Jetsunma Tenzin Palmo nasceu em 1943, na Inglaterra. Praticou por 12 anos em retiro em uma caverna no Himalaia. Aluna de
Khamtrul Rinpoche, tornou-se a segunda mulher ocidental ordenada no
budismo tibetano (escola Drukpa Kagyu) e fundou um monastério de monjas,
onde é a responsável hoje em dia, além de oferecer palestras e retiros
pelo mundo todo. Hoje, 30 de junho, ela completa 72 anos.
Entrevistamos Jetsunma Tenzin Palmo em um hotel próximo ao aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, no dia 14 de maio de 2014. Já publicamos sua fala sobre amor genuíno (com mais de 1.700.000 visualizações) e sua participação na série “O que aprendi”. O vídeo acima começa com sua resposta sobre a questão do machismo e do preconceito em geral. E depois ela descreve a condição atual das monjas budistas. Abaixo, algumas falas.
Sobre machismo e preconceito em geral
“Este não é um fenômeno recente. Este é um fenômento bastante antigo na mente humana. A habilidade de desumanizar os outros, para assim conseguir tratá-los da maneira que se desejar. Fazemos com que pessoas de raças diferentes, de alguma maneira, sejam menos humanas. Entende? E assim você pode tratá-las como quiser.”
“E o que é interessante é, mesmo em comunidades religiosas consideradas iluminadas, ou que se esforçam para ser, como este problema, esta discriminação total nunca foi questionada, durante todos esses séculos. E continua até hoje, em muitas religiões, em que as mulheres ainda lutam para terem voz. Além do mais, todos os textos foram escritos por homens, para homens. E frequentemente apresentam as mulheres como sendo o mal em pessoa, de quem os homens precisam se proteger.”
“Essa discriminação existe há muito, muito tempo. E até que tomemos consciência dela, até que comecemos a de fato ver que é isso o que temos feito, e que isso é um problema, nós não buscaremos uma solução. Nós apenas considerarmos tudo isso muito natural. Porém, assim que comecemos a reconhecer o que está acontecendo e que isso é realmente um grande problema — termos ignorado completamente e negligenciado metade da raça humana por muitos séculos e milênios… Na verdade, essa é a razão pela qual o mundo está tão desequilibrado. Aí sim, poderemos pensar a respeito disso e algo então poderá ser feito. Mas é muito profundo. O racismo e a desigualdade de gêneros são temas sobre os quais podemos intelectualmente pensar, mas é muito mais profundo do que isso. Eu acho que demandará um grande esforço para que as pessoas realmente reconheçam seus próprios preconceitos mais profundos. E os superem.”
Sobre a situação atual das monjas budistas
“Aqui nós estamos falando de dois grupos de monjas, na minha opinião. Um deles é o das monjas tradicionais, de países tradicionalmente budistas, que precisam basicamente de apoio financeiro. Mas, neste momento, minha preocupação maior é especialmente com as monjas ocidentais, incluindo as brasileiras, que pertencem à tradição tibetana mas que não vivem em um monastério e que, após receberem a ordenação, basicamente são deixadas à própria sorte.
Elas não recebem apoio de nenhuma organização, não recebem apoio de lamas, geralmente não recebem apoio de ninguém. Os próprios lamas assumem que todos os estrangeiros dispõem de grandes fontes de recursos. E, portanto, eles nunca pensam que essas pessoas precisam de apoio, nem consideram que elas precisam de treinamento genuíno.
Elas são mandadas para longe assim que recebem a ordenação, sem qualquer maneira de saber como treinar adequadamente na vida monástica. E assim há centenas e centenas dessas mulheres, algumas delas com grande talento. Elas querem agora se devotar completamente ao estudo e à prática do Darma. Mas não existem instalações para elas. Em geral, elas não podem arcar com as despesas de participar de cursos, nem de fazer retiros de meditação, e muitas delas precisam arrumar um emprego, e até mesmo vestir roupas de leigos para conseguirem se sustentar.”
“Portanto, eu acho que é muito importante que neste momento, especialmente os ocidentais acordem e reconheçam que durante todos estes anos que passaram apoiando os tibetanos, o que logicamente é muito bom, ao mesmo tempo, negligenciaram completamente a ordem monástica de suas próprias monjas, e que simplesmente nem mesmo pensaram nelas. Acho que este é o momento para as pessoas começarem a pensar nelas, e em como ajudá-las, em como apoiá-las e encorajá-las em seu caminho.”
Como apoiar o monastério de monjas fundado por Jetsunma Tenzin Palmo
Além de fazer a nossa parte em reconhecer as estruturas de discriminação em nossas mentes, não alimentá-las e não agir a partir delas, é possível apoiar o monastério de monjas fundado por Jetsunma por meio de um fundo bem administrado. Nas palavras dela:
“O Dongyu Gatsal Ling Nunnery foi fundado graças à generosidade de inúmeras pessoas de todo o mundo, que se preocupam com o bem-estar e a educação das monjas do Himalaia. Neste momento, uma centena de jovens monjas estão trabalhando duro em seus estudos e prática do Darma. Temos esperança de que no futuro, algumas dessas mulheres possam ajudar a espalhar o Darma no Himalaia e em outros lugares do mundo.
Temos também quatro monjas em retiro longo, treinando para se tornarem as primeiras togdenma ou yoginis (até o momento, elas já completaram seis anos de retiro). Portanto, neste momento, o Monastério DGL está funcionando perfeitamente e harmoniosamente, cheio de monjas felizes e diligentes.
No entanto, também devemos olhar para o futuro deste monastério e cuidar de sua estabilidade financeira nos próximos anos. Tradicionalmente, os monastérios são apoiados financeiramente pelas terras que possuem e pelas vilas dedicadas ao estabelecimento monástico. Geralmente, monastérios femininos não possuem muitas terras e as monjas dependem basicamente do apoio de suas próprias famílias. No exílio, esse sistema passou a depender de doações feitas por patrocinadores bondosos de diversos países, que valorizam a dedicação incondicional destas monjas à vida espiritual.
Em vista disso, criamos um fundo de doações com a esperança de que possamos levantar capital suficiente para ajudar a manter uma base financeira sólida e uma fonte regular de renda para o Monastério DGL no futuro. Este fundo é gerido em Nova York por uma pequena equipe de financistas dedicados, que investem nosso modesto capital de forma ética e criteriosa. A estabilidade financeira do Convento DGL no futuro depende deste Fundo de Doações; por esse motivo, contamos com a contribuição de nossos amigos e apoiadores em todo o mundo, para nos ajudar a atingir este objetivo digno de todo o nosso esforço.”
Se quiser contribuir, aqui está o site do fundo.
Mais mulheres poderosas
Para curar nossa sociedade desigual, pode ser bastante útil ter mais exemplos de mulheres poderosas. Nesse sentido, além do livro No coração da vida: sabedoria e compaixão para o cotidiano (e dos outros livros que a editora Lúcida Letra vai traduzir e publicar por aqui), recomendamos o livro Dakini power, de Michaela Haas, que traça o perfil de 12 grandes professoras, e o livro Dakini’s warm breath, fruto de uma longa pesquisa de Judith Simmer-Brown. Essas são referências budistas, mas convidamos as pessoas a compartilharem outros exemplos de mulheres poderosas nos comentários.
Agradecimentos
Agradecemos novamente à comunidade Drukpa Brasil e ao Lama Jigme Lhawang por organizar a vinda dessa grande professora. Agradecemos a Aileen Barry, assistente de Jetsunma, mulher adorável e muito profissional. Agradecemos a Luiza de Castro e a Ana Higa pelo vídeo, e ao Fábio Rodrigues pelos grafismos. E agradecemos de coração a Jeanne Pilli, que traduziu os ensinamentos de Jetsunma no Brasil, o livro e também os vídeos que fizemos para o lugar.
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