Hoje (estou escrevendo este texto em 10 de outubro), eu tinha que ir de Perdizes à Vila Olímpia para um compromisso. Peguei o ônibus, logo cedo, até a estação Vila Madalena. Seguiria o resto de metrô.
Quando fiz a troca de linha para a amarela (aqui em São Paulo), a estação Paulista estava completamente tomada, cheia de gente saindo pelo ladrão. Quando o trem chegou, entrei no vagão meio que na inércia, empurrado por quem vinha de trás.
Acabou que, no acaso, não fiquei na posição costumeira de alguém que entra no vagão: virado para a janela ou parede, com os olhos perdidos em propagandas ou na escuridão da ventana. Entrei e fiquei de frente para o povo, cara a cara com outros dois homens: um negro de meia idade, com bochechas bem saliente e barba feita e um japonês — creio que universitário — com um corte que deixava seu cabelo todo espetado em um topetão maluco. Ele também tinha algumas espinhas na cara e usava uma camiseta com gola em v bem profunda.
Eu sei disso porque estava olhando para eles. Nenhum dos dois olhou para mim.
Na verdade, ninguém no metrô se olha. Há uma falha no inconsciente coletivo que causa essa rotina bizarra de gente olhando para o nada, lendo propagandas de péssimas universidades ou de cursos horrendos. Eu sabia — na verdade descobri — que estava sendo um incômodo para aqueles dois. Atrás deles, uma negra linda também estava no vagão. Cabelo afro todo para o alto, um par de brincos espalhafatosos e um par de óculos escuros grandes. Ela não prestou atenção no fato de eu encará-la de quando em quando também.
As pessoas pensam um monte coisas.
- Será que esse cara é gay?
- Será que, se eu olhar de volta, eu sou gay?
- Ele quer me assaltar?
- Se eu olhar, ele vai pensar que eu tô dando mole.
- Ele pode me estuprar.
- Folgado esse cara.
Todos esses pensamentos afastam pessoas que estão forçadas a passar minutos literalmente coladas. Um equívoco triste de se pensar. Você finge que alguém não existe (ao olhar para qualquer outro lugar), você se distrai, se incomoda com o contato humano, aquilo que é a coisa que mais procuramos nessa vida que temos. Fazemos tudo errado.
Outra loucura que temos, e com a mesma desculpa de pressa, stress, vida moderna, violência urbana etc. é com a nossa própria vizinhança.
Ainda bem que, onde moro (há quase dois anos), já consegui criar uma afinidade interessante com os meus vizinhos de prédio, com o tio da floricultura do lado da minha casa, com o pessoal do açougue, com algumas pessoas que sempre encontro quando vou passear com o meu cachorro. É uma sensação muito aprazível andar cumprimentando as pessoas, ouvindo os “causos” rápidos delas, criando uma proximidade que, mesmo efêmera, faz um bem danado. Andar pelas ruas que você conhece com as pessoas que você conhece. Enfim, aquela sensação de pertencimento que é sempre boa.
Esse vídeo aqui, de três minutinhos (veja do começo ao fim. É divertidíssimo), mostra o que conseguimos produzir com um pouco dessa loucura cotidiana:
Agora pense. Estamos deixando imperar cada vez mais a “eulândia”, esse estado de egoísmo agudo, de afastamento constante do outro. Ao mesmo tempo, de tanto nos afastar e ficarmos cada vez mais isolados, não sabemos — nem um pouquinho — lidar com a gente mesmo, não suportamos a ideia de estarmos sozinhos com a gente mesmo e, aí, entramos na tal da cultura da distração.
“As pessoas dirigem e digitam no celulares e arriscam a vida das outras e suas próprias porque não querem ficar um segundo sequer sozinhas. […]
Temos que ter a capacidade de sermos simplesmente nós mesmos, sem ter que fazer mais nada. De apenas sentar aqui, assim. Isso é ser uma pessoa. Certo? […]”
Louis C.K. (as citações saíram do vídeo que estão nesse artigo: Louis C.K. sobre celulares e nossa cultura da distração | Pare tudo #7)
Ora, tudo dá errado quando tudo está errado. As pessoas se afastam de outras pessoas e não suportam a ideia de ficarem sozinhas.
Estamos equivocados e nem percebemos.
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