Todo dia, tem uma nova bomba estourando, alguma pendência que precisa ser entregue para ontem, algum problema urgente que precisa ser resolvido hoje, um trabalho que vai pagar a conta de luz do mês que vem ou, pior, a conta de luz que já está vencida. Se nos deixarmos levar, passaremos a vida apagando incêndio.

Nossos projetos de longo prazo, aqueles projetos que demandam trabalho todo dia para que, quem sabe, frutifiquem em 2025 (“claro que não posso pensar nisso agora! E esse boleto aqui, vou pagar como?!”), esses vão sendo eternamente postergados. Seremos como a proverbial jornalista que está escrevendo um romance há vinte anos.

Não existe mágica. O tempo para nossos projetos de longo prazo nunca vai cair, livre e desimpedido, no nosso colo. A vida é uma esteira rolante feita, projetada, pensada para que nunca tenhamos tempo de parar, respirar, olhar em volta. Pessoas ocupadas, estressadas, cansadas consomem mais e questionam menos.

Esse tempo precisa ser efetivamente criado, talhado na rocha da vida, roubado da balbúrdia do mundo.

Cada vida é diferente, então, não existe fórmula, mas todas vão exigir sacrifício.

​Se você de fato tem muitos boletos vencendo e, por isso, precisa estar sempre trabalhando hoje para pagar o boleto que vence amanhã… talvez precise fazer o sacrifício de parar de consumir tanto, para ter menos despesas e, assim, poder dedicar algumas horas por dia para seu projeto de longo prazo.

Muitos “nãos” terão que ser consistentemente ditos: não àquela saída com as pessoas amigas, não àquela viagem, não aquele novo trabalho. Não, não, não.

As amizades talvez não entendam. A viagem pode ser que nunca mais aconteça. A empresa talvez não te chame para um próximo trabalho. Tudo isso é possível, quiçá provável.

Só você pode decidir. Se fizer a escolha de sair com as amigas, fazer a viagem, pegar o trabalho, ninguém vai te culpar. Pelo contrário, ter muitas amizades, fazer muitas viagens, ocupar-se com muito trabalho, são literalmente as marcas de status de nossa sociedade. Por isso, é tão fácil ceder a elas. Por isso, é tão difícil conseguirmos realizar nossos projetos de longo prazo.

Não estou dizendo para você largar suas amizades, abdicar de viajar, deixar de trabalhar para embarcar em algum projeto de longo prazo. Em primeiro lugar, eu nem te conheço. Em segundo, eu não digo o que fazer nem às pessoas que conheço. Em terceiro, seria perverso impor como “obrigação” uma tarefa que pouquíssimas pessoas na história do mundo conseguiram realizar. E, em último, seria mais perverso ainda impor como “obrigação” uma tarefa que somente os mais privilegiados têm alguma possibilidade de conseguir realizar, em um mundo onde a maioria das pessoas está condenada a viver somente no dia-a-dia, esmagadas por uma estrutura econômica desigual e hostil.

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O que estou dizendo, para as pessoas que tem o privilégio de poder sonhar com projetos de longo prazo, é que esses projetos somente serão realizados com muito, muito sacrifício.

Henry Miller dizia que, escrevendo duas horas por dia, das cinco às sete, toda manhã, dava para escrever um livro por ano com facilidade.

É verdade. Mas essas horas precisam sair de algum lugar.

Para o quê vamos dizer não?

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Texto relacionado: Não diga “não” ao não.

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Os encontros "As Prisões"

São instalações artísticas, polifônicas e interativas, improvisadas e colaborativas, onde praticamos escutatória e atenção, generosidade e cuidado, e exploramos os limites e possibilidades da comunicação cotidiana: o que falamos?, como falamos?, por que falamos?

O nome vem de uma série de textos que estou escrevendo desde 2002, tentando mapear todas as Prisões cognitivas que acorrentam nosso pensamento: Verdade, Dinheiro, Trabalho, Privilégio, Monogamia, Religião, Obediência, Sucesso, Conhecimento, Felicidade, Autossuficiência,  Patriotismo, e a maior de todas, Eu.

Os encontros, realizados por todo o Brasil desde 2013, reúnem de dez a trinta pessoas, duram de um a cinco dias e são sempre diferentes, imprevisíveis, únicos.

Neles, enquanto discutíamos "As Prisões", os Exercícios de Atenção foram criados, gestados, aperfeiçoados, em um processo colaborativo com as pessoas participantes. Hoje, os encontros servem para praticarmos esses exercícios e para inventarmos juntas os próximos, em um processo que só poderia acontecer presencialmente, olho no olho e lágrima no suor.

Ninguém é obrigada a falar: toda fala é voluntária.

Ninguém é obrigada a pagar: todo pagamento é voluntário.

Para saber quando serão os próximos, visite minha página de eventos.

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Alex Castro

alex castro é. por enquanto. em breve, nem isso. // esse é um texto de ficção. // veja minha <a title=quem sou eu