Lembro, com certa saudade, dos meus primeiros grandes amigos.
Correr junto no recreio, disputar debates sobre livros e conhecimentos gerais, interceptar as cartinhas que as meninas mandavam e jogar bola eram alguns de nossos passatempos favoritos. Coisa de criança, molecagem de adolescente.
Mas me lembro também das surpresas que tinha quando essa convivência ia além dos muros das escolas que frequentei.
Me lembro que demorei algumas horas para entender a dinâmica da casa de um amigo quando, depois de alguns anos aprontando juntos, fui à casa dele e entendi que o pai dele não morava ali. Ou quando, frequentando por anos a fio a casa de um outro, fui avisado pela mãe dele sobre a separação, e não por ele mesmo.
É incrível pensar que o mesmo vale para mim. Meus amigos também não sabiam ao certo o que se passava na minha casa ou na minha cabeça. Sofria calado enquanto um pai dormia na sala e outro no quarto, fazia segredo sobre dúvidas ou paixões para evitar zoação e não gostava de me estender sobre coisas chatas como a morte de um avô querido ou o alzheimer em outra parte da família.
Simplesmente, esses não eram assuntos para levar aos amigos.
Mas se não compartilhamos temas espinhosos com as pessoas que mais gostamos e mais nos conhecem, vamos compartilhar com quem?
Mais fotos como essa no perfil do Ismael no Instagram.
Nesse sentido, a faculdade foi providencial. Depois de uma empolgação inicial com minha turma, fiz amigos para a vida toda em um dos primeiros lugares em que trabalhei. Gente que trucava o que eu escolhia mostrar pro mundo, e me enxergava para além do que eu demonstrava ou dizia. Gente disposta a colocar as próprias vulnerabilidades na mesa e, assim, me convidar a abrir as minhas questões também.
Depois de décadas de atendimento em consultório — e provavelmente algumas centenas de histórias parecidas com essa —, o psicoterapeuta, professor e palestrante americano Robert Garfield escreveu o livro "Breaking the male code: unlocking the power of friendship", que escolhemos para essa edição dos Homens na Academia (em tradução livre para o português, seria algo como "Quebrando o código masculino: destravando o poder da amizade").
Como diria o Guilherme: “esse livro é uma gema para compreendermos melhor as amizades masculinas”.
Robert oferece uma perspectiva histórica sobre a evolução das amizades masculinas através dos séculos e de diferentes culturas. Além disso, joga por terra o mito de que amizades entre homens são necessariamente mais fortes, sinceras ou duradouras. Por trás de noções como o "código masculino", é comum encontrarmos relações distantes e superficiais, nas quais amigos por vezes desconhecem fatos e questões centrais das vidas daqueles com quem convivem.
A partir desse diagnóstico de um "déficit de conexão emocional" entre os homens, Robert fundou o projeto "Friendship Labs", em que propõe caminhos práticos para que pessoas do sexo masculino possam se aprofundar no mundo do afeto e cuidado entre seus pares. São quatro pilares básicos a serem cultivados:
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Aprender a fazer boas conexões em relações próximas;
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Compartilhar comunicação sincera;
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Desenvolver uma prática forte de compromisso;
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Aprender a gerenciar conflitos;
É uma leitura leve, recheada de informações e casos reais. Ainda que existam diferenças culturais entre o Brasil e os EUA, recomendamos com tranquilidade. Há muito o que se aproveitar no sólido trabalho do Dr. Garfield.
"Breaking the male code: unlocking the power of friendship"
Trechos em destaque:
"Uma pesquisa de 2012 da Pew Research (feita nos EUA) mostrou que (…) os homens com filhos passam três vezes mais tempo com os filhos (7,3 horas por semana) e duas vezes mais tempo fazendo trabalho doméstico (9 horas por semana) do que gastavam em 1965. (…) Em 1965, os homens gastavam 85% do tempo em trabalho remunerado e 15% em trabalho doméstico, e o inverso ela 15%-85% era válido para as mulheres. Hoje isso mudou para 70%-30% no caso dos homens e 40%-60% para as mulheres." (pág. 7)
Você pode ter lido isso por aqui.
"Homens com dificuldade em comunicar sentimentos ou manter relacionamentos próximos com outros estão em risco maior para uma série de problemas. Levam mais tempo para se recuperar de doenças leves, têm menor resistência (…) têm 50% mais chances de sofrer um ataque cardíaco e duas vezes mais de morrer dele (…) e quando deprimidos, esses homens têm índices de recuperação significativamente menores do que aqueles com amizades próximas." (pág. 9)
Um pouco mais sobre isso aqui.
"Esposas que citam a indisponibilidade emocional de seus maridos como causa principal de divórcio iniciam 2 em cada 3 divórcios atualmente." (pág. 9)
Já falamos um pouco sobre isso aqui.
"Quando pressionados, a maioria dos homens reconhece que amizades com outros homens é importante para eles, mas também confessam que não colocam tanto tempo ou energia nisso." (pág. 57)
Um belo artigo sobre isso aqui.
"Amizades masculinas, creio, estão no meio de uma crise de identidade. Nossa sociedade não insiste mais em modelos antigos de masculinidade que exigem dos homens serem sempre distantes, sob controle e com emocionalidade restrita. Homens agora podem ter alguma conexão com suas emoções, mas ninguém sabe ao certo quanto, onde e com quem." (pág. 57)
Esse artigo aqui destrincha melhor esse assunto.
"Somos uma sociedade que não sabe mais quem os homens são ou devem ser." (pág. 57)
Várias reflexões sobre isso aqui.
"Em estudo recente da Pew Research (nos EUA) foi descoberto que, apesar dos pais homens passarem três vezes mais tempo com seus filhos do que faziam em 1965, eles têm duas vezes mais chances do que suas esposas de achar que o tempo gasto por eles com os filhos não é suficiente, se sentindo mal por isso." (pág. 86)
Sobre isso, este vídeo pode interessar.
"Um estudo de 2013 chamado "State of Friendship" descobriu que os primeiros anos após casamento e paternidade eram menos satisfatórios do que qualquer outro ciclo de vida, para homens e mulheres (no que diz respeito a amizades)." (pág. 86)
Este artigo faz um alerta sobre a falsa aparência de que está tudo bem.
"Homens frequentemente se sentem confusos sobre quais sentimentos abrir em uma amizade. Será que expressar emoções vai ajudar ou atrapalhar? Alguns de nós podem nem saber direito o que estão sentindo, pra começo de conversa." (pág. 134)
Se conhecer e se perdoar pode ser uma boa saída.
"Homens logo notam quando outro cara é um bom ouvinte. Eles valorizam essa característica quando a reconhecem no outro, mas não necessariamente pensam nela como uma "habilidade", um comportamento que pode ser cultivado e desenvolvido." (pág. 143)
Nós também não reagimos bem a algumas situações.
"Por trás de sentimentos competitivos e provocações verbais, homens escondem sensibilidades e afetos que os conectam." (pág. 183)
Sobre isso, o artigo Prisão Trabalho sempre é útil.
"Uma pesquisa de 2012 da Gallup demonstrou que empregados que tinham um melhor amigo no trabalho possuíam 5x mais chances de sentir uma forte conexão com a empresa, em relação aos demais empregados." (pág. 248)
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Natura Homem acredita que existem tantas maneiras de exercer as masculinidades quanto o número de homens que existem no mundo. Apresentar estudos acadêmicos sobre as masculinidades para um público maior é uma maneira de ampliar o diálogo sobre o que está acontecendo com os homens.
Seja homem? Seja você. Por inteiro.
Natura Homem celebra todas as maneiras de ser homem.
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