Já falamos diversas vezes aqui sobre se os atletas devem ou não ter opinião política. Quando às vésperas das Olimpíadas no Rio de Janeiro, discutimos manifestações políticas durante a competição, chegamos à conclusão de que: sim, os atletas não só devem ter o direito de se manifestar como o esporte tem se mostrado uma das maiores formas de mobilização política ao longo dos anos.
Governos e governantes já sabiam disso há muito tempo. E tem utilizado essa força a seu favor. Desde governos autoritários que usaram o esporte como forma de propagandear a imagem de uma nação forte e imponente, até unanimidades como Mandela e suas seleções de rugby e futebol.
Atualmente, com o momento político maluco que vivemos, o posicionamento público de esportistas e organizações se tornou cada vez mais comum ao redor do mundo. E, nesse sentido, a NBA se destaca.
A liga de basquete norte-americana tem se notabilizado por tomar partido em questões polêmicas que envolvem à organização. Além de organizar eventos temáticos em datas como o Black History Month, tirar o All-Star Weekend de uma sede que aprovou leis transfóbicas, reunir franquias que resolveram boicotar hotéis de Donald Trump, a liga também conta com jogadores que adoram se posicionar sobre os temas sociais e políticos do país.
E se Lebron James é o exemplar mais famoso dessa categoria, o caso mais recente envolve justamente um rival dentro de quadra: o MVP das duas últimas temporadas, Stephen Curry.
Principal garoto-propaganda da marca esportiva Under Armour, Curry entrou em rota de colisão com o CEO da empresa, Kevin Plank, após este declarar sua admiração justamente pelo atual presidente americano Donald Trump:
A declaração destacada de ambos é apenas uma cápsula da discussão que se desencadeou entre eles. Plank emitiu sua opinião durante entrevista ao jornal Fast Money da CNBC na terça-feira, enquanto defendia Trump como um presidente pró-negócios, ao passo que Curry respondeu, já na quarta-feira, ao jornal The Mercury News, revelando que ambos conversaram a respeito:
A confusão gerou mal-estar e a Under Armour foi obrigada a soltar uma nota na qual disse que "a empresa acredita na defesa do comércio justo, uma política de imigração inclusiva que acolhe os melhores e mais brilhantes e aqueles que procuram oportunidades na grande tradição do nosso país". Mas a questão ainda parece sensível. Na mesma entrevista citada anteriormente, Curry foi taxativo:
"Se houver uma situação em que eu possa olhar no espelho e dizer que eles não têm minhas melhores intenções, eles não têm a atitude certa sobre cuidar de pessoas, se eu puder dizer que a liderança não está de acordo com meus valores centrais, então não há dinheiro, não há plataforma que eu não possa ignorar se não estiver alinhada com quem eu sou. Essa é uma decisão que eu tenho de tomar todos os dias da minha vida ao acordar. Se algo não estiver alinhado com quem eu sou, então, sim, eu definitivamente preciso tomar uma decisão nessa direção [romper]."
Stephen Curry – jogador patrocinado pela Under Armour
Muito além da opinião política de um e de outro, a ocasião levantou uma discussão interessante sobre a possibilidade de nos reportarmos contra uma autoridade que nos comanda ou nos paga quando não acreditamos nos valores que estão sendo transmitidos. No caso, nos paga quase US$ 4 milhões por ano.
Particularmente, acho a decisão de Curry louvável. Acredito muito que um ídolo como ele deva se posicionar porque creio que a idolatria transcende o rendimento esportivos dos atletas. Idolatria, pra mim, é uma questão de respeito com a camisa, com a torcida, é uma questão de identificação e isso envolve questões extra-campo. Ou quadra, no caso.
É bem verdade que, essa não é a primeira vez que esportistas enfrentam patrocinadores e assumem o risco de perder contratos por conta de suas declarações, mas o caso, em especial, me colocou pra pensar sobre questões que eu não fui capaz de responder:
Curry teria feito a mesma coisa se ele dependesse desse dinheiro?
O que o dinheiro é capaz de comprar?
Como vocês agiriam se estivessem na posição dele?
E o que você acha que Curry faria se estivesse na mesma condição que você?
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Quer se aprofundar na questão? Sugiro dar uma olhada nestes artigos recentes:
1. Como passamos a desejar um emprego que possamos amar?
2. Atletas devem ou não ter o direito de se manifestar livremente?
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