O PapodeHomem fez 12 anos e já completo pelo menos 10 anos acompanhando o projeto (que eu lembre). Em uma era em que discutir o masculino se tornou tão polêmico, me peguei revisitando os conteúdos-base que ajudaram a direcionar o homem que sou hoje.

Sigo saudoso da Cabana – talvez exista algo parecido lá fora, entre as dezenas de projetos focados no masculino que surgiram recentemente e se souberem, me avisem.

Abaixo, seguem 5 textos (e um vídeo) que sumarizam o que aprendi com o Papo de Homem na última década.

1. A nova geração de homens mimados

Esse é um dos textos mais polarizadores da história do Papo de Homem: algumas pessoas amam, outras odeiam. Na época, ajudou a consolidar a importância do desconforto e da generosidade. 

"A nova geração de homens com fraldas não é uma categoria de seres, mas um estado de carência e fragilidade no qual qualquer um pode cair. […] Destaco 8 comportamentos, 8 tipos de fraldas, que podem ser encontrados na nova geração de homens mimados. Comento cada um deles com o desejo de que todos nós possamos superar tais fixações e cultivar uma mente livre, um corpo potente, uma vida generosa."

Sobre o conforto

Meu pai sempre fala sobre a importância do homem "ser selva" e enfrentar desconfortos sem reclamar, tais como tomar banho de água fria quando necessário ou carregar as sacolas mais pesadas das compras do mês para ajudar minha mãe.

Ao ler este texto, entendi como não só precisamos abraçar o desconforto, como o conforto pode nos entorpecer e reduzir nossa potência diante da vida. Isto tem guiado decisões que me colocam em posições desconfortáveis, porém de maior potência – como a disciplina para frequentar academia e praticar jiu-jitsu.

"Nossos ancestrais caçavam animais, passavam frio, viviam à beira da morte. Nós pedimos pizza, usamos edredons e andamos de elevador com ar condicionado. Concordo que não dá mais para sair com um porrete para caçar antílopes, mas é preciso resgatar alguns comportamentos que ativam a energia masculina do destemor. Podemos começar com pequenas coisas como às vezes não fugir tanto do frio com mil roupas ou suportar o calor sem ficar tão dependente de ventiladores e ar condicionado.O conforto nos entorpece. Viver embaixo do edredon nos deixa sonolentos em vez de disponíveis, anestesiados em vez de atentos."

Reduzir o autocentramento e buscar ser mais generoso

Olhe para fora. Uma pessoa adulta (homem ou mulher) reconhece que o mundo não gira em torno do próprio umbigo e que existem pessoas à volta, com necessidades, anseios e em busca de felicidade também. Como se tornar mais presente na vida das pessoas que nos cercam? O ideal guerreiro é oferecer – não no sentido de dar esmolas, distribuindo migalhas, mas sim entregando o que há de melhor nele para o mundo.

O homem mimado perdeu a curiosidade que faz nossos olhos brilhar. Em seu prédio, seis porteiros se revezam e ele não sabe o nome de nenhum. A melhor amiga de sua irmã, o tema da pós-graduação do seu colega de trabalho, a viagem importantíssima que seu primo fará… Ele esqueceu dentro de sua apatia distraída. Quando você o encontra, ele sempre tem algo a falar e dificilmente oferece um espaço de autêntica escuta.

2. Solidão Masculina

Acredito que parte da dificuldade masculina nas últimas décadas surge da falta de espaços com referenciais maduros para mentorar os jovens como se portar e fornecer frameworks sobre como se relacionar entre si. Sem direcionamento advindo da experiência, homens se agregam apenas em torno de caricaturas do masculino, como bares, esportes e putaria, sem aprofundar conversas e relações.

O texto do Fred expõe justamente tais modos caricatos de se relacionar e como estão longe de ser suficiente para dar o suporte necessário para o florescimento masculino. Ao ver o processo descrito claramente, pude escolher me comportar diferente com amigos próximos: desde se abrir para pedir ajuda até ser transparente sobre como estava me sentindo.

"A maior solidão está nos amigos que nos oprimem silenciosamente com sua postura. Falo daqueles que reforçam nossas fixações emocionais com um olhar complacente, jocoso ou de hostilidade ao mundo. Não vão desafiar nossas cegueiras pessoais e nem sequer questionar as bases pelas quais nossas mentes têm funcionado. São amigos que podem nos querer bem, mas não nos fazem bem. É uma solidão qualitativa, não quantitativa. “Com quem posso contar de verdade para me tornar um homem melhor?" é a pergunta-chave."

3. Desafie seus amigos

Enquanto que “Solidão Masculina” colocou o dedo na ferida, ou melhor, descreveu claramente o elefante na sala, o texto do Gitti sobre desafiar amigos propôs um jeito claro de seguir adiante. Homens poderiam sair para beber e paquerar num final de semana, mas se bebida em excesso fosse um problema existente, poderia dar uma cutucada no amigo para observar o que está acontecendo. 

Ou o contrário: se o amigo estivesse obcecado com bebidas e diversão para preencher o vácuo de uma insatisfação no relacionamento, poderíamos (e deveríamos) cutucá-lo a respeito. E a cutucada pode ser tão simples como fazer um convite para uma trilha ou treino de arte marcial no sábado de manhã (difícil quando se bebe sexta à noite); não é porque queremos o bem um do outro que a relação tem que ser chata. 

“Sem julgar ou se colocar como superior, mesmo sem saber respostas e saídas, insista, diga o que precisa ser dito, arraste-o para onde ele precisa ir, coloque-o contra a parede, teste seus limites, pregue peças, pergunte."

O que precisamos é caminhar ao lado de parceiros que nos ajudem a expandir nossos horizontes e possam reconhecer, com compaixão e tato, quando estivermos desviando da estrada que nos propusemos a seguir, nos dando leve empurrões. Uma passagem do David Deida esclarece bem isso.

"A capacidade de um homem de aceitar a crítica direta de outro homem é a medida de sua capacidade de receber energia masculina. Se ele não tem um bom relacionamento com a energia masculina (com seu pai, por exemplo), ele vai […] se sentir ferido ou na defensiva ao invés de fazer uso da crítica de outros homens.

Cerca de uma vez por semana, você deveria se reunir com seus amigos mais próximos e discutir o que você está fazendo em sua vida e o que você está com medo de fazer. Essa conversa deve ser curta e simples. Você deve dizer onde você está. Então, seus amigos devem lhe dar um experimento comportamental, algo que você possa fazer que vai lhe revelar algo, ou garantir mais liberdade em sua vida. […]

Sem essa força masculina em sua vida, seu direcionamento se torna descontrolado, e você está sujeito a se desviar na bagunça de sua própria ambiguidade e indecisão."

– David Deida

O mais legal é, 8 anos depois, voltar ao texto e ver o desafio que o Gustavo Gitti me fez para começar a dança de salão, o que nos leva ao texto 4.

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4. Dança de salão: o jogo sujo dos relacionamentos

 

Custou, mas depois de tanto desafio, eu fui para a dança de salão. Já conhecia a ideia por trás, por causa de vários relatos na Cabana e por causa do texto acima, mas só depois do desafio acima me motivei o suficiente a começar. 

Dança-se com o corpo e não com a mente

Sempre fui do tipo analítico, que pensa nas coisas, gosta de ter controle via planejamentos e métodos. A dança de salão expôs outra forma de se relacionar com as pessoas e situações: 

  • Ao invés de planejamentos, improvisos; 

  • Ao invés de acordos, condução;

  • Ao invés de pensamentos, presença. 

São raras as situações onde podemos nos expressar com o corpo, especialmente para quem não tem naturalmente esta inclinação. A consciência corporal me deixou mais leve, mais solto, mais capaz de sentir a energia de ambientes e de relações. 

“Olhar um vídeo de um casal dançando (ou de si mesmo com alguém) não diz muita coisa sobre o que é dançar junto. Há toda uma dinâmica interna ao corpo, uma misteriosa relação com o outro e com a música. Talvez a dança de salão seja um dos raros modos de relação que se aproximem do sexo na possibilidade de movimentar a energia, a respiração, a emoção do outro. É por isso que às vezes conseguimos parar o mundo no fim do facão, no samba de gafieira, entre qualquer passo de tango ou mesmo em alguma travada do forró.” – Como parar o mundo – Gustavo Gitti

Ao entrar em contato com este lado mais fluido, aos poucos fui aprendendo a sentir, gerar e conduzir esse tipo de energia – o que se transferiu de modo direto nos relacionamentos. Sucesso nas paqueras foi consequência. Anos depois, por coincidência ou não, foi dançando que conheci minha esposa.

Na dança, o homem conduz, a mulher segue

"Na dança de salão, a polaridade masculino/feminino é extremamente enfatizada. Nas aulas, os homens são ensinados a conduzir, a ter pegada. E as mulheres são instruídas a serem conduzidas, a se deixarem levar, se entregar."

Não vou te convencer que as relações com maior polaridade entre o masculino e o feminino são melhores, mas tudo começou a mudar para mim quando desenvolvi a pegada (real e metaforicamente, está tudo conectado). O David Deida fala bastante sobre isso em sua obra O Caminho do Homem Autêntico.

Algo de concreto e inesperado que posso adicionar: é mais difícil do que parece. As pessoas criam uma caricatura de “ter pegada” como algo de machão, que quer impor sua vontade e fazer as coisas do jeito que quer. Na dança de salão, fica transparente como essa visão não se sustenta. Se o homem tenta impor sua vontade de maneira unilateral, perde a conexão com a parceira e termina pisando no pé dela (ou os dois caindo no chão). Esta é a beleza da dinâmica: o feedback é muito rápido.

Para desenvolver uma condução clara, é essencial estar presente, consciente dos sinais que o corpo da mulher está enviando para propor uma movimentação que faça sentido dado o contexto dela. Aqui vem a beleza do masculino na dança: é preciso (1) ler bem o feminino e (2) conduzir novas movimentações que façam sentido.

Por um lado, se você não entende o momento do feminino na dança, vai propor (com leves sinais de condução) algo que não faz sentido, digamos, para o equilíbrio dela naquele momento, ambos irão sair de compasso e perder a sintonia. Por outro, pode ser que você proponha movimentações que não façam sentido para aquela mulher em específico: dependendo da maturidade dela na dança do salão ela é mais ou menos “conduzível”, ou seja, está mais ou menos aberta a movimentos específicos.

A função de liderar, de propor, de conduzir é de fato complexa. Assim como é a função de ser leve, controlar ansiedade e ser conduzido. Para o homem, ser capaz de propor, é preciso leitura do momento atual e trazer à tona movimentações inteligentes para o contexto da dança – nunca é imposição unilateral sem levar em consideração a parceira. Aos poucos, quando em contato com a energia feminina, o homem vai propondo movimentos cada vez mais ousados, bem no limite da zona de conforto da dama – partindo os dois, juntos, a explorar o novo, criando o fervor da aventura.

5. O que tanto buscamos em noitadas, bebidas, mulheres, trabalhos e viagens?

Praia do Campeche, Florianópolis.

Esse questionamento, proposto pelo Gustavo Gitti há quase 10 anos, foi a primeira cutucada que recebi para me perguntar se a ideia de felicidade que tinha fazia sentido. O brilhantismo do texto está em desconstruir aspirações quase universais no mundo masculino, mas propondo soluções bem específicas.

"O lance é que não conseguimos atingir e sustentar tal estado positivo diretamente, então o colocamos sob condições, na esperança de aumentar a probabilidade disso tudo acontecer. Por exemplo, durante um jogo de futebol, você coloca sua felicidade na mão de um time, ou melhor, em um tipo de camisa, pois jogadores e técnicos mudam o tempo inteiro. Então, considerando que as camisas são praticamente iguais, na verdade, você permite que estampas controlem o batimento do seu coração. […] E não só com times e estampas. Fazemos isso com pessoas, relacionamentos, trabalhos, cidades, apartamentos, empresas, situações."

Na última década, passei por dezenas de livros, do Viktor Frankl a Sêneca, de enfrentar dificuldades a gerenciar crises, mas tudo só foi possível graças a primeira cutucada desse texto.

Xamã, guerreiro, palhaço, amante e rei: os homens que somos

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“Por trás de nossas atitudes pessoais, existem qualidades coletivas e milenares, às vezes chamadas de arquétipos masculinos. Essas forças não pertencem apenas aos grandes sábios, pajés, samurais, sedutores, imperadores do passado. São inteligências disponíveis para os homens de hoje, você e eu, incorporarem a qualquer momento.”

Na minha opinião, talvez esse seja o conteúdo mais importante da história do PdH. Está tudo aí. Aspirações, objetivos, trilhas e armadilhas para o masculino. Conhecimento milenar, arquétipos que ecoam através de culturas e gerações, sobre as aspirações de ser homem.

Já falei e digo novamente: um agradecimento público ao Guilherme, Gitti, Fred, Luciano e todo time do PapodeHomem por ter ajudado a formar o homem que sou.

E para você, quais foram os textos de maior influência do Papo de Homem?

Conta para gente nos comentários – podemos até criar um compilado diferente para novos leitores.

Paulo Ribeiro

Marido, escritor e estrategista da <a>In Loco Media</a>. Escreve sobre filosofia e crescimento pessoal sem mimimi no portal <a href="http://estrategistas.com/">Estrategistas</a> e tem uma lista de <a href="http://estrategistas.com/recomendacoes-de-leitura/">recomendações de leituras</a> para mais de 8 mil pessoas. Levanta peso do chão e está aprendendo data science do zero no <a href="https://medium.com/data-noob/chegou-a-hora-de-aprender-ci%C3%AAncia-dos-dados-32441ab8de58">Data Noob</a>."