Fábio é um amigo de longa data. Demorou meses a aparecer em algum dos meus posts ácidos em plena guerra civil cívico-política na internet. Suas palavras, em primeira análise, não continham raiva. Mas dava para perceber seu grau de discordância nos espaços entre letras. Contido, deu o seu recado.
Tive brigas piores nas redes. Todos os que, assim como eu, não quiseram manter-se em silêncio, ou que não souberam colocar seu lado zen para trabalhar, brigaram também. E conhecendo um pouco dos nossos hábitos, estou certo que muito desconforto ainda está por vir.
Mas por que uma opinião diferente nos incomoda tanto?
A despeito do nosso sorriso fácil, da facilidade em nos aproximarmos uns dos outros e da nossa malemolência carnavalesca, as altas temperaturas da web fomentam teorias rasas.
O “verdadeiro Brasil está aí, dividido”, dizem alguns. Pode até ser, mas o aquecimento não se dá só por aqui. É fenômeno global.
Ao jogar as pessoas em um só ambiente, “obrigando-as” a se posicionarem, as redes desvelaram nossas crenças e nossos pontos de atrito ficaram aparentes. Aquelas opiniões guardadas a sete chaves – você se lembra do que não quis falar à mesa, no aniversário de sua tia? – ganharam o mundo. E o mundo nos retornou com um soco.
A saga da opinião
Lembre-se da sua infância: ainda que você tenha sido uma criança transgressora, é bem provável que suas primeiras opiniões seguiram as da sua família. Seus primeiros influenciadores, mamãe e papai, ditavam a regra. Avós e avôs, tios, religião, TV, entre outros hábitos dão contornos a alguns pensamentos seus. A família é, também, lar e conforto de suas primeiras ideias, sua visão de mundo inicial. Formam-se as raízes de nossas crenças.
Ao entrar na vida escolar, temos contato com seres de diferentes origens. Surgem nossos primeiros embates, e até por conta deles nos aproximamos de pessoas ou grupos com quem temos mais pontos em comum.
Não somos seres imutáveis: as informações nos transformam, e nós até chegamos a influenciar pessoas que estão ao nosso redor. Mas buscamos aumentar esse lugar de conforto em uma espécie de zona. Junto com o que acreditamos, queremos estar com quem partilha conosco de nossas opiniões. Esse movimento segue com a vida.
Há exceções: pessoas podem ser ajudadas pelos pais a, desde cedo, colocarem-se no lugar do outro. Ou descobrirem isso com a vida. Um exercício complexo e que se prova cada vez mais fundamental para a convivência pacífica em um mundo com 7 bilhões de opiniões. Meu rodado radar pessoal me informa que tal exercício é praticado por uma quantidade mínima de pessoas ao redor do planeta.
A natureza joga a favor da resistência ao diferente. E quando uma inovação tecnológica como uma rede social nos coloca numa mesma sala com a “obrigação” de falar, o resultado pode ser treta.
Mas e se, a cada embate, antes de querer contrapor-se a uma ideia diferente, seguíssemos o conselho da placa do cruzamento com a linha férrea?
Acredite: essa é a primeira parte de um processo que pode ser transformador.
Para quê tanta certeza?
Alguns tombos na vida – todos levamos – fizeram-me não inseguro, mas sim questionador. Pergunto coisas por duas, três vezes. Ainda que amigos fiquem irritados, o costume me traz aprendizados frequentes. Uma indagação despretensiosa, feita para checar informações banais, traz uma resposta com alguma novidade. A dúvida virou dádiva.
Estendi a mania para testar minhas próprias crenças. Passei a perguntar para pessoas com quem não concordo. “Por quê?” “Como?”
Ainda não me recuperei dos sustos.
Com suas respostas, meus supostos “opositores” ajudaram-me a entender todo esse processo. Mais: enxerguei, também, que esse caminho formador da nossa opinião é reforçado pelas próprias formas com as quais a informação se organiza.
Identidades se agrupam em zonas de conforto. Veículos de comunicação têm um lado porque pessoas têm um lado – e seus “clientes” se organizam ao redor dele. Tendemos a nos informar para reafirmar nossas crenças.
Vi, vivi e continuo vivendo um processo rico. Acompanhei gente que estudou mundos, criou teorias, executam práticas sob pontos de vista diferentes do meu.
No exercício do desapego (palavra quase velha), compreendi que opinião perde se for acompanhada de paixão. Nossas escolhas de lado são vítimas de circunstâncias. E aceitar isso dá uma paz danada. É libertador.
A outra opinião não é pior que a minha. O processo construído pelo outro é diferente, e conhecê-lo enriquece.
Claro, não me beatifiquei. Há coisas que não tolero. Não perdoo. E minhas opiniões não mudaram tanto assim. Mas vi no contato com a opinião diferente um espaço de aprendizagem sincera. E mais que isso, ficou evidente que não existe apenas o outro lado para nada. Em todo assunto, inúmeros pontos de vista diferentes cabem e devem ser levados em consideração. A riqueza maior é entender o processo do outro.
É por isso que criamos o Oppina
Acreditamos – minha sócia e eu – que há uma propensão, por parte de um grupo considerável de pessoas, a ouvir outros lados.
O Oppina será uma plataforma gratuita de vídeos que abordará periodicamente temas polêmicos. A cada rodada, especialistas e líderes trarão seus pontos de vista em depoimentos curtos (mas, nem por isso, pouco profundos) e contundentes.
Por várias razões, escolhemos como primeiro tema a “Publicidade Infantil”. Fizemos uma pesquisa considerável por fontes e opiniões. Dois psicólogos respeitados, com carreiras incríveis, cujos vídeos assistimos na internet, dão o tom da nossa dúvida. Para um, “uma criança menor de 12 anos não tem maturidade para assimilar e discernir a dose de ‘sedução’ imposta pela propaganda”. Para outra, “não parece saudável uma criança crescer em um ambiente onde haja censura”. Claro, há inúmeros outros vieses a serem ouvidos.
Eu não concordo com um desses lados. Mas isso não é importante. A riqueza reside em reconhecer os outros lados, compreender suas raízes e consequências, e “escolher”, de acordo com circunstâncias, o que é melhor para você. Assim, aprende-se com quem você não concorda.
Concorda?
Ajude a financiar o Oppina: colabore e espalhe.
O projeto precisa de uma rede para começar com força e seguir adiante. Por isso, contamos com sua colaboração: para doar, acompanhar, contar para outras pessoas e, também, nos cobrar sobre sua relevância, seu alcance, eficácia, resultados, e o que mais for necessário.
A meta mínima da campanha cobre a construção da plataforma e a primeira rodada, onde especialistas e líderes responderão à pergunta: “A publicidade infantil deve ser proibida?”
A campanha já arrecadou R$ 17.800,00, e faltam 12 dias para que ela termine. Entre no site do Catarse e veja mais detalhes sobre o Oppina. E, se tiver alguma dúvida… comemore!
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