Quando terminei meu namoro, não consegui mudar o status de relacionamento no Facebook. Fazer isso no dia seguinte me pareceu um ultraje – insensibilidade, falta de consideração, descarado desapego à história que vivi.
Ele fez as honras alguns dias depois e eu agradeci no coração quando a notificação tocou enquanto eu descia do ônibus. Não queria fazê-lo. A burocracia online despertou uma reflexão que não teve fim: quantas vezes não andamos em círculos sobre um mesmo terreno que já não dá frutas tão doces por não sabermos como desenterrar nossas raízes sem machucá-las?
Deparei-me com o mesmo raciocínio enquanto assistia a uma das esquetes do sagaz Inside Amy Schumer. No vídeo, duas criaturas perdidamente apassionadas participam de uma competição de auditório. Ambos terminaram relacionamentos recentemente e são testados quanto a sua capacidade de superar o namoro passado e desapegar. Além de mudar o status na rede social, as provas envolvem conversar com amigos em comum sem perguntar do ex, ouvir canções-fossa sem chorar ou atacar doces e não atender ligações do antigo companheiro.
O elemento cômico do quadro reside não só no quão patéticos são os participantes e o próprio apresentador do show, mas principalmente na forte identificação que sentimos com absolutamente todas as dificuldades. O vídeo só nos faz rir porque já passamos noites em claro esperando alguém ligar.
O modo como lidamos com términos de pactos de relacionamentos diz muito sobre como operam nossas emoções – nos apegamos a hábitos, comportamentos e status passados, ainda que não haja mais chão sentimental sólido pra que o façamos. A ideia de que algo chega ao fim e a noção equivocada de que todas as decisões que tomamos há de serem definitivas, juntas, parecem nos incomodar profundamente. Abrem caminho para uma inquietação e o medo de desviar os quadris para outros, novos e inexplorados sofás.
Pior ainda quando estamos sozinhos nessa. Ao final da conversa com a amiga em comum, Amy pergunta – por todos nós – se seu ex também parecia triste na noite anterior, numa ânsia para que ainda exista um elo emocional que faça a ponte do apego e que ela não seja a única pendurada na corda a romper.
Para o bem da nossa inquietação, saibamos: uma relação não tem fim. Os pactos e acordos circunspectos a ela podem se rearranjar em loop infinito – muitas vezes de modos indesejados -, mas a conexão sensível permanece iminente, senão aberta, alimentando-se das mais diversas fontes. Desconfio que a mais energética seja a nossa disposição emocional interna, que precisa mover os quadris em outras direções que não àquela que parece ser única: a do amor romântico.
Aprender a alimentar essa conexão com diferentes fontes – o perdão, o querer-bem, o amor genuíno – é trabalho duro. E também recompensador. Exige auto-observação, treinamento e vocabulário emocional. Mas pode significar mais um passo maduro adiante e um caminho, sim, marcado por dores, mas menores sofrimentos.
Para ler mais sobre vocabulário emocional:
Meu marido só quer me comer | ID #23:
A relação que o homem-médio vai estabelecer com seus sentimentos é bem física. Raramente um homem desenvolve um vocabulário emocional para expressar o que sente, isso quando consegue identificar algum problema. As expressões que ouço giram em torno de “estou cansado” (quando está trite), “sinto um troço aqui” (apontando para o peito, quando está angustiado por desejos divididos) ou simplesmente um silêncio sepulcral (quando tem vergonha de lidar com sua impotência frente à vida).
A depressão masculina | ID #45:
Outro aspecto é uma inabilidade para avaliar suas próprias emoções e dar nome aos bois.
O vocabulário emocional do homem costuma se restringir, com bonitas exceções, a sensações corporais como “cansado”, com um “troço no peito”, tesão e, no máximo, uma emoção vista como viril que é a raiva.Angústia, medo, tristeza, desesperança, insatisfação, desencantamento, desapontamento, decepção, culpa, inveja, estão fora do campo de autoanálise de grande parte dos homens.
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