Equidade racial: qual o lugar da branquitude no enfrentamento ao racismo?

Pessoas brancas podem falar sobre questões de raça? Qual é o seu lugar de fala e responsabilidade social nessa discussão se você não é negro?

Quando se fala sobre debate racial, pensamos em uma luta do movimento negro, feita por pessoas negras. Muitas vezes, as pessoas brancas não se enxergam como parte que tem responsabilidade nesse debate.

Há pessoas brancas quem se entendem como alguém que não faz parte da conversa, já “cumpriu” seu dever com o tema ou então que não tem lugar de fala. Outras vezes existe até um desconforto por parte das pessoas brancas, reações que negam o racismo, que resistem a pedir desculpas ou que buscam afastar ou desvalorizar a discussão. 

Para pensar o lugar das pessoas brancas na discussão de racial precisamos entender a palavra branquitude, que representa o grupo racial das pessoas brancas. Afinal, numa sociedade que historicamente foi dividida em raças pela cor da pele, todos temos uma raça e não só as pessoas negras.O debate racial é sobre relações: sobre como um grupo foi subalternizado e prejudicado historicamente por outro. Portanto, não são apenas os negros que tem que lutar pelo fim do racismo. Os brancos, a branquitude, tem uma responsabilidade importante em se fazer parte dessa discussão.

No entanto, muitas pessoas brancas não sabem como se posicionar diante de um debate racial porque nunca se viram como pessoas racializadas. Um exemplo disso foi durante o processo de vacinação da covid: nas filas quando as funcionárias responsável pelo cadastro perguntavam "Qual é sua raça?”, as pessoas negras ou pardas prontamente respondiam. Entre as pessoas brancas, o grupo se dividia. Uns respondiam naturalmente, outros tantos perguntavam “como assim? porque esta pergunta?”. É comum que pessoas brancas não se vejam como parte de um grupo racial e sim como o “normal”, o “padrão”. 

Sair dessa posição pode parecer desconfortável mas, se queremos acabar com o racismo, é necessário. Se entender enquanto branco parte de entender as opressões e dinâmicas sociais que levam a desvalorização de outras raças. “Mas eu não faço isso, eu não desvalorizo pessoas de outras etnias”. A desigualdade criada pela nossa história gera vantagens - privilégios - para todas pessoas brancas  independente da vontade individual de se beneficiar ou não dessa injustiça.

É preciso que pessoas brancas sejam parte da luta por equidade racial do seu lugar de fala, que é o lugar da branquitude. Para entender melhor isso, trouxemos algumas dicas de como se colocar no debate racial e assim desconstruir a branquitude.

1-  Entenda-se como branco.

Antes de tudo, entenda que você é uma pessoa branca e, então, busque entender o seu lugar social nessa conversa. Existem criações brancas, conjunturas historicas, como a escravidão, o aparthaid na Africa do Sul, a segregação racial nos Estados Unidos e até mesmo as leis instituídas ao longo da história recente brasileira, que impactam a não só a forma como o mundo e as pessoas no geral tratam pessoas negras, mas a própria visão e perspectiva dessas pessoas. Ser branco é carregar diversas vantagens, privilégios e comportamentos que precisam ser discutidos.

2 - Não, não somos todos iguais, tampouco deveria existir o dia da "consciência humana”.

Nós não somos iguais porque socialmente somos vistos e tratados de forma diferente. Está tudo bem em reconhecer que somos diferentes, mas não podemos aceitar que sejamos desiguais. 

Falar frases como esta, que encerram o debate, é fácil, mas não ajuda. Até pode haver uma boa vontade da parte de quem diz, em querer pregar a igualitária, mas o problema é muito mais complexo e, se alguém realmente ambiciona essa igualdade, deve entender que não é possível resolver o problema com uma frase. 

A propósito, democracia racial no Brasil nunca existiu, mas foi um teatro bem orquestrado. O racismo no Brasil se mostra concreto a cada dia, seja nos dados policiais, seja nas representações e estruturas institucionais.

3 - Ter amigos negros não te permite usá-los como blindagem nessa discussão.

Usar uma pessoa negra do seu convívio como uma “carta” para se isentar de ser acusado de racismo, é em si, uma atitude racista porque reduz aquele ser humano, aquele amigo, a um instrumento que te permitiria, teoricamente, provar um ponto. 

Existe um nome pra isso: tokenizar as pessoas negras. Ou seja, transformar uma delas em um símbolo que você pode generalizar e usar de exemplo para um todo. Dessa forma você sequestra o lugar de fala desta pessoa e apaga a complexidade de um grupo que não se resume a uma experiência individual.

Saiba que o processo de aprendizado, desconstrução e entendimento sobre questões raciais enquanto pessoa branca é contínuo. Vai fazer parte da sua jornada errar, soltar ideias racistas, falar algo ofensivo, perceber um pensamento enviesado por estereótipos de raça. Isso vai acontecer, então, tenha a humildade de pedir desculpas, assumir e entender o seu erro. Gaste menos energia tentando se justificar e mais energia empenhado em não repetir. 

4 - Racismo reverso não existe.

O racismo não é um processo individual. Ele é estrutural. E quando falamos de estrutura, nunca existiu em um período histórico em que uma coletividade se organizou estruturalmente para segregar e diminuir pessoas brancas, portanto, não pode existir racismo reverso. Ainda que uma pessoa negra diga que não gosta de gente branca, essa fala ocupa um espaço pontual, que não afeta toda a estrutura de vida dessa da pessoa branca diariamente e constantemente. 

5- Faça o que você puder fazer

Começamos a partir da compreensão das desigualdades sociais, reconhecendo o problema. Agora é preciso agir, encontrar as suas possibilidades de mudança sobre essa realidade.Volte para o início: observe a sua realidade. Existe equidade à sua volta?Metade da população brasileira é negra. Metade das pessoas que te cercam são negras? No local em que você trabalha, como é o quadro de funcionários? Nas escolas dos seus filhos, como são as crianças que estudam com eles? Dentre as pessoas negras do seu dia a dia, do seu trabalho, quantas você encontra em posição de igualdade? Quantas em posição de superioridade? E de inferioridade? 

Se ao seu redor você percebe que não existe equidade, procure entender as barreiras e o que você pode fazer para mudar isso. Você pode começar revisando quais das suas atitudes tem viéses racistas inconscientes e de fato mudando essas atitudes. Você pode educar as pessoas ao seu redor sobre o tema. Interromper, chamar atenção se vir uma injustiça. Integrar um comitê pela diversidade seja na escola, seja na faculdade, seja no seu trabalho.

Você pode votar em pessoas negras para garantir mais representatividade racial nas instâncias de poder, o que garante que as leis passem a ser menos desiguais com o passar do tempo. 

Há muito o que ser feito e é preciso que todas as pessoas entendam seus lugares atuem, a partir desses lugares, na construção de uma sociedade mais equânime.


publicado em 24 de Novembro de 2021, 09:12
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João Marques

Escritor, pesquisador da psicologia das masculinidades e questões raciais.


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