Cozinhar está na moda. São tantos os programas envolvendo gastronomia que é até difícil citar e acompanhar todos. Mas o mais interessante nesse fenômeno é ver algo que até pouco tempo atrás era tratado como um infortúnio, um fardo, se tornando uma atividade cada vez mais difundida e admirada.
Não comecei a cozinhar com todo romantismo que vejo acontecer hoje em dia. Depois de muito perrengue sem ter microondas e fogão em casa, ganhei um fogão velho de presente de uma amiga. Como na época as coisas estavam bem difíceis, comecei a fazer arroz e inventar inúmeras formas de preparo. Um saco de arroz durava o suficiente para um mês, e mesmo se faltasse algo para acompanhar, eu sabia que fome não passaria.
Passei a admirar a cozinha quando uma amiga formada em gastronomia começou a me ensinar algumas coisas enquanto ela cozinhava. Coisa básica mesmo, nada de muito enfeite. Desde então, o prazer de cozinhar veio crescendo e se transformando e, o que antes era apenas um meio para um fim — às vezes um delicioso fim — se tornou um momento de aprendizado e crescimento.
Planejamento é ouro
O preparo da comida começa bem antes de acender o fogo, entendendo o que os convidados gostariam de comer, qual tipo de paladar (tolerância a sal, pimenta, tempero) e até mesmo limitações de cada um que estará presente(alergias ou opções alimentares). Pode até parecer, mas o planejamento para as refeições do dia a dia não muda muito, só se tornam mais automáticas por serem repetidas com frequência.
Preparar um prato é basicamente um projeto, um esforço temporário para alcançar um resultado. Por isso, é necessário que exista um planejamento detalhado, um cuidado para que nada saia do controle no meio da execução.
Ao escolher uma receita, precisamos organizar quais são os ingredientes necessários, verificar o que já existe na dispensa e providenciar a compra do que falta. A coisa mais comum para quem está começando é descobrir no meio do preparo que um ingrediente está faltando ou não tem a quantidade necessária. Precisei passar por essa frustração várias vezes para aprender a me planejar melhor.
Negligenciamos a fase do planejamento em praticamente tudo o que fazemos na vida, mas a cozinha faz um excelente trabalho em apontar nossas falhas. Diferente da maioria das outras coisas, uma falha no planejamento de um prato se mostra evidente muito rápido. Não precisamos esperar meses para ver que algo deu errado, mas em um prazo de 30 minutos é possível observar algo saindo dos trilhos completamente.
Organização e utilização de recursos
É muito fácil descobrir se uma pessoa é organizada pela forma como cozinha.
Quando comecei a cozinhar, queria fazer tudo ao mesmo tempo. Picava cebola enquanto a panela estava esquentando com óleo, jogava tudo lá dentro enquanto ia cortar e temperar carne. Fazer várias etapas do processo ao mesmo tempo acabava me fazendo apressar o passo, perdendo a mão no tempero, queimando a cebola, errando o corte da carne.
Esse é só um exemplo das muitas coisas que podem dar errado por não separar o processo em primeiro separar os ingredientes e ferramentas e só depois prepará-los.
Os cozinheiros de verdade chamam esse primeiro passo de mise en place
— pôr no lugar, no português de Osasco. Ou seja, picar, cortar, fatiar e separar tudo o que será utilizado ao longo do preparo, incluindo os utensílios. Só depois que a primeira fase estiver pronta, passamos para o segundo passo, aí sim, colocar as coisas no fogo e cozinhar.
Esse processo de organização é bem curioso, porque mesmo que ninguém nos explique, começamos a construí-lo naturalmente, corrigindo nossas falhas uma de cada vez. Essa abordagem foi facilmente transferida para minhas atividades do cotidiano. Hoje eu não consigo mais estudar sem antes preparar todo material necessário, ou trabalhar sem ter tudo o que vou precisar junto e organizado.
Com o tempo, fica fácil ver como nos distraímos, perdemos tempo e erramos, por precisar mudar de foco o tempo todo, procurando algo que já sabíamos da necessidade.
É preciso respeitar o tempo
A não ser que você trabalhe como gerente de projetos, deve entender que nove mulheres não geram uma criança em um mês. Que alguns processos possuem um tempo determinado para acontecer, e respeitar esse tempo é crucial para o bom andamento do resultado.
Por muito tempo, minha falta de paciência se refletiu em um único botão do fogão: O regulador do gás. Com toda minha ingenuidade, eu verdadeiramente acreditava que utilizar o fogo mais alto prepararia a comida mais rápido.
Não adianta se apressar. A cozinha é um verdadeiro professor de paciência e observação. Muitas vezes você precisa passar uma quantidade enorme de tempo apenas mexendo uma panela, evitando ao máximo sair de lá. Em outras, já fizemos tudo o que tinha para ser feito, o que resta é observar.
Quanto maior a pressa durante o preparo de um prato, maiores as chances de algo sair errado. O exercício de manter a atenção no que está fazendo é algo que vem se perdendo no resto das atividades. Misturamos tudo, fazemos duas, três, quatro atividades ao mesmo tempo, perdendo a capacidade de desfrutar um momento como um todo. Cozinhar não apenas cria esse momento, mas nos lembra a todo instante que devemos estar presente, sentindo e fazendo parte de tudo.
Criatividade, erros e frustração
Cozinhar é uma atividade que exige uma dura curva de aprendizado, uma sutileza adquirida com a experiência e que irá moldar o cozinheiro. É como quando aprendemos a dirigir, eu posso explicar que você precisa ligar o carro, pisar na embreagem e engatar a primeira, soltando o pedal com suavidade enquanto pisa gradativamente no acelerador. Não importa o quanto eu explique isso, se você nunca dirigiu, vai deixar o carro morrer. O mesmo senso de experiência é necessário na cozinha. O ponto certo de cada coisa só é descoberto com tempo e experiência, queimando a barriga no fogão.
Falhar não deve ser motivo de medo ou vergonha. Quanto mais erramos em algo, mais rápido encontramos o ponto certo. Quando comemos aquela comida feita pelos mais velhos, podemos observar que a harmonia no sabor é muito maior, mas devemos lembrar que anos de testes foram necessários para moldar essa percepção.
Deixar uma panela queimar, exagerar demais num ingrediente ou esquecer alguma parte do processo pode destruir um prato, mas abre portas para uma outra característica, a capacidade de improviso. Tão importante quanto fazer tudo bem e do jeito certo é a habilidade de contornar os possíveis problemas, desenvolver soluções criativas que não transformem todo aquele projeto numa falha completa.
É impressionante como uma simples atividade consegue reunir tantos pontos tão importantes e que frequentemente deixamos de lado no desenvolvimento da nossa vida. Muita gente deve cozinhar sem nem considerar estes pontos, mas é inegável que se for feito com um pouco de consciência, cozinhar pode se tornar fantástico meio de aprendizado.
E você? De quais outras atividades corriqueiras conseguiu retirar aprendizados? Compartilhe nos comentários e nos ajude a aprender.
Puxe uma cadeira e comente, a casa é sua. Cultivamos diálogos não-violentos, significativos e bem humorados há mais de dez anos. Para saber como fazemos, leianossa política de comentários.