Conheço poucas pessoas realmente satisfeitas – ou não-frustradas – com um modelo de vida marcado por uma dedicação quase incondicional ao trabalho.

Acordar às 6 da manhã, pegar um meio de transporte muitas vezes desconfortável, voltar para casa por volta das 8 horas da noite e ainda enfrentar uma série de responsabilidades domésticas quando, finalmente, poderá dormir para enfrentar o replay no dia seguinte.

Óbvias variações dessa rotina semanal exaustiva existem, mas a sensação de esgotamento é presente em praticamente todos que fazem parte do modelo tradicional de trabalho.

Em raras ocasiões conheci alguém – que se diz – orgulhoso de uma rotina assim, e na maioria das vezes me revelaram em momentos mais íntimos que se posicionam dessa forma por que soa bem aos olhos alheio, transmite a impressão que todos os outros são preguiçosos e você é automaticamente enquadrado como parte de uma classe superior.

Somos inseridos no mercado muito cedo e recebemos pouca ou nenhuma instrução de como todo mecanismo funciona. Muitas vezes, o que nos é dito vem de um ponto de vista de escassez, de medo ou simplesmente não condiz com a nossa realidade. Assim, congelamos o mundo em uma noção equivocada e focamos apenas em ganhar o sustento e não dar motivos para ser demitido ou seguimos algum devaneio que não se aplica a nós.

A parte triste de tudo isso é que pensamos bem pouco sobre o que o trabalho representa e como podemos assumir uma relação entre trabalhador e empresa de maior qualidade.

Se você for minimamente como eu, não quer ter seu dia inteiro preenchido com tarefas sem fim e também não quer sentir que seu tempo está passando em branco. É um verdadeiro dilema perceber que estamos estressados e perdendo nossas vidas para um trabalho que não nos diz muita coisa, mas quando chegamos em casa precisamos lidar com pilhas de boletos para pagar. 

É fácil, também, buscar soluções mágicas para resolver o problema e nos deixar levar por uma ilusão onde fazemos só o que gostamos e os conflitos deixaram de existir.

Como podemos resolver um dilema tão essencial para a sociedade moderna como esse? Existe uma forma de sentir de que estamos vivendo plenamente e, ao mesmo tempo, não sofrer com as contas que vão chegando?

Questione o modelo

Quando vamos arrumar nosso guarda roupa, o primeiro passo é tirar tudo lá de dentro e jogar em cima da cama.

Depois, você forma uma verdadeira bagunça onde não existe um processo claro de organização e, a partir disso, começar a definir uma ordem mais clara para as coisas.

Realizar mudanças substanciais em nossa vida não é muito diferente e, normalmente, evitamos mudar porque nos obriga a lidar com a dor, bagunçar tudo que reconhecemos como concreto e desafiar nossas verdades.

Se você não está satisfeito com o modelo de trabalho que leva, passe algum tempo questionando como chegou aonde está e o que pode estar errado.

Algumas perguntas que podemos nos fazer são:

  • O que realmente me deixa insatisfeito no meu trabalho?

  • Se pudesse mudar algo, o que seria?

  • Não gosto da minha área de trabalho ou da forma que a empresa que estou funciona?

  • Existem pessoas que trabalham como eu gostaria? O que elas fazem?

  • Se eu não estivesse fazendo o que faço, onde estaria?

  • Qual a ação mais simples que eu posso fazer para melhorar o cenário (Cursos? Treinamentos?)

É claro que as perguntas acima são apenas alguns exemplos de como podemos colocar nosso problema no raio x e investigar o que não está encaixando. Cada situação vai ter suas particularidades e outras perguntas melhores vão se fazer necessárias.

Mais do que seguir esse (ou qualquer outro) roteiro, o importante aqui é questionar e buscar comparativos, simplesmente para entender que chegamos onde estamos por algum motivo, mas isso não significa que devemos ficar lá para sempre.

Encontre significado

Um dos mais comuns dilemas da juventude é a ideia de fazer o que gosta. Ou executar um trabalho que tenha algum significado especial.

Não é segredo que quando gostamos muito do que fazemos ou encontramos algum significado maior na atividade, desempenhamos tal atividade com maior alegria e, claro, qualidade.

O problema é que este é um luxo que poucos podem se dar. Nem sempre dá pra largar tudo e trabalhar no emprego dos sonhos.

Uma possível saída para quem não tem tanta escolha é desenvolver um significado extra para o trabalho, algo que ajude a ver o que faz todos os dias com outros olhos.

Existe um provérbio grego que diz “Como fazer um homem valorizar seu cavalo?”, “tirando o cavalo dele.” Pense um pouco: se você não tivesse o trabalho que tem, como seria sua vida?

Pense nas pessoas que conhece nele e tudo o que você construiu com o que recebe neste emprego. Isso não é importante?

Seu trabalho é facilitador de outros sonhos e resolve vários problemas que são essenciais. Uma vez supridas, tendemos a dar menos importância às nossas necessidades básicas, mas deixar de tê-las garantidas é um sofrimento e tanto, com potencial de prejudicar muitas outras áreas da vida em uma espécie de efeito dominó. Não à toa, o desemprego é visto como uma questão das mais urgentes.

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Da mesma forma que é possível olhar para cima e pensar em algo ideal para você, pode ser interessante olhar para baixo e ver que existe um cenário muitas vezes bem pior, no qual você não gostaria de estar.

Antes de mudar, por que não tentar resolver?

Qualquer ambiente de trabalho possui problemas. Identificar o que existe de errado no local onde estamos é natural e tudo o que incomoda tende a se destacar aos nossos olhos. A nossa reação é automática, preferimos fugir do que causa desconforto, ao invés de solucionar os problemas que existem. 

Como humanos, somos ansiosos por procurar regras e segui-las, mesmo que muitas vezes essas regras sequer existam. Muita do que nos incomoda no trabalho não está definido a ferro e fogo, ou seja, é possível mudar.

É interessante manter essa perspectiva em vista, saber que podemos resolver inúmeros problemas sem precisar romper logo de cara e modificar toda nossa vida por isso. 

Para o nosso próprio bem estar (e dos outros, claro), é importante assumir a responsabilidade de sugerir ideias e modificar processos, mesmo que muitas vezes não seja tão simples assim passar pela resistência que pode se apresentar.

Criar uma lista de todos os pontos que podem ser modificados para melhorar o seu bem estar dentro da empresa e listar um plano de ação para cada um desses itens para discutir com as partes envolvidas pode tirar um enorme peso das costas, simplificando e transformando o ambiente em um local mais favorável.

Tenha um projeto pessoal

Se existe algo que faz parte constante da minha vida são meus projetos paralelos.

Tenho dezenas de pequenas coisas que, mesmo quando meu emprego não entrega a satisfação esperada, consigo olhar para tudo o que estou produzindo e extrair realização.

A ideia de ter satisfação pessoal com nosso trabalho formal é relativamente recente, e mesmo que eu ache importante, existem outras formas de sentir-se realizado quando o emprego não consegue proporcionar.

Lembre que muitas das vezes o trabalho dos nossos sonhos precisa ser construído aos poucos.

Entenda o que você quer

Um outro problema quando falamos de trabalho é definir o que realmente importa.

É muito fácil observar os atrativos que empregos podem oferecer e não saber exatamente qual a sua prioridade.

Algumas pessoas preferem segurança e estabilidade, outras não veem significado nisso. Eu prefiro ambientes mais relaxados e uma flexibilidade maior. Para mim, um salário alto não paga o estresse. É claro, existem também os gostam de dinheiro, possuem ambições mais altas e querem levantar uma boa quantia para melhorar a qualidade de vida.

É importante entender que não precisa existir julgamento de valores sobre nenhuma dessas prioridades. Cada um sabe onde seu calo aperta. O importante é entender que dificilmente encontraremos todos os elementos positivos num mesmo lugar. Por isso, entenda muito bem o que precisa e siga seu caminho até sua prioridade mudar.

O modelo dos seus sonhos não é perfeito

Somos excelentes em romantizar cenários futuros, esquecendo de adicionar a eles todos os problemas que estarão incluídos quando a fantasia se tornar realidade.

Eu, por exemplo, sempre sonhei em trabalhar de casa, ter meu escritório e fazer tudo do meu jeito, sem preocupações. Passei uns bons anos trabalhando assim, até quase enlouquecer e entender que meu lugar de produzir é junto com outras pessoas.

Quando começar a sentir que em outra situação todos os problemas estarão resolvidos, respire um pouco e faça uma pesquisa. Procure os detalhes sobre a profissão e os problemas que elas têm. Converse também com gente que já está no lugar que gostaria de estar, descubra sobre os pontos negativos que você ainda não conhece, talvez isso ajude a acalmar um pouco as coisas.

Sempre que estamos desconfortáveis tentamos buscar saídas fáceis e imaginamos universos que não condizem diretamente com os fatos.

* * *

Trabalho ocupa uma fatia enorme do nosso tempo e é normal sentir frustração frequente com tudo o que se torna tão grande da nossa vida. No entanto, às vezes precisamos olhar com um pouco menos de emoção e assumir uma posição mais prática.

Não estou sugerindo que desista de seus objetivos e abandone o que sonha, mas pode ser interessante relaxar e perceber que a estrada ideal é construída aos poucos e, enquanto isso, devemos agir de forma um pouco mais objetiva.

E você? Como faz para simplificar sua relação com o trabalho? Compartilhe nos comentários e alimente essa discussão tão importante!

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Esse texto faz parte do percurso Simplifica. De duas em duas semanas, às segundas, um texto novo sobre como tornar muito mais simples as relações, o trabalho, o dinheiro, a atividade física, alimentação, etc.

  1. Por que simplificar a vida
  2. Construindo uma relação mais saudável com o trabalho
  3. Como viver uma vida mais real
  4. Como lidar com a sensação de abstinência
  5. Os sofrimentos modernos e como lidar
  6. Assumindo o controle do próprio corpo
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Ilustradora, engenheira civil e mestranda em sustentabilidade do ambiente construído, atualmente pesquisa a mudança de paradigma necessária na indústria da construção civil rumo à regeneração e é co-fundadora do Futuro possível.