Fomos criados em uma cultura em que era normal que os pais levassem seus filhos homens de 12 ou 13 anos para perder a virgindade em puteiros. E mesmo que você felizmente não tenha passado por essa experiência, todo homem já sentiu a pressão de beijar na boca ou ir pra cama pra poder se provar “homem de verdade”.

Nosso entrevistado, Ricardo Cestari sempre se sentiu diminuído e deslocado. E a sua trajetória de vida talvez seja igual a de muitos dos leitores. Ricardo era um cara pouco atraente: dentes tortos, magrelo e sem dinheiro para comprar roupas. 

Na escola pública em que estudava recebeu o apelido de "o feio". Esse estigma pautou todo seu convívio social: bullings frequentes destruíram sua autoestima e o afastaram do convívio social e da paquera. Como resultado, Ricardo ficou virgem até os 22 anos e teve que enfrentar muita brincadeirinha de mau gosto dos amigos e dos colegas de trabalho. 

Se sentir “o último virgem da face da terra”, o único cara que não pega ninguém ou o que é deixado de lado e se vê sem roda de amigos talvez sejam aflições familiares pra você. Como esses assuntos raramente viram tweets ou posts de instagram, decidimos bater um papo mais profundo com o Ricardo, que se abriu pra gente e expôs toda a dor, desconforto e também as ferramentas de saída dessa situação . Confere aqui.

O ódio ao resto do mundo

Olhando para trás, Ricardo vê que ele poderia ter sido um “Incel” nos anos 90. “Incel” são celibatários involuntários: jovens que por não conseguirem estabelecer  relacionamentos sexuais e amorosos, se veem fadados a um celibato involuntário (falamos mais sobre isso neste texto). A partir disso, eles se unem na internet e culpam as mulheres que os rejeitaram e homens que os zoaram durante toda sua vida por seus problemas. 

Ao invés de ajuda, esses caras buscam semelhantes que se identifiquem e estimulem ainda mais sentimentos negativos. O isolamento social e falta de amparo estimula uma postura de ódio que pode resultar em violência: muitos dos autores de massacres em escolas, como o de Suzano, se identificam como incels

Diálogo e aceitação como processo de Cura

Assim como esses jovens, Ricardo também nutria esses pensamentos tóxicos e chegou a pensar em "matar todo mundo”. 

“Eu não queria conviver com aquelas pessoas, eu não queria estar mais lá". 

O processo de se abrir não foi fácil: ao se expor Ricardo muitas vezes foi alvo de mais bullying "Acho que acabei sendo vulnerável demais com gente que não era legal. Isso acabou filtrando quem era meu amigo e quem não era". 

Ainda assim ele entende que o diálogo e o convívio social foram chaves não só para acolher os próprios medos e inseguranças como também para ser lembrado de suas qualidades. Ricardo conta que "se não fosse meus pais, meu destino ia ser muito ruim." 

A importância de ser parte de um grupo

"O dia que eu entendi que eu não era o fortão fodão mas que eu era inteligente, articulado, sabia conversar, entendi que tinha que usar outras ferramentas pra me socializar. Já tinha me entendido como nerd e descobri como ganhar dos outros caras sendo nerd" diz Ricardo. Posicionamento é tudo! 

Muito provavelmente poucos aqui se encaixarão no padrão macho alfa mas isso não significa que eles não podem usar suas qualidades pra chamar a atenção dos crushes. Afinal de contas, existem inúmeras características que não estão contidas dentro da caixinha do machão que são valorizadas por muitas mulheres, como a sensibilidade, o cuidado, a vulnerabilidade. No Soltos SA, inclusive ouvimos diariamente mulheres que estão cansadas de homens que não se abrem e não conseguem estabelecer relações de poder mais igualitárias.   nem todo mundo está a busca de sorrisos perfeitos e barrigas tanquinho.

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Se assumir inteligente e sensível foi um processo de empoderamento e construção de autoestima para Ricardo e este movimento pode e deve ser feito por cada um de nós: perceber quais são suas qualidades e se empoderar delas pode te livrar da tarefa de tentar encaixar no grupo dominante e te impulsionar a encontrar sua tribo, seja ela qual for.

Descobrir temas de interesse e hobbies podem ser formas não só de identificar o nos move como de encontrar quem tem a ver com a gente. Ricardo conheceu a atual namorada na internet, num fórum de escritores amadores, por exemplo. Grupos de gamers, amantes de corrida e até observadores de pássaros são contextos para criar vínculos de amizade e paquera. Nem todo homem precisa gostar de futebol. 

Quantas paixões e características não acabaram silenciadas ou jogadas "para debaixo do tapete" só por que não se enquadravam no que você imaginava ser o ideal masculino. No documentário "A máscara em que você vive" (sempre excelente dica! disponível na Netflix) há muitos relatos de meninos que deixaram de fazer aulas de teatro ou de tocar instrumentos porque ficaram com medo de serem taxados de "mulherzinha" ou "gay". Como se existissem atividades que definissem nossa sexualidade.

Fica aqui nosso convite para que você volte a olhar com carinho e generosidade para o seu adolescente e sua criança interiores. Aquele cara que foi chamado de marica, que engoliu choro, que deixou de estudar poesia, que abriu o coração e quebrou a cara. Por que não bater um papo com ele e dizer que tá tudo bem? Por que não resgatar antigos interesses e se propor a se conectar com pessoas que também partilham dos mesmos.

Queremos também estender esse olhar generoso para os jovens hoje excluídos: 

Precisamos olhar para esses jovens que não se encaixam não como um problema, mas como pessoas que precisam de ajuda. A violência muitas vezes é resposta à tristeza, frustração e incapacidade de falar sobre os sentimentos.

Ricardo alerta que pesquisas demonstram que grupos de jogam jogos online juntos desenvolvem um senso de comunidade em torno de um objetivo comum. É muito fácil culpar os games pela violência dos jovens, mas a verdade é que o buraco é muito mais em baixo. Precisamos criar comunidades onde esses jovens se sintam seguros para conversar sobre seus dilemas e serem guiados a saírem desse ciclo de ressentimento e isolamento. 

Para fechar conta aqui pra gente você já se sentiu um peixe fora d'água? O que te ajudou a se aceitar e encontrar sua tribo?

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Simone Faleiros

Advogada tributarista e aspirante a professora de yoga. Tem dois gatos, adora filosofia, preza o silêncio, é apaixonada por viagens e está sempre planejando a próxima!