídeos curtos.

Fotos rápidas.

Posts.

Urls.

ugh

(!)

***

Infelizmente, para além dos enganos envolvidos nas afirmações sobre a chatice da web, existe uma realidade capaz de minar meus próprios argumentos.

A relação sinal-ruído na web está pavorosa. Em termos simples, falamos do nível de um sinal desejado versus o nível do ruído presente.

Estabelecendo como sinal a comunicação relevante e como ruído a comunicação não-relevante - tendo em vista, claro, a amplitude de critérios possíveis para definir relevância - vivemos hoje num monstruoso, por vezes asfixiante, oceano de ruído. Lixo transbordando de nossas caixas de entrada e linhas do tempo. Culpa sua, minha. De todos nós.

Portanto, e sendo prático, se eu pudesse pregar no monitor de meus amigos um único post-it com quatro proposições para tornar a "web menos chata", lá estaria escrito:

 


  • Emita menos ruído - se expresse menos e melhor

  • Revise seu grafo social - é ok não me seguir ou me deletar de suas redes, vamos continuar amigos

  • Revise seu grafo de interesses - vá além da bolha

  • Lembre-se das cinco premissas relacionadas ao novo protocolo digital



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Coerente?


publicado em 14 de Junho de 2012, 00:00
File

Guilherme Nascimento Valadares

Editor-chefe do PapodeHomem, co-fundador d'o lugar. Membro do Comitê #ElesporElas, da ONU Mulheres. Professor do programa CEB (Cultivating Emotional Balance). Oferece cursos de equilíbrio emocional.


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