Pare um pouco, pense num grande problema pessoal.

Eu sei no que você pensou: são raras as exceções onde uma pergunta como esta não levanta uma longa lista de contas, dívidas e outras necessidades que precisam de dinheiro para serem supridas.

É difícil falar assim, abertamente, mas quase todo mundo está meio afundado com grana e se equilibrando num malabarismo impossível para conseguir pagar os boletos do mês, tomar uma cerveja no final de semana e ainda investir um troco para garantir um futuro menos difícil.

A grande dificuldade em abrir o jogo sobre grana é que estamos socialmente impelidos a fingir que está tudo bem. No fundo, nenhum de nós quer admitir que está contando os trocados, escolhendo qual a conta mais prioritária ou deixando de sair com os amigos porque vai faltar o dinheiro pro almoço da semana. Ninguém quer admitir que depois do dia 15 já está gastando o cheque especial.

Associado a isso, a maioria das dicas para organizar finanças pressupõe que você já seja alguém organizado em algum nível.

Faça uma planilha, use um aplicativo de controle ou faça um planejamento de gastos são dicas realmente preciosas, mas que, se você já está enrolado, é bem improvável que essas dicas funcionem bem. Lidar com um detalhamento de organização financeira exige uma disciplina que normalmente vem de um preparo anterior.

Minha ideia para simplificar as finanças é fazer o trabalho de base, o que existe antes de começar a preencher planilhas e anotar cada bala comprada na padaria.

Simplificar as finanças é remodelar a forma como pensamos sobre dinheiro.

Dinheiro muda a forma que pensamos

Até as pessoas mais metódicas sofrem uma alteração compreensível de comportamento quando o assunto é dinheiro. Quanto mais queremos – ou nos convencemos que queremos – algo, mais difícil é aplicar a razão para decidir objetivamente.

Quando pensamos em comprar um carro sedan com banco de couro, câmbio automático e pintura branca perolizada, logo comparamos com os carros mais simples e com bem menos recursos. O preço, até três vezes mais alto, é facilmente justificado pelo conforto e facilidade que oferece.

Essa é a história que contamos para nossa consciência.

É difícil pensar assim, mas um carro de 100 mil reais, não traz três vezes mais satisfação, nem mesmo é três vezes mais funcional que um de 30 mil. O exemplo é extremo, mas serve para ilustrar um pouco sobre como fazemos nossas escolhas de gasto.

Tudo o que compramos está sujeito a este tipo de comparação; se o que vamos gastar realmente equivale ao benefício que vamos receber. Isso é o que os engravatados de terno azul marinho chamam de custo de oportunidade.

Escolher onde comer, a cerveja que bebemos, nossas roupas e até os produtos de limpeza da nossa casa encaixam-se neste cenário. O que pagamos a mais é realmente tão mais vantajoso assim?

E nem quero passar a ideia de que o mais barato é sempre a melhor opção. O oposto muitas vezes é verdadeiro. Sempre optei por camisetas baratas e sem marca, mas perdiam cor e forma em poucos meses. Demorou bastante até entender que camisetas mais caras e de marcas boas compensam o seu valor. Tenho camisetas com mais de 4 anos e ainda estão em ótimo estado.

O primeiro passo para organizar das finanças é aprender a fazer escolhas melhores. Entender quando vale a pena pagar mais caro por algo que dura mais, e quando o preço elevado não se justifica e pode ser deixado para depois, quando houver dinheiro disponível para um luxo maior.

Saiba como gasta seu dinheiro

Sempre que converso sobre grana, é comum ouvir reclamações sobre o alto custo das contas fixas e como contratar um novo serviço mensal prejudicaria bastante o orçamento.

De fato é importante eliminar o máximo que puder das contas fixas, mas normalmente esse não o que causa problemas de grana. A maioria das vezes nosso dinheiro vai em coisas que nem lembramos, coisas que parecem bobas, mas que no final acaba sendo um grande custo invisível.

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Uma lata de refrigerante não é um grande problema, mas uma Coca Cola todo dia acaba saindo mais caro que a conta de luz. O mesmo serve para balas, salgadinhos, doces e chocolates. Sozinhos e de vez em quando não apresentam dano ao bolso, mas na medida que nos habituamos com esses pequenos gastos as coisas acabam saindo do controle. No fim, nos acostumamos a gastar estes pequenos trocados diariamente, mas quando o mês acaba esquecemos perdemos o rastro de onde foi parar nosso dinheiro.

Apontar esse tipo de gasto como um vilão gera a clássica reação: “ você está dizendo que nem um refrigerante posso tomar?”, mas não é esse o caso. A ideia é reconhecer quando tais comportamentos são muito frequentes e, se for o caso, fazer as contas do impacto no fim do mês.

Quando estamos numa loja fazendo contas de cabeça para saber se dá para comprar aquele videogame novo, é muito fácil lembrar das contas fixas e esquecer destes gastos invisíveis. Deixamos o detalhe de lado e acabamos fazendo uma compra que, no próximo mês, vai mostrar que não tínhamos tanto dinheiro quanto parecia.

Nós também precisamos pagar o cartão de crédito

Um dos grandes vilões das finanças é o cartão de crédito. Não podemos negar que é uma ferramenta que ajuda bastante, mas que também aumenta a facilidade de acabar enforcado quando a fatura chega.

A frase “não tenho dinheiro, mas tenho cartão” é quase um jargão popular, como se a dívida feita no cartão fosse desaparecer logo após a compra. O problema é que apesar de sabermos que a dívida não vai sumir, é bem comum esquecermos que o gasto foi feito, tomando um susto enorme quando somamos todos os gastos do mês.

Acumulamos pequenas parcelas e gastos incomuns na fatura do crédito, costumamos pensar em termos de prestações, mas esquecemos de olhar para o todo e medir o peso que teremos na hora de pagar.

Estudos demonstram que pagamentos com cartão de crédito reduzem o que os pesquisadores chamam de “dor do pagamento”, aquele leve sofrimento que sentimos quando tiramos o dinheiro do bolso e entregamos para alguém. No caso do crédito, existe um distanciamento entre o pagamento e o momento onde de fato gastamos dinheiro, o que nos faz gastar de forma mais impulsiva. É isso que aponta o artigo do Journal of Consumer Research, demonstrando que pagar com cartão de crédito aumenta o consumo de alimentos não saudáveis.

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Antes de conseguir aplicar mudanças mais práticas e métodos de organização é importante adotar um novo olhar sobre o dinheiro, entender melhor como funcionam os mecanismos de consumo e quais são as armadilhas que nos fazem tropeçar. Com essa visão mais objetiva, fica mais simples de adotarmos as dicas de organização financeira do Eduardo Amuri e salvar nossa vida financeira.

Leia também os outros artigos do percurso Simplifica

Esse texto faz parte do percurso Simplifica. De duas em duas semanas, às segundas, um texto novo sobre como tornar muito mais simples as relações, o trabalho, o dinheiro, a atividade física, alimentação, etc.

  1. Por que simplificar a vida
  2. Construindo uma relação mais saudável com o trabalho
  3. Como viver uma vida mais real
  4. Como lidar com a sensação de abstinência
  5. Os sofrimentos modernos e como lidar
  6. Assumindo o controle do próprio corpo
  7. Assumindo um olhar mais objetivo
  8. Organizando as finanças
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Ilustradora, engenheira civil e mestranda em sustentabilidade do ambiente construído, atualmente pesquisa a mudança de paradigma necessária na indústria da construção civil rumo à regeneração e é co-fundadora do Futuro possível.