"Eu não sei como agir... eu só não quero ser escroto" | Dilemas de masculinidade e virilidade

E se ela não me quiser? E se ela não entender que eu to dando em cima dela? Mas e se eu for mais claro e ela me achar um escroto?

Parece simples e básico. Por que na prática é tão difícil?

Esses dilemas é algo que eu vejo, pessoalmente, e que estamos começando a pesquisar enquanto instituto: uma porção significativa de homens e meninos andam com dúvidas e com receios ao abordar, especialmente as mulheres, temendo ser mal interpretados, que uma cantada reverbere de um jeito machista ou objetificador.

Entre dois extremos

Esse "pisar em ovos" não é geral. Se vemos uma porção de homens evitando a todo custo reproduzir comportamentos machistas, também temos uma ampla gama de homens reivindincando um jeito machão de ser cada vez mais autoritário, violento e sexualizado. E entre esses polos, claro, existem muitas nuances. 

Vamos focar, hoje, no dilema daqueles que se perdem entre as boas intenções. 

-- Eu não entendo o que esperam dos homens…

-- Cara, não é muito que as mulheres estão pedindo. É só ter bom senso, não ser um escroto, não sair assediando, pegando pelo braço e puxando... É simples!"

Realmente, o que se pede dos homens não é muito e nem deveria ser algo tão complicado. Um de consideração com a necessidade dos outros, uma postura de respeito... A escuta aberta já é suficiente para seguir continuamente se alinhando ao que faz bem para o outro.

Por que ainda existe tanta dúvida sobre como ser "um cara legal"?

Uma possível resposta é porque o medo de errar pode virar um monstro paralisante.

As inseguranças masculinas "tradicionais" seguem ali e se somam as inseguranças do cara que quer ser um aliado:

E se ela não me quiser? E se ela não entender que eu to dando em cima dela? Mas e se eu for mais claro e ela me achar um escroto? E se ela topar sair comigo mas não gostar de mim? E se eu achar que não rolou e não quiser sair de novo? E se ela me achar escroto, irresponsável e falar pra turma?

É tão difícil porque somos ruins em lidar com nossos erros. E somos dualistas. "Ah, então eu sou errado? Eu sou o vilão da história?"... Parece que se você errar, e se seu erro for apontado, todo seu valor pessoal vai pelo ralo.

Fazemos isso com os outros e com nós mesmos.

Um cara legal não pode arriscar terminar um rolo da forma errada, se não ele será automaticamente rebaixado a escroto. Um cara legal não pode ser igual a eles... os outros... os machistas escrotos. 

Entre tantas dúvidas, às vezes, o caminho mais seguro é só esperar: esperar ela te chamar para sair, te beijar, te levar pra cama, esperar ela gozar, esperar que ela defina a relação, e esperar que ela não queira te ver mais…

Levar essa postura a cabo, pode te colocar numa outra caixinha: do homem que deixa todo mundo escolher por ele, que não é resolutivo nem quando é necessário e que, também não é muito desejado, nem muito bem visto justamente por isso. "Um banana… ele não tem culhão..."

É nesse cenário que parece que some uma certa expectativa de virilidade que, para além dos padrões tóxicos de masculinidades, também é desejada. Se ninguém quer os macho escroto, ainda permanece a valorização da virilidade no lugar do cara que "sabe o que quer" e "que toma atitude". 

Acho que também precisamos falar sobre isso. Viemos de uma estrutura e as coisas mudaram. Mudaram. Mas algumas coisas ainda permanecem. (E  elas não necessariamente são ruins nem precisam ser evitadas a todo custo...)

"No final elas sempre trocam os caras legais pelos machos escrotos'’

Nunca é bem assim porque as pessoas da vida real nunca pertencem exatamente a esses dois estereótipos. O que o cara legal tem de chato? E o que o macho tem que bacana?

"Um esquerdo macho e um heterotop, os dois a 80km/h?"

É um dilema que eu ouço muito nas rodas de amigas como uma grande provocação para refletir como sempre haverão defeitos independente da caixa que uma pessoa se enquadre, até porque nenhum caixa dá conta da complexidade da vida real.

Não vai existir o homem aliado, progressista que seja livre de pecado. E na caixa de macho ao estilo reality show, sempre podem ser encontrados, para além dos discursos meio tortos, um bom aliado nas práticas do dia-a-dia. 

"Ele é assim meio bruto, mas pelo menos não é hipócrita"

Dentro das bolhas progressistas, que discutem as masculinidades, muitas vezes notamos um certo ar de superioridade, uma sensação de "pelo menos eu não sou como aquele cara lá, machista escroto…"

Talvez seja justamente nesse senso de distinção que se perde algo importante: a possibilidade de ser que nem "aquele cara lá".

Não que você deva querer isso, mas talvez deva admitir a possibilidade de, em algum momento ocupar aquela posição. Estar errado. Saber lidar com alguém apontando sua falha. Que tipo de postura você vai escolher ter quando você for "que nem aquele cara lá?"

Pode até ser mais dificil apontar o erro de um homem aliado, se ele logo tentar se defender ("você me entendeu errado"); do que puxar a orelha de um suposto bruto de boa intenção que "sabe que se atrapalha com essas coisas aí e que tem que aprender". 

Agora a gente tá errado até quando tenta fazer certo?
Justamente. Pode ser que sim. E não tem problema.

Isso não é um puxão de orelha, é uma libertação. 

Esse aqui não é um post para terminar de achincalhar a pequena parte dos homens que está tentando ser parte de um processo de mudança para equidade. Esse texto é, no máximo, puxão de orelha libertador.

Você pode mergulhar em filmes e séries feministas e ainda assim agir de um jeito machista (mesmo que seja tentando explicar o final da sua série empoderadora favorita).

Alguma atitude sua vai ser escrota pra alguém (e talvez não seja para outra pessoa), você vai errar, você vai magoar alguém no meio do caminho (mesmo que você não esteja fazendo nada de errado).

Liberte-se da ambição de ser o mais correto entre os homens. Se liberte da prisão de ficar esperando a atitude alheia para evitar que a sua ofenda.

Não se esqueça do respeito, não se esqueça de ouvir o que é importante para elas, mas faça isso dando vazão as vontades que te dirigem, sendo autêntico.

Ei você, cara legal, se você não sabe como agir, comece pelo que você realmente quer e não pelo que vai ser menos criticado.

Seja cuidadoso sendo autêntico. 


publicado em 20 de Dezembro de 2023, 18:50
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Gabriella Feola

Editora do Papo de Homem e autora do livro "Amulherar-se" . Atualmente também sou mestranda da ECA USP, pesquisando a comunicação da sexualidade nas redes e curso segunda graduação, em psicologia.


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