Será que a natureza nos ensina algo? Não teríamos substituido a confiança em Deus pelas interpretações biológicas, muitas vezes com viezes ideológicos? O que podemos aprender com a história do darwinismo?
O Canto dos Pássaros e a epigenética
Uma função reconhecida do canto dos pássaros é a seleção sexual. O canto teria surgido como uma característica de certos pássaros por seleção natural dos melhores cantores, que conseguiram mais ou melhores parceiros, e assim foram mais bem sucedidos em replicar suas genéticas particulares.
Boa parte das características do canto de certos pássaros pode ser explicada como um mero indicador de boa saúde, isto é, atraente para o parceiro: um tom claro, forte e coordenado indica capacidade aeróbica, tônus muscular e bons reflexos, bem como uma aptidão geral que podemos talvez descrever como uma espécie de “inteligência”.
Num sentido bem específico: é possível imaginar uma correlação entre os trinados e chilreios hábeis de um pássaro com sua capacidade de encontrar minhocas ou escapar de um predador – sendo “inteligência”, nesse caso, meramente que pode haver algum tipo de correlação na pressão seletiva das características. Isso não parece ser uma especulação muito exagerada.
Porém há um componente no canto dos pássaros que vai além de uma mera exibição de qualidades advindas seja da expressão de seus genes ou de sua aptidão física geral naquele momento de sua história de pássaro. Pássaros aprendem cantos específicos de seus pais, e de outros pássaros, e uma mesma espécie pode apresentar uma variabilidade grande de nichos de expressão sonora diversificada, quase como que culturas específicas.
As características herdadas através de mecanismos outros que não os genéticos são chamadas “epigenéticas”. Mulheres que passaram fome durante a gravidez na segunda guerra tiveram filhos de estatura média menor, que por sua vez também tiveram filhos de estatura menor.
Certas disposições de cores em asas de borboletas variam de acordo com as temperaturas ambientais durante a fase de pupa. A capacidade de certos roedores em abrir certas nozes é aprendida com os pais, e grupos que desenvolvem essa habilidade podem tender mais a sobreviver. Assim por diante.
É hoje bem que reconhecido que certas coisas são herdadas ou adquiridas por fora, na cultura, e algumas destas coisas efetuam pressões fisiológicas (e outras) que podem ter função adaptativa, e assim afetar a seleção natural.
Podemos extrapolar, por exemplo, que as características fonéticas de uma língua se adaptem às estruturas cranianas e ao aparelho vocal de uma determinada etnia, da mesma forma que essa etnia, ao longo de muitas gerações, pode apresentar uma pressão adaptativa no sentido de que os indivíduos que melhor e mais claramente se expressam, naquela cultura e naquele conjunto de fonemas, sejam mais bem sucedidos (reprodutivamente, por exemplo) e que assim acabe ocorrendo uma seleção natural dessas qualidades.
Isso pode ser muito interessante por si só. Porém, o que parece mais crucial é que, quando examinamos os mecanismos que aparentemente produzem tudo que somos e o que importa ao nosso redor, no mais das vezes nos deixamos levar por uma interpretação emocional com relação aos processos naturais. Podemos ter superado explicações sobrenaturais, mas ainda não abandonamos a conexão emocional e um tanto irracional que temos com o que examinamos.
Em outras palavras, nos tornamos uma espécie de torcedor de um time de futebol — e mesmo o mais frio e distanciado cientista muitas vezes pode ser presa de perspectivas limitadas que não reconhece, tanto com relação à ciência propriamente dita, quanto ao que os resultados dessa ciência, apresentados do jeito que são, causam no tecido da cultura.
Quais seriam as implicações ideológicas de uma explicação biológica (adaptativa) da própria cultura?
As esferas biológica e ideológica
Curiosamente, desde seu início, o Darwinismo é mais do que uma mera explicação biológica. A pressão por encontrar uma explicação puramente materialista para o surgimento da vida, do homem, e da variedade de espécies, imediatamente após sua publicação, tornou-se um vasto meme (sim, o uso é anacrônico e irônico) na esfera social e filosófica.
Explicar a origem “disso tudo”, ainda que em parte e com muitos furos (na época: hoje há muito poucos furos, e são realmente irrelevantes), não só alterava o modo de ver as coisas e o mundo, mas afetava os próprios objetivos humanos – para usar a palavra bonita: mudou a teleologia. Antes era agradar e seguir o plano de Deus, e agora, o que seria?
Em termos da teoria Aristotélica das quatro causas, a ciência em geral (como existe hoje) explicitamente provê explicações de todos os tipos, exceto as finais ou teleológicas. Isto é, a ciência se ocupa de explicar o como, e os porquês que ela explica são todos contidos dentro de um escopo bem delimitado: existem nuvens porque o sol evapora a água, e as circunstâncias atmosféricas na terra são tais que o vapor de água tem essa ou aquela disposição dependendo da camada onde está.
Agora, de forma geral, a ciência não busca (explicitamente) explicar causas finais, isto é, porque essas coisas todas são do jeito que são e não de outro jeito. Esse tipo de explicação é considerado seja impossível ou de um escopo um tanto mais especulativo: da religião ou da filosofia.
No entanto, emocionalmente as pessoas tendem a buscar explicações finais da ciência. Isso é amplificado pela popularização simplificadora da ciência pela imprensa e por cientistas sem grande clareza sobre certas implicações do que dizem, ou que (mais raramente) acreditam que seja o papel da ciência dar explicações finais, e que ela seja capaz disso, e que portanto já trabalham com esse nível de especulação em mente.
Com a exceção de teimosos conservadores norte-americanos a mentalidade geral desde Darwin aparentemente mudou bastante, mas, se examinamos de perto, nem tanto. O darwinismo primeiro encontrou em eros (sexo) e tanatos (morte) a justificativa para a competição que já tinha um valor filosófico intrínseco na revolução industrial e na ascensão do capitalismo como ideologia. A história das ideologias em torno da seleção natural seguiu sua “evolução” e logo depois se mostrou o Moloch a quem o derradeiro sacrifício foi o Holocausto.
O etnocentrismo (cuja forma populista é o nacionalismo), o racismo e a deificação dos processos naturais (ao invés de abandonar Deus, passaram a cultuar o que viria a ser, nos anos 00, chamado de “gene egoísta”) surgiram ou foram amplificados, inadvertida e infelizmente, diretamente do darwinismo.
Não que ele fosse totalmente santo (livre de ideologia) na escrita do próprio Darwin, mas com certeza ele foi mais distorcido e mal utilizado para justificar eugenia(ser “bem nascido”), genocídio e guerra do que Darwin jamais poderia imaginar.
No fundo o pior não foi a mudança de paradigma para o materialismo em detrimento de causas sobrenaturais (ainda que isso siga sendo discutido nas várzeas mais fundamentalistas): o pior foi que essa mudança não foi total e absoluta. As muitas ideologias (supostamente materialistas, mas com muitos coelhos na cartola) descaradamente se aproveitaram da ciência. Não existe nada no mecanismo de seleção natural que diga que ele é “bom” ou “ruim”, ou que defenda qualquer aspecto sobrevivente como melhor, senão que adaptado a circunstâncias particulares.
Mas o primeiro salto tomado foi assumir a seleção como algo bom, e particularmente, se as minhas características (nacionalismo, racismo, etnocentrismo, ou das circunstâncias que culturalmente consideramos mais “adequadas”) fossem preservadas e talvez até amplificadas, isso seria “progresso” e “evolução”.
Hoje, em biologia, não se fala mais em organismos superiores ou inferiores, mas em organismos mais bem adaptados a circunstâncias e momentos específicos na história natural. Já trocamos, em grande parte, o uso da palavra “evolução”, que tem uma conotação de constante melhoria, para o termo “adaptação”. Não existem formas ou espécies superiores, a complexidade dos organismos, medida matematicamente, não mostra nenhuma “vantagem” adaptativa peculiar, já que hoje coexistem organismos de todos os graus de complexidade.
Podemos ainda ser especistas ou até complexistas: acreditar na primazia da espécie humana ou das espécies mais complexas, mas é importante dizer que isso não vem de uma conclusão científica ou biológica.
Estritamente falando, pela ciência, entre um ser humano, e qualquer outro mamífero ou invertebrado, não existe uma comparação valorativa. Esses valores podem existir, e eu acredito neles também, mas eles não são valores científicos. No mundo dos dados brutos e da interpretação imparcial desses dados, o que temos são informações mais ou menos relevantes para refutar ou fortalecer hipóteses.
Ainda assim, talvez estejamos cegos perante muitas ideologias “sobrenaturais” (que surgem do nada, sem justificação efetiva nenhuma) e que operam no cerne da ciência. Em particular, a própria ciência é hoje presa de um processo adaptativo fomentado pelo viés capitalista: pesquisamos o que dá dinheiro, quando recebemos dinheiro. Se não está num âmbito econômico, depende de filantropia, e se vai contra fortes tendências econômicas, vai encontrar todo tipo de dificuldade.
Em outras palavras, o dinheiro afeta, naturalmente, por adaptação, a própria objetividade científica.
O problema não é nem tanto que isso ocorra, mas que exista quem justifique isso em nome da ideologia de Moloch, a saber, que devemos defender e promover certos processos adaptativos – hoje nem tanto na biologia, porque a eugenia ainda soa mal, embora haja isso também, mas principalmente na cultura e em particular na economia da atenção. Nossa sociedade promove ativamente a competição por nossa atenção, para que isso resulte em consumo, e, a partir disso, todo o maquinário de Moloch devorando o planeta.
O mais assustador no nazismo é o fato de que ele era cientificamente justificável – num âmbito científico com deturpações específicas, como hoje, apenas as deturpações são diferentes –, e não só isso, o nazismo era cientificamente eficiente. Afinal de contas, se os judeus fossem um problema de saúde pública (como era acreditado), as medidas de saúde pública foram extremamente eficazes e eficientes, de acordo com quaisquer mesurações totalmente objetivas.
Quando aquele seu amigo defende o viés capitalista como eficiente, ele provavelmente também está usando doutrinas darwinistas de uma forma relativamente parcial, e com certeza ideológica. (Na verdade Adam Smith influenciou Darwin, mas podemos deixar assim).
Uma resposta possível, nesse caso, seria que é exatamente porque entendemos que processos de seleção natural ocorrem naturalmente que coisas como a regulação dos mercados são necessárias! A mão invisível de Moloch não precisa de ajuda, ela sempre está operando, até mesmo nos mercados negros da antiga União Soviética.
Auxiliá-la ou impedi-la é fútil: o que precisamos é de mecanismos para viver e sobreviver em meio a ela, e essas são as tensões regulatórias, desde leis antitruste até agências de proteção ambiental, passando por impostos progressivos e benefícios sociais que permitam maior igualdade de “condições iniciais” para a competição inevitável.
Porém, por questões ideológicas, e a grande custo ambiental principalmente, a eficiência, o crescimento e a competição (todos valores já intensificados por justificativas supostamente biológicas do séc XIX) são hoje ainda diretamente promovidos. Ainda assim, nem tudo está perdido, também se vê pouco a pouco valores biológicos não tão ideológicos, como as vantagens inerentes e matemáticas da diversidade, penetrarem o seio da cultura como valores a serem promovidos.
Ainda, se estes valores mostrarem-se ideológicos em retrospectiva, pelo menos não são hoje tão velhos quanto os valores inspirados na biologia prevalentes nos últimos 200 anos.
Cultura e epigenética
Processos adaptativos são, portanto, tanto inevitáveis quanto moralmente neutros. Isto é, não há teleologia ou objetivo reconhecíveis nos processos adaptativos. Não é o caso de que estamos “evoluindo”, meramente o que ocorre é que diferentes circunstâncias produzem diferentes respostas.
A linguagem, como todas as outras características humanas ou de outros animais, também passou a existir e se desenvolveu com fins adaptativos. Em outras palavras, falamos para sobreviver e reproduzir. Porém, isso não quer dizer de forma alguma que o conteúdo de nossa fala esteja diretamente ligado a sobreviver e reproduzir. Essa diferença é o que muitas vezes ignoramos. Para ver de onde surge nossa expressão, e para alinhá-la com valores, precisamos despir as conclusões de qualquer viés ideológico.
Num sentido de seleção natural, o canto aprendido por um pássaro numa cultura de pássaros pode ser atraente para uma fêmea particular por uma série de razões, e talvez muitas delas não sejam muito facilmente biologicamente analisáveis. Nós, como seres humanos, nos atraímos uns pelos outros por razões óbvias e nem tão óbvias. E mais do que isso, biologicamente falando, a sua transa de uma noite que resultou num filho parece mais relevante do que o relacionamento subsequente, de 50 anos, sem filhos.
Isso pode mudar, porque se estudarmos mesmo a cultura num viés adaptativo, todos os seus contatos ao longo desses 50 anos sem reprodução podem, vez que outra, produzir eventos adaptativos de larga duração. Digamos que você tenha uma atividade social e ensine noções de higiene a centenas ou milhares de crianças: isto também pode se tornar adaptação epigenética. E esse é um exemplo óbvio, exemplos mais intrincados e com mais variáveis complexas podem ser facilmente especulados.
Mas, do jeito que a biologia no mais das vezes é transformada numa interpretação moral, pelo menos na interpretação ainda popular, se fosse levada a cabo, um estuprador que engravida a vítima deveria ser louvado, e uma monja celibatária que ajudou inúmeros doentes deveria ser desprezada.
Quando um pássaro canta seu canto que é uma mescla de vigor, genética e cultura, existe uma adaptação também do lado da fêmea, que ouve aquele canto e nele reconhece algo distinto e que atrai. Ouvir e cantar participam de um processo de adaptação antiquíssimo, biológico e cultural (epigenético, nesse caso), e são coemergentes, eles funcionam circunstancialmente: as circunstâncias se reúnem e pode haver aquele click. E evidentemente, isto não está isolado e não pertence apenas aos pássaros: os seres humanos ouvem o canto, outras espécies o ouvem.
Há perigos e vantagens nessas relações, e eles também têm consequência em termos de seleção. Os seres humanos normalmente simpatizam com o canto de certos pássaros, e assim há uma tendência menor dos seres humanos se incomodarem e fazerem alguma coisa contra eles. Assim por diante.
Em nenhum momento estou implicando as belas noções mitológicas de uma linguagem dos pássaros — por outro lado, dizer que o conteudo semântico final, intencional e importante do canto dos pássaros é a pressão adaptativa, não nos diz muito. Como numa difícil definição utilitária da poesia entre os homens, o que exatamente faz o canto aprendido de determinado pássaro mais atraente não nos diz muito sobre porque essa, entre tantas outras estratégias adaptativas, veio a prosperar.
Existe uma abertura ou espaçosidade nas noções de tempo, circunstância e interação com que é difícil coadunar a ciência, que opera através da estrapolação a partir de particularidades, isto é, o estabelecimento de casos gerais com base em uma teoria e várias observações e/ou experimentos.
O santo graal da conexão da biologia com os valores hoje seria encontrar uma explicação biológica satisfatória para o altruísmo. No entanto, o problema de começar com conceitos que surgiram adaptativamente no seio da cultura humana e extrapolar suas causas também adaptativamente surge de uma noção de “onisciência biológica”, ou “profecia autorrealizada biológica”.
Em outras palavras, o egoísmo é aparentemente fácil de explicar biologicamente porque a separação entre os seres e a interrelação entre seres particulares é muito fácil de observar, e é exatamente as tensões por recursos que se salientam – quando é isso que há para observar. No entanto, delimitar um escopo sempre vai tender a encontrar mais egoísmo, por uma razão de definição e matemática: mesmo os altruísmos entre semelhantes são interpretados como tendências egoístas entre diversos. Assim, as delimitações escolhidas vão determinar os jargões escolhidos, e a tendência é o reducionismo, porque, enfim, o reducionismo é mais compreensível.
Ainda assim, embora expressões específicas humanas (uma filosofia, um jeito de se vestir, coisas que se fala e se escreve, e assim por diante) não estejam explicitamente participando de um processo de adaptação, onde há competividade por recursos, principalmente a atenção dos outros – elas, em certo sentido, não podem fugir disso. No sentido em que tudo pode ser examinado por esse viés, tudo tem implicações adaptativas.
Mesmo assim, cada um dos eventos infinitesimais, por si só, não é relevante, em todas as suas dimensões, nesse sentido globial. Porque as coisas tem implicações adaptativas, isso não quer dizer que conscientemente devam ter. E mais do que isso, como as circunstâncias são relativamente imprevisíveis, ou pelo menos certos eventos catastróficos (matematicamente catastróficos, não apenas catástrofes naturais, mas quaisquer mudanças bruscas), o valor da diversidade é um valor universal – até prova em contrário.
Curiosamente, o que a biologia nos ensina hoje é exatamente o oposto do que ela ensinou aos nazistas: quanto mais diversidade, mais chances, mais possibilidades. Embora devamos sempre nos perguntar se esse é um valor intrinsecamente bom (o que eu acredito), ou se é apenas o que queremos ver na interpretação atual da biologia. Esse exame precisa ser constante.
Assim, não é porque não podemos fugir da natureza que precisamos nos submeter a ela, e de fato, não há nada mais refrescante, atraente e vitorioso do que não entrar em picuinhas. Deixemos a adaptação de lado, paremos de nos focar tanto em vitórias temporárias, e não sejamos escravos da sobrevivência e da reprodução.
Particularmente, quando nos expressamos ambiciosa e livremente, sem segundas intenções, talvez falando em vários níveis simultaneamente, isso é naturalmente cativante e possivelmente mais capaz de lidar bem com as circunstâncias.
Podemos começar uma comunicação tentando convencer alguém, por qualquer objetivo que se assemelhe a forma geral “conquistar esse âmbito” – botar algo na mente do outro. Ou podemos simplesmente escrever como quem joga milho para um grupo de pombas. E podemos ser ainda mais ousados, escrevendo adaptativamente, simplesmente reagindo ao que surge com respostas e mais perguntas.
Há abertura para misturar os três âmbitos.
A pressão adaptativa da cultura não resume as expressões particulares dela. O canto de um determinado pássaro surge de sua expressão autêntica – expressa sua condição e sua história. Mais do que publicidade, ele é um diálogo com tudo que afeta.
Reflexão pós-editorial
Este texto passou ele mesmo por um processo de adaptação. Em conversas com uma aluna de inglês que cursa biologia vim a conhecer a epigenética e alguns de seus exemplos, bem como o trabalho seminal de Eva Jablonka e Marion Lamb, Evolução em quatro dimensões – DNA, comportamento e a história da vida. Depois de considerar a epigenética, nunca mais ouvi um canto de pássaro do mesmo jeito.
Mais recentemente ouvi em mp3 um curso do TGC, Theory of Evolution — que me fez relembrar essas conversas e textos e entender melhor a história da teoria e suas relações com ideologias tais como o capitalismo e o nazismo. A minha noção de ciência como luta constante, e nunca 100% bem sucedida, contra o hábito de operar por um viés na busca do conhecimento vem do Budismo, de Karl Popper, e de Thomas Kuhn.
Enfim, reconheço que ao texto falta coesão ou mesmo uma finalidade formal, senão a que seria apenas despertar uma série de reflexões que considero profundas sobre temas a que inevitavelmente retomamos, até mesmo no cotidiano, e de que não estamos livres como seres que morrem e desejam.
Jader Pires e Guilherme Valadares, ao editarem e escolherem as imagens, causaram um novo processo adaptativo, para o qual me convidaram: algumas imagens muito boas que escolheram eu nunca teria pensado em buscar, outras acabamos achando melhor não vincular ao texto. Uma amigável tensão adaptativa editorial se formou!
Enfim, a ideia central talvez seja exatamente essa: a de que a comunicação em geral também é um processo adaptativo. Esse é o melhor texto para as circunstâncias? (Leitores, momento histórico, momento pessoal dos envolvidos.) Provavelmente não. Ele, no entanto, me parece capaz de detonar reflexões muito pertinentes. Versões futuras deste texto, e dos pensamentos que ele reproduz, seguirão surgindo por um tempo (nas mentes e talvez outros textos), até que eventos “catastróficos” nos façam desconsiderar boa parte (ou tudo) como bobagem.
Lembrança na calada da noite: já estava deitado quando lembrei disso, uma página mostrando através de uma animação a evolução do texto de A Origem das Espécies ao longo das seis edições.
Darwin suavizou um bocado sua teoria ao longo das edições, aceitando um certo grau de lamarquianismo na edição final, já que ele não conseguia explicar certas manifestações da seleção natural — hoje a epigenética pode dar conta de vários destes pontos, sem recurso a Lamarck.
A animação sobre as mudanças no texto é muito apropriadamente chamada de A Preservação dos Traços Favoráveis — e isso tinha passado batido por mim ano passado, quando primeiro encontrei essa página.
Pode ter sido uma tentativa de ser engraçadinho por parte do designer, mas a ideia do texto e das ideias científicas em um processo de adaptação e seleção natural guarda uma bela propriedade matemática de supersimetria na obra de Darwin: explicitamente sobre adaptação na biologia, implicitamente demonstrando adaptação em sua própria história de composição. (E isso que ele não tinha as ferramentas de composição hipertextuais e fluídas que temos nos computadores de hoje… como devia ser difícil o constante moldar de um texto.)
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