Como viver uma vida mais real | Simplifica #3

Estar presente, nos tempos de hoje, é uma disputa.

São 8:17 da manhã. Já acordei, saí de casa, liguei o rádio do carro e dirigi para academia como faço todos os dias. Hoje, em específico, estava pensando como começaria este texto e, apesar de já ter o argumento central formulado, precisava de um bom gancho inicial.

O ponto que me faltava tornou-se claro quando o locutor do jornal da manhã começou a falar e meu coração acelerou. Durante os dez minutos do trajeto ouvi sobre a lista de condenações da lava-jato, novas delações, estatísticas de mortes do feriado, motivos dos acidentes, histórias das famílias que morreram e uma série de outras informações que, disfarçadas de notícias, não fazem muito além de me deixar meio perdido.

Fazendo um paralelo, é mesmo sentimento de ansiedade surge quando estou cercado de tecnologia. Celular, computador, televisão, alarmes, notificações, ícones vermelhos piscando, contagem de emails não lidos, tarefas perdidas, solicitação de novos amigos e uma série de elementos que foram inseridos na vida como melhorias, mas que lentamente se tornaram obrigações indiretas.

Inevitavelmente acabamos sob uma cachoeira de informações que inunda nossa mente e nos distancia da nossa percepção da realidade, de elementos que aos poucos vão se perdendo e nos deixando aflitos.

A ideia aqui é fornecer algumas estratégias para reduzir essa pressão.

Quando fizer algo, faça

Na busca por suprir expectativas - nossas e dos outros - seguimos numa busca desenfreada para produzir trabalho e consumir informação. Sentimos que não temos tempo, que precisamos ler todas as notícias, colocar os livros em dia, escrever, ser destaque no trabalho, aprender coisas novas, nos exercitar na academia, fazer aquela corridinha matinal, ouvir todos os podcasts e, é claro, assistir todas as séries do netflix.

A nossa resposta para isso é fazer cada vez mais coisas ao mesmo tempo: ouvir música enquanto trabalha e lê, podcasts durante o exercício, audiobooks enquanto corre e por aí vai.  

Ser multitarefas nos dá a ilusão de acelerar as coisas, mas existe um custo para isso. Ao misturar atividades tendemos a errar mais, e pior, não aprender com esses erros. Nossos níveis de estresse aumentam e acabamos não fixando o que foi feito na memória.

Todos os problemas acima são bem sérios sérios, mas dentro da ideia de viver uma vida mais real, um ponto crítico de ser multitarefas é não nos permitir viver experiências na totalidade, observando nuances e detalhes mais sutis. Um exemplo interessante, num estudo da Western Washington University in Bellingham, 75% dos estudantes do campus que estavam andando com celular na mão não viram um palhaço andando de monociclo.

Sinta o gosto das coisas

Faz alguns anos resolvi fazer um teste. Aos poucos fui removendo o açúcar do meu cafezinho diário. Primeiro reduzir as colheres do açúcar, depois fui colocando menos adoçante até que por fim, passei a tomar café sem açúcar.

A diferença mais significativa é sentir o gosto do café. O café tem um gosto bem específico e que varia bastante entre os grãos, forma de preparo e até o ponto do fervimento da água. Com açúcar é muito difícil sentir o verdadeiro gosto do café.

O mesmo acontece com quase todos os alimentos. Quando colocamos sal ou qualquer tempero numa salada, por exemplo, estamos camuflando o sabor dos ingredientes, deixamos de sentir o verdadeiro gosto das coisas.

O gosto dos condimentos e açúcares são fortes e nos acostumamos a eles com muita facilidade, sendo bem difícil cortar de uma vez. A ideia é reduzir aos poucos, e devolvendo a sensação do paladar. Além dos benefícios a saúde, recuperar a sensibilidade do paladar devolve o prazer de comer alimentos mais saudáveis, já que os gostos voltam a se destacar.

Reduza artifícios digitais

Tudo o que falamos até aqui gira em torno de extrair elementos, remover tudo o que for artifício e nos traga essa impressão de que estamos adormecidos. É impossível falar disso sem falar diretamente nos artifícios digitais.

Não vou dizer que você precisa parar de usar tecnologia e muito menos que ela é inteiramente ruim. É claro que precisamos de todos esses aparatos eletrônicos para interagirmos com a sociedade moderna e fazer nosso trabalho. O problema é que não estamos usando a tecnologia para otimizar o que precisamos fazer e ter mais tempo de qualidade disponível, pelo contrário, todos esses dispositivos estão interferindo de forma séria em tudo o que fazemos.

Quem nunca pegou o celular, mesmo que de forma automática, no meio de uma conversa enquanto outra pessoa estava falando? Deixamos de ver uma cena do filme porque acabamos ali distraídos com facebook, rolando a timeline meio sem rumo.

É difícil também apontar onde cada um de nós está falhando neste ponto, o que podemos é ficar atento a alguns pontos que funcionam como sintomas de que estamos sendo prejudicados por tanta tecnologia.

  • Você mexe no celular enquanto conversa com outras pessoas?

  • Sente ansiedade quando a bateria está perto de acabar?

  • Perde a hora de dormir porque fica na cama rolando a timeline?

  • Perde compromissos ou se atrasa por ficar preso em redes sociais?

  • Estoura prazos ou deixa de cumprir atividades por estar imerso em distrações digitais?

  • Sente que sua conversa com outras pessoas se tornaram superficiais ou frívolas?

Conecte-se ao mundo

Esses pontos estão todos ligados e são, muitas vezes, difíceis de separar. A mensagem clara é que precisamos nos conectar - não artificialmente - com as pessoas que nos relacionamos e até com nós mesmos.

Olhar as pessoas nos olhos, fazer perguntas mais profundas e demonstrar mais interesse pelo que são e compartilham conosco. Da mesma forma, precisamos nos tratar com a mesma atenção. Ter tempo para ouvir o que estamos pensando, questionar nossas convicções e ter consistentes diálogos internos.

Muitos dos nossos pensamentos são respostas automáticas, é preciso tempo e atenção para poder questionar o que estamos pensando e melhorar nossa própria conduta.  

Em resumo, o objetivo é fugir do automatismo diário e ter uma percepção mais rica do mundo em que vivemos.

Leia também os outros artigos do percurso Simplifica

Esse texto faz parte do percurso Simplifica. De duas em duas semanas, às segundas, um texto novo sobre como tornar muito mais simples as relações, o trabalho, o dinheiro, a atividade física, alimentação, etc.

  1. Por que simplificar a vida
  2. Construindo uma relação mais saudável com o trabalho
  3. Como viver uma vida mais real
  4. Como lidar com a sensação de abstinência
  5. Os sofrimentos modernos e como lidar
  6. Assumindo o controle do próprio corpo
  7. ...

publicado em 06 de Março de 2017, 18:27
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Alberto Brandão

É analista de sistemas, estudante de física e escritor colunista do Papo de Homem. Escreve sobre tudo o que acha interessante no Mnenyie, e também produz uma newsletter semanal, a Caos (Con)textual, com textos exclusivos e curadoria de conteúdo. Ficaria honrado em ser seu amigo no Facebook e conversar com você por email.


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