— Fica, gata!
— Não quero.
— Mas falta pouco!
— Não gosto de mim aqui dentro.
— Mas você vai se arrepender!
— Eu tô feliz saindo.
— Mas você..
— Gente, eu tô feliz.
Foi mais ou menos nessa toada que uma menina saiu do programa Big Brother Brasil sem ser eliminada, mas como “desistente”. Ao que parece, foram pouquíssimas vezes que isso aconteceu e há muitos e muitos anos. Pois bem, em 2015, uma garota de 24 anos refaz a lenda.
Não tem problema algum em desistir
Vitória, acerto, ascensão, sucesso. Essas palavras pairam sobre nossas escolhas o tempo todo, como se nossa vidinha dependesse desses fatores para ser boa. Perder é errado, errar é ainda pior, a noção de “estagnar”, a apatia para obter o ponto mais alto do triunfo.
“Muitas pessoas buscam fugir da mediocridade e ambicionam o sucesso.
Mas… fugir de qual mediocridade? Ambicionar qual sucesso?”
– Trecho de Prisão Sucesso
Dia vai e dia vem com o mesmo equívoco, a mesma ansiedade. “Eu não posso parar agora”, “Eu já disse e não tenho mais como voltar atrás”. Nessa brincadeira sem graça, o que não falta é gente infeliz no trabalho, pessoas que buscam cargos, funções e empresas que vão de completo encontro ao que florescimento de energia propositiva que elas procuram. Assim, passam o resto dos dias nessa preocupação diária de tristeza com o que faz e obrigação de continuar fazendo porque “é o processo natural”.
Relacionamentos de merda seguem por falta de conversa aberta, por não ter quem assuma que a junção está fazendo mal. Tudo isso porque “quem ama não desiste, quem ama segue e faz dar certo”. Um apego mesquinho travestido de amor romântico.
Ninguém dá o braço a torcer.
Desistir é bom e saudável, quando feito com tranquilidade, sem a ansiedade que permeia justamente os atos de prosseguir. O medo da tentativa, da entrega é outro caso, é um desassossego prévio que trava a pessoa de dar início a qualquer percurso, mas não parece ser o caso da participante do reality show que passou da metade da competição quando, após avaliar, se viu na condição de sentir-se melhor fora daquele ambiente.
Não querer mais ser gerente, não querer mais ser músico, não querer mais casar e nem comprar a maldita bicicleta.
— Mas faltam só 20 dias!
— Eu não ligo.
— Mas você é uma das mais fortes!
— Eu não ligo.
“Mas quem não ficaria maluco de perder um milhão e meio de reais!?”.
Quando depositamos a nossa esperança nas pessoas
O jogador Adriano “desistiu” de jogar bola e ganhar seus salários astronômicos e ser lembrado como um dos maiores jogadores de futebol. O jogador da NBA Larry Sanders, que possuía um contrato de U$ 44 milhões por ano, desistiu de jogar a liga americana de basquete por não se sentir a vontade com a pressão. Ricardo Lombardi, ex-diretor do Yahoo!, largou o cargo do alto escalão para tocar um sebo, o Desculpe a Poeira.
“Vendi o carro, ando de bicicleta, não pago mais 300 reais para comer num restaurante, deixei de pagar um dos dois clubes em que era sócio, troquei o treino na academia pela corrida de rua. Abri mão de 70% da minha renda para poder me dedicar ao que me encantava e para estar mais próximo das pessoas que amo.”
Pessoas que desistiram da fama ou da grana ou do topo. Ficamos abismados porque colocamos nossos desejos em suas atitudes, queremos que elas vençam porque lutaríamos para vencer se estivéssemos em seus lugares.
O mesmo aconteceu com a Tamires, sem percebermos que não era a grana que motivava a cirurgiã dentista, nem o espírito competitivo ou ainda algum código de ética ou honra qualquer.
Repare. Não havia nada que a segurasse na casa. Não foi uma fuga qualquer, apesar da aparente tristeza em demasia, ou um ato repentino por ser mimada (o que parece até ser). Apenas a noção de que ela nada tinha a ganhar permanecendo lá. O lado financeiro não mais apetecia, a competição se tornou uma chatice e as pessoas que ela gosta estão do outro lado do muro.
Na manhã seguinte, ela estava radiante ao lado da filha.
Talvez os anseios sejam diferentes em casa pessoa. Pode ser que, enquanto um queira aparecer em comerciais de shampoo como o atleta mais foda de todos, alguns só querem botar o vinil pra rodar no final da tarde e fumar um cachimbo na varanda.
O péssimo recado do dono da coisa toda
“Nas salas do conservatório não há camaradagem que resista. Os músicos mais jovens são tratados pelos mais experientes como imbecis e qualquer um pode perder seu posto pelo mais irrelevante deslize.
Errar significa ser taxado de fraco, bicha, eunuco, patético. Ser bom não rende elogios, garante apenas a sobrevivência do dia.”– Trecho de “Whiplash” vai te levar ao limite
O cara que manda no programa soltou aquela máxima de que quem não fica é bobo, feio e mau. Como se tratava de um comunicado interno, considero parte do trabalho de motivar quem ficou e tirar da frente as conversas constante sobre o acontecido.
O que não o exime do discurso completamente infeliz sobre o acontecido.
Desistente, perdedor, fraco. Esses devem cair no esquecimento enquanto colhe os louros da abundância e da imortalidade aquele que resiste até o fim.
Isso não é o que acontece na vida. Isso não é nem o que acontece com um ex-BBB. Podemos resignar, temer, fraquejar, pedir ajuda. Uma das coisas que mais vejo propagar desse programa, que até vira piada em discursos genéricos de seus participantes, é a coerência, é seguir um caminho definido no começo e nunca entortar, como se ser duro, fechado e turrão fosse algum tipo de virtude.
Honestidade é fazer bem e estar bem. O resto é papinho de programa de televisão.
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