Crianças na Cozinha | 7 benefícios de preparar a comida junto dos filhos

Cozinha também é trocar afeto, conversar, aprender sobre cuidado, química, nutrição, responsabilidade e mais.

Lembro de ouvir de uma amiga que ela sempre quis, quando iniciou sua vida adulta, ser uma nonna italiana, com a casa cheia, bochechas rosadas, como a avó dela tinha, os cabelos presos num coque poderoso, se recusando ver sua penca de netos comendo apenas uma pratada das delícias que ela prepararia por toda a manhã para o típico almoço de domingo.

Me recordo também de, anos depois, sentado na cozinha moderna do apartamento para o qual ela havia recém mudado para poder criar com mais qualidade seu primeiro filho, que aquele sonho havia há muito desvanecido, que sua nova meta era ser, na verdade, uma pessoa que compartilha a cozinha com outras pessoas, que não queria se acabar em horas com o umbigo queimando na beira do fogão enquanto o restante da família ficasse na sala degustando vinhos e músicas.

Seu novo ideal seria o de trazer todos para o mesmo ambiente, que os almoços de domingo fossem grandes eventos de compartilhar de um processo coletivo e de afetuosidade. Sorrisos no preparar dos alimentos, as canções entoadas por todos num karaokê com panelas e facas ditando o ritmo. 

Ter filhas e filhos, netas e netos, hoje, é desejar relações mais próximas, compartilhadas. E cozinhar é parte fundamental desta troca. Uma cozinha com mais afeto e atenção, com olhos e ouvidos atentos para trabalhar o crescimento de si e do outro pode, certamente, ser um espaço transformador.

Quem fala isso é o jornalista italiano Luca Scarcella, em entrevista ao Estadão para falar de seu livro, Childfood – Receitas para Jovens Coolinary Explorers, que reúne 23 receitas feitas por grandes chefs renomados (dos brasileiros Bel Coelho, Jefferson Rueda até o italiano Massimo Bottura, retratado pela série Chef’s Table, da Netflix) para incentivar as crianças e pais a compartilhar bons momentos:

“Todo mundo, mas principalmente as crianças, cresce quando tenta fazer algo diferente. Preparar pratos ajuda a aumentar a atenção aos detalhes, a melhorar a autoestima e a ter momentos de diversão com os pais, irmãos mais velhos ou responsáveis. É muito importante que os pais/responsáveis passem um tempo de qualidade com os filhos, porque os filhos nunca esquecerão esses momentos, nem os pais. Criar na cozinha é uma atividade incrível, então o que é melhor do que cozinhar e compartilhar uma refeição juntos?”

Separamos, aqui, sete benefícios para trabalhar alimentos na cozinha com as crianças.

1. Cozinha é disparador de conversa

Perguntar como foi o dia é uma demonstração de tentativa de proximidade, mas uma boa conversa também parte da necessidade de se mostrar disponível para ouvir o que a pessoa quer falar, seja um desabafo ou curiosidade. Todo o processo que envolve a comida ajuda nesse processo.

Pensando em cozinhar em família, a chef argentina Paola Carosella, em seu canal do YouTube, a fala sobre uma nova construção ao redor do ato de cozinhar:

"Primeira coisa: a gente precisa fazer as refeições juntos. Ao menos duas refeições. Quando vai chegando a hora do jantar, duas horas antes, [...] vai pensando: o que a gente vai comer?".

O ato de preparar uma comida já pode, de saída, ter o envolvimento de todos. Escolhas dos pratos, dentro das possibilidades da família no dia, a puxada de responsabilidades, "se você cozinha, então eu lavo a louça e eu ponho e tiro a mesa. Eu descasco as batatas, eu vou lavando as coisas".

Aproximação, escuta, espaço para a fala. Uma troca vai-se criando antes mesmo que qualquer movimentação seja feita. Disso para mergulhar no mundo das crianças, desenvolver Os 4 pilares da paternidade (Amor, conhecimento, empatia e comunicação, vejam o vídeo do Thiago Koch em depoimento para O Silêncio dos Homens) pode ser bem recompensador.


Aproveite para fazer aceitos coletivos, com os filhos, a companheira ou o companheiro, com as pessoas envolvidas na família, sobre a casa, sobre planos futuros, anseios. Dividir os desejos faz com que coisas fiquem mais palpáveis para serem realizadas.

2. Aprendizados sobre como são feitos os alimentos

Há um universo quase infinito aqui. O Brasil é grande demais e muita gente na cidade (muita gente mesmo) quase não tem ideia de como funciona o básico da agricultura. Estou falando de coisas simples e essenciais, como é um pé de abacaxi, que o açaí não é  só um doce. Apresentar de onde vêm os alimentos, como eles viram o que viram, processos, caminhos, folclores! Conhecimento e diversão não faltarão neste item. 

Imagina fazer uma experiência de comida desidratada dentro de casa?

Podemos, ainda, ampliar a conversa para outros conhecimentos, falar de gastos com comida (o Eduardo Amuri fala amplamente sobre finanças para crianças lá no site dele), química e física, assuntos tratados como tão chatos na candura popular, aqui viram catalisadores, as transformações da matéria, o aglutinar, a mistura, um tubérculo rígido que aparece na mesa milagrosamente como um purê.

Cores, texturas. Alimentos in natura, processados, pasteurização, lavagem, da moagem a secagem, refrigeração e congelamento, fermentação. Se quiser, pode até abrir uma conversa com sua filha ou seu filho sobre desidratação e liofilização para fazer as comidas dos astronautas.

3. Aprender sobre nutrição

"Quem me conhece, sabe que sempre fui apaixonada pela cozinha. Mas me tornar mãe potencializou esse amor a mil. Trazer minha filha pra cozinha é minha atividade preferida há quatro anos. E como é lindo ver o amor dela pela comida de qualidade crescer, junto das habilidades de uma verdadeira mini chefe,"

      me disse a nutricionista e especialista em introdução alimentar e acompanhamento nutricional de bebês, crianças e famílias, Luiza Miranda Campos, da Miranda Cirandinha.

Observando possíveis dificuldades que os pais podem ter no início da alimentação dos pequenos, ela comenta perceber que essa preocupação acontece só quando as crianças já estão à mesa, de frente para o prato, sem interesse, e que esse processo pela metade faz perder a proveito de estreitar relações com comida de qualidade no dia a dia.

Para ela, a criança precisa ter mais que fome, mas interesse e curiosidade, que fazer do ato de cozinhar algo divertido, fará todo o sentido para a aproximação dos filhos:

"Indo pra cozinha, a criança observa o preparo do alimento, participa do processo, interage com ele, desperta interesse! Além de ser uma forma de criar memórias afetivas. Quem aí não lembra de um bolo da vó, um biscoito da tia ou um pãozinho da vizinha? Cozinhar junto com os pais tem cheiro de infância! Cozinhar junto com as crianças é uma oportunidade de mostrar pra elas que preparar nosso alimento é a maior e melhor oportunidade de cuidar do nosso bem mais precioso: o nosso corpo. 

[...] Diferenciar o que faz bem e o que deve ser evitado em excesso, dizer de qual grupo alimentar cada um deles faz parte. Duvido os olhinhos deles não brilharem e a próxima experiência com a comida saudável ser muito mais proveitosa. O que você acha que faz mais sentido pra uma criança: sentar à mesa e comer a beterraba que você coloca no prato dela ou te ajudar a colher/comprar, pegar na geladeira, descascar deixando a mão rosa, picar do tamanho sugerido por ela, escolher os temperos, levar pra panela, temperar, esperar cozinhar, sentir o cheirinho do ambiente mudar, depois experimentar aquele alimento que teve a mãozinha dela em todo o processo?"

Foto por Filip Urban on Unsplash

Mas lembre-se: se a criança participa de todo o preparo, e no final não quer experimentar, tudo bem! Não demonstre decepção! É um processo. Uma construção. Cada parte do caminho fortalece as relações, inclusive com a comida!

A nutricionista Marcela Kotait, especialista em transtornos alimentares e obesidade, também fala sobre as possibilidades das crianças na cozinha:

"Quando colocamos a criança em contato com os alimentos ajudamos a criar uma relação mais saudável com a comida. Entender os sabores, cores, texturas e possíveis misturas, faz com que a comida ocupe um lugar de prazer. Entender nutrição é diferente de ter uma boa relação com o alimento, dessa maneira, desconstruir o “nutricionismo” é de fato conectar-se com a ideia da comida de verdade, já que comemos comida e não nutrientes.

Valorizar os aspectos culturais e familiares nesse momento é importante, além de exaltar o prazer em comer, aproveitando os sabores e diferenças entre as preparações. Evitar qualquer tipo de conversa sobre dietas restritivas e peso corporal é bastante indicado, já que gerar preocupação e culpa pode ser um grande gatilho para desenvolvimento de transtornos alimentares e obesidade no futuro".

4. Despertar o gosto por comidas diferentes

O assunto "paladar infantil" tem complexidades e não se trata como simples bobeira de criança. Mas a ideia aqui é ter, nessas empreitadas com os filhos na cozinha, uma experiência mais vasta e preliminar do próprio paladar.

Comidas cruas, menos sal e açúcar, construções de pratos mais naturais e diversificados. Estar próximo da comida, de como ela é preparada e como ela nos nutre pode ajudar a desenvolver uma gustação mais complexa e variada.

Ampliar a cartela e possibilidades alimentares é dar poder de escolha e decisão para uma pessoa, claro, quando falamos de crianças, uma inserção lenta e gradativa, com real atenção sobre como se desenvolve esse processo, para não provocar traumas ou justamente afastar a relação.

O desenvolvimento pode ser feito na base da brincadeira, da atenciosidade, novamente, da troca.

5. Aprendizado do cuidado, da autonomia

Pode parecer clichê afetivo, mas deixar a criança mexer, errar, sujar, entender consequências, a calmaria de novas tentativas e delícias dos acertos é uma experiência significativa e gratificante. Não se sentir diminuída ou envergonhada, mas capaz, autônoma, entendendo que coisas dependem dela e da atenção dela, e os frutos decorrentes disso.

Photo by Brooke Lark on Unsplash

É ensinar autocuidados! E isso pode ser revolucionário, a integração do cuidar de si, do outro e do espaço, aprofundado numa entrevista com a Raquel Franzim, coordenadora de educação do Instituto Alana, organização que promove o direito e o desenvolvimento integral da criança e ​fomenta​ novas formas de bem viver em entrevista ao PapodeHomem.

"Se ao longo da vida essa experiência com o outro é tão circunscrita, se eu tenho poucas oportunidades de ter intimidade com o outro, como que eu desenvolvo vínculo? Com a cidade, com a minha casa, com a família e com o planeta que a gente vive? Não à toa a gente vive uma crise dos cuidados que pode ser visto com todo este escalonamento".

6. Aprendizado de que aquela não é uma obrigação da mulher da casa

Um ótimo exemplo disso é parte da mesma fala da fala da Raquel Franzim citada acima, sobre as vontades e desejos dos meninos:

"A gente aprende a atender necessidades próprias atreladas a um tempo, a um espaço… Então eu aprendo que agora eu to com fome, que agora eu quero dormir, ou que agora eu quero descansar. Aos meninos esse olhar para si ou fica sob a dominação da mulher: “agora você vai dormir, agora você vai comer..” Ou ele é pouco enxergado. É como se esse menino não tivesse essa vida interior, essa vida de desejos, essa vida de necessidades que precisam ser atendidas".

A cozinha é um espaço coletivo. Todos passam por lá e todos devem saber como operar aquele canto da casa. O velho retrato da mãe na cozinha e pai em frente à TV impossibilita um espaço de conversa, cria ambientes de isolamento e de privilégios. Voltando à fala da Paola do começo deste texto:

"Cuidar da família, cuidar da casa, cuidar da comida, pra que a gente coma e se alimente melhor, em todos os sentidos se alimenta melhor, é um cuidado e  uma tarefa e um trabalho de todos. [...] é entender que a cozinha, a comida e o cuidado do que a gente... como e o que a gente come, é de todos". 

Ter, por meio da rotina, o entendimento de que todos os processos da cozinha - limpezas, preparações, ajustes, escolhas, propostas - são coletivas e inclusivas, não excludentes, é contribuir para um futuro transformador.

7. Desenvolvimento de motoras e sensoriais

Só de dividir o espaço de cozinhar com uma criança já é auxílio primordial para seu desenvolvimento. Experimentar os preparos com os olhos, desenvolver a inteligência da observação, um início menos participativo ativamente, mas podendo desenvolver os sentidos, segurar ingredientes, perceber odores e texturas, integrar-se aos sons, à dinâmica.

Desenvolver a fala, a coordenação de começar certas misturas, aprofundar os diálogos, a relação de parceria, passar a delegar funções, tarefas conforme as idades, amassar, cortar, bater, utilizar eletrodomésticos, tratar da limpeza e dos lixos. Claro que manusear objetos, utilizar o fogão ou microondas terão a supervisão de adultos e em etapas apropriadas.

Mas a experiência está criada. O acúmulo delas. Toda uma complexidade, entender equilíbrios, tempos e espaços, seu lugar no mundo e o lugar dos outros, cheiros e gostos, contatos, temperaturas, sons. 

O ato de trazer as crianças para a cozinha pode ser agradável e divertido. Conversar, se juntar, trocar olhares, atenção. Muda o ritmo de chegar em casa depois de um dia, ou inicia o fechar de dia no home office. Aproxima, faz ajustes, comemos melhor e mais gostoso, provocamos transformações pessoais e sociais tirando a função historicamente feminina das mãos exclusivamente das mulheres, ampliamos horizontes.

A nonna fica cada vez mais contente na nossa memória e as lembranças de família vão se tornar mais amplas com o passar do tempo.

Mecenas: Nestlé por crianças mais saudáveis

O Programa Nestlé por Crianças Mais Saudáveis é uma iniciativa global da Nestlé, que assumiu o compromisso de ajudar 50 milhões de crianças a serem mais saudáveis até 2030 no mundo todo. Desde 1999 foram beneficiadas mais de 3 milhões de crianças no Brasil. 

Com o lema “muda que elas mudam”, a partir de uma plataforma de conteúdo, o programa estimula famílias a adotarem hábitos mais saudáveis e ainda promove um prêmio nacional que ajuda a transformar a realidade de 10 escolas públicas por ano com reformas e mentorias pedagógicas. 

Conheça mais no site do programa.


publicado em 27 de Julho de 2021, 08:59
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Jader Pires

É escritor e colunista do Papo de Homem. Escreve, a cada quinze dias, a coluna Do Amor. Tem dois livros publicados, o livro Do Amor e o Ela Prefere as Uvas Verdes, além de escrever histórias de verdade no Cartas de Amor, em que ele escreve um conto exclusivo pra você.


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