Há pouco tempo, estava estacionando em um mercado, quando um Azzera preto parou na vaga ao lado. Um português bem vestido desceu do carro e pediu alguns minutos de atenção, com toda educação do mundo.

Apresentou-se como um fabricante de couro que veio para uma exposição do setor. Desenvolto, contou um pouco sobre a feira, mostrou algumas fotos em um celular de última geração e disse que estava partindo em breve. Por fim, revelou ter cinco jaquetas dentro do carro, trazidas para a tal exposição.

Por algum motivo que não entendi bem, elas não poderiam mais ser vendidas no varejo português, então ele queria se desfazer delas vendendo por um preço totalmente abaixo do valor de mercado. As jaquetas eram bem bonitas. Para provar a autenticidade do couro, ele pegou um isqueiro e deixou que a chama tentasse estragar o tecido, que permaneceu intacto.

O preço da etiqueta era € 800. Na cotação da época, com o euro perto dos R$ 2.50, seriam cerca de R$ 2000.

 

Estou vendendo por R$ 100 cada uma, só para não precisar viajar com essa mala toda.

 

Qual o preço justo?

Traduzindo a oferta, o português pediu que eu pagasse 5% do que, nas palavras dele, a jaqueta valia.

O desconto me assustou e fez com que eu eliminasse qualquer possibilidade de compra. Achei inviável alguém conceder um desconto tão grande assim.

Hoje, pensando na situação, percebo que o espanto veio por conta de uma comparação involuntária e inevitável: eu, que fui criado numa família de classe média, em um bairro de classe média, sei que uma boa jaqueta de couro vale mais do que R$100. A discrepância entre o valor que considero coerente e o valor que me foi proposto causou desconforto.

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“esse preço não faz sentido algum”
“essa camiseta é feita de ouro?”
“quem paga 300 paus numa camiseta?”

É um estranhamento semelhante ao que enfrentamos quando olhamos para a vitrine de uma loja que consideramos muito cara. Vamos supor que determinada loja venda uma camiseta por R$ 300. A maioria de nós, que provavelmente nunca pagou esse preço por uma camiseta, vai experimentar um misto de sensações bem desconfortáveis. Surgirão pensamentos do tipo: , , .

A maneira com que julgamos se uma situação é válida ou justa está totalmente ligada às experiências que já atravessamos ou tomamos conhecimento.

Se tivéssemos crescido em um grupo que compra camisetas de R$ 300 rotineiramente, o estranhamento não teria surgido.

O preço justo é algo bastante particular e, se analisado sob uma perspectiva estritamente lógica, muitas vezes carece de coerência.

O valor que atribuimos aos objetos e experiências sofre influência direta de micro-estados de humor. Vamos assumindo viéses, a cada nova etiqueta e vendedor carismático. Não é raro investirmos horas buscando o melhor preço e, depois, exaustos da caminhada, pararmos no restaurante mais caro e gastarmos toda a diferença que economizamos por conta da peregrinação.

 

E o mercado nisso tudo?

A maioria da população recebe salário mensalmente e, portanto, utiliza o mês como base de cálculo. Esse é um dos fatores que dificulta nosso entendimento do mercado, que trabalha em outra lógica, sazonal e faseada.

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Tomando apenas a venda de produtos online como exemplo, não é difícil notar o foco em determinados períodos, como dia das mães e dia das crianças (que, segundo o e-bit, geram faturamentos próximos de 1 bilhão de reais), e o  fim do ano, época do décimo terceiro, que dá a mão para o Natal e gera um frisson gigantesco no nosso bolso.

 

Boas ferramentas

Deixando as lamentações e críticas de lado, é bem possível se aproveitar das oscilações do mercado. Há quase um ano atrás, o PapodeHomem publicou um texto comentando a Black Friday. Foram listados vários exemplos de preços que foram aumentados nas vésperas da sexta-feira, só para que o desconto pudesse ser aplicado de maneira bem expressiva.

Muitas pessoas comentaram terem percebido a manobra. Outras, porém, realmente encontraram bons preços. Em tempos digitais, existem uma série de ferramentas que podem ser utilizadas para que nossa definição de preço justo seja menos aleatória e menos calcada em aspectos tão subjetivos e emocionais.

Além das ferramentas mais conhecidas (sites de ecommerce), vale dar destaque para os serviços que trabalham com bases de preço, como o Buscapé, o Bondfaro e o Jacotei.

Apesar de ter menos produtos cadastrados, o Jacotei possui um histórico mais longo. Exemplo de gráfico gerado, para um refrigerador:

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Na semana do dia 15 de julho, enquanto algumas pessoas pagaram quase R$ 2800 no refrigerador, outras pagaram R$ 1270.

Os serviços mais populares também possuem histórico de preço, porém geralmente compreendem períodos menores. Abaixo, o histórico de preço registrado pelo Buscapé, para o mesmo refrigerador:

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Mesmo considerando um período tão curto, a variação de preços chegou a R$ 500.

 

O que é um preço justo para você?

Além das sazonalidades de mercado, a necessidade e o desejo precisam entrar nessa conta. Se já temos 3 martelos em casa, não faz sentido comprar mais um, independente da pechincha que esteja.

Algumas questões para discutirmos nos comentários:

  • Sendo o preço e valor agregado itens tão distintos, como você faz para determinar o que é justo?
  • Como você determina que tal valor é coerente para uma calça (e talvez não para uma bermuda)? A calça vale mais que a bermuda porque tem mais pano? O rodízio de comida vale mais porque tem mais comida? Ou um prato mais elaborado te chama mais atenção?
  • Vale a pena gastar R$ 200 numa camiseta? Se você acha que sim, por que? Se você acha que não, manteria a opinião, mesmo se considerasse a camiseta quatro vezes mais bonita, durável e bem acabada que uma camiseta de 50 reais? E se você se sentisse muito melhor com ela? Quanto vale essa conforto invisível e frequentemente recriminado?
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Seguimos o papo nos comentários, parceiros consumidores.

Eduardo Amuri

Autor do livro <a>Dinheiro Sem Medo</a>. Se interessa por nossa relação com o dinheiro e busca entender como a inteligência financeira pode ser utilizada para transformar nossas vidas. Além dos projetos relacionados à finanças