Como a meditação me ajudou a lidar com a ansiedade

Um relato sobre minha experiência, de quem não acredita nessas coisas tilelê #gratiluz a quem passou a ver resultados práticos na meditação.

Aquele era o sexto dos 10 dias de retiro, eu estava sentada no chão finalizando as 10 horas de meditação daquele dia terrível. Tudo doía.

Eu imaginava que a sensação de ter passado da metade daquela maluquice faria tudo parecer mais fácil, mas aquele era de longe o momento mais difícil até ali. Eu sentia fome, duvidava da minha capacidade de meditar, questionava o que estava fazendo naquele lugar enquanto pessoas normais aproveitavam o carnaval.

Naquele instante, meu propósito com o retiro podia não estar muito claro, mas, olhando em retrospectiva, vejo que os caminhos que me levaram até ali, ainda que um tanto intrincados, surgiram na minha vida com timing perfeito.

Embora hoje me defina como agnóstica, eu cresci numa família tradicionalmente religiosa. De um lado, o catolicismo da mãe, de outro, o kardecismo do pai; de ambos, a culpa cristã. A velha e conhecida sensação de que Deus nos pune o tempo todo pelos pecados que cometemos pode não ser algo elaborado em sua cabeça, mas, se você nasceu numa cultura fortemente influenciada pelo cristianismo como a brasileira, certamente está impregnada na sua alma, para usar um termo nada secular.

Isso não ajudou muito a lidar com a enorme ansiedade que eu comecei a sentir já na adolescência devido ao Transtorno Obsessivo Compulsivo, o famoso TOC. Pelo contrário, muitas das minhas obsessões eram permeadas de valores cristãos e estavam relacionadas à ideia de que, se eu não rezasse horas por dia, alguma terrível tragédia aconteceria com a minha família e eu me sentiria culpada pelo resto da vida. Pelo sim, pelo não, eu rezava.

Rezava por horas antes de dormir, rezava ao acordar, pedia ao professor para sair de sala de aula e ia ao banheiro rezar mais um pouco. Como o próprio nome diz, o TOC envolve uma obsessão e uma compulsão por realizar certos rituais. No meu caso, eu vivia obcecada pela segurança da minha família e usava as orações como um ritual realizado compulsivamente a fim de garantir que Deus protegesse as pessoas que eu amo.

Racionalmente, eu sabia que aquilo tudo não fazia o menor sentido e por isso mesmo me esforçava ao máximo para que meus amigos não percebessem o que se passava comigo.

Além da responsabilidade desproporcional de “garantir” o bem-estar da minha família e a culpa de sentir que nunca estava fazendo o suficiente, sentia vergonha por não conseguir evitar comportamentos tão irracionais e estereotipados. Mas, long story short: eu consegui controlar os sintomas do TOC com terapia e medicação no início dos meus 20 anos.

A questão é que, um tempo depois, a ansiedade começou a dar as caras novamente e foi aí que eu tive meu primeiro contato com a meditação. A orientação da minha terapeuta era que eu simplesmente prestasse atenção à minha respiração quando me sentisse ansiosa. Em cinco minutos, como mágica, realmente me sentia bem mais calma.

Naquele momento, eu nem sabia que o que estava fazendo era algo próximo da meditação. Eu usava o foco na respiração como uma estratégia muito eficaz para gerenciar minhas emoções. Assim que colhi os frutos daquela prática e deixei de ter crises de ansiedade, deixei aquilo de lado.

E mais alguns anos se passaram até que eu fosse parar num centro budista nos Estados Unidos não porque queria me converter àquela religião, mas porque havia visto um cartaz legal no quadro de avisos de um café falando das práticas meditativas e queria fazer amigos naquela cidade onde estava morando e não conhecia ninguém.

Nessa altura, já havia visto algumas palestras e ouvido falar bastante sobre os benefícios da meditação e resolvi incluí-la na minha rotina praticando por 10 minutos todo dia. Os benefícios começaram a aparecer. Mais clareza mental, melhor foco, maior capacidade de concentração. Eu estava impressionada com os efeitos daquela prática curta e, devo admitir, não tão regular, já que eu acabava não meditando um dia ou outro.

Até que, em 2017, já de volta ao Brasil, após uma experiência pessoal dolorosa, eu percebi que estava entrando num estado depressivo. A tristeza inerente a estes momentos da vida é normal e até esperada. Até aí tudo bem, mas percebi que aquele estado de luto já durava muitos meses e não dava sinais de melhora.

Eu estava tendo dificuldades para me concentrar, cometia erros tão grosseiros no trabalho que chegavam a ser constrangedores, não via muita graça em nada, sentia uma vontade incontrolável de chorar em momentos totalmente inapropriados.

Nessa altura, até pela desmotivação geral causada pela depressão, minha prática meditativa andava meio esquecida, mas resolvi começar a frequentar um centro de estudos budistas em BH, mais uma vez não tanto pela religião em si. Agora, eu buscava apenas o senso de comprometimento de me reunir ali com aquelas pessoas ao menos uma vez por semana.

Eu sabia que, naquele momento, precisava de algo que me obrigasse a manter uma regularidade na meditação e aquele era o único jeito de conseguir isso. Evidentemente, não posso ignorar o papel fundamental que a terapia desempenhou nesse processo de recuperação, mas eu percebia novamente a meditação tendo um enorme impacto na minha vida.  

Foi então que, com uma prática meditativa mais consolidada e aproveitando o feriado do Carnaval, em 2019, resolvi fazer um retiro Vipassana. Seriam 10 dias em absoluto silêncio, sem qualquer contato com o mundo exterior, sem distratores de qualquer ordem, em profunda introspecção, meditando 10 horas diariamente. Para alguém que meditava uma média de 20 minutos por dia, parecia uma empreitada bastante ambiciosa e difícil de cumprir. E de fato foi.

No primeiro dia, já vieram os questionamentos sobre a real necessidade de estar ali. Será que eu precisava mesmo ser tão radical? Por que é que eu sempre tinha que me jogar de cabeça nas coisas que fazia? Era mais fácil simplesmente meditar mais horas em casa. Quem sabe ir para uma pousada por um fim de semana e relaxar…

O segundo dia não foi nem um pouco melhor. Ao perceber a furada em que havia me metido, eu comecei a fazer cálculos do tipo “eu tenho 32 anos, então estou no mundo há mais de 11000 dias, acho que posso aguentar 10 deles aqui”. No terceiro, eu sentia dores no corpo por ficar tantas horas sentada no chão na mesma postura, mas comecei a perceber minha mente um pouco menos rebelde e mais focada no momento presente. No quarto, me dei conta de que as horas passavam menos devagar do que esperava antes de começar o retiro. Estranhamente, as 10 horas de meditação não eram tão entediantes quanto eu imaginava.

No quinto, uma das minhas colegas de quarto desistiu. Como fazíamos silêncio absoluto, nada foi falado, simplesmente notamos que a cama não estava mais feita e as coisas dela não estavam mais lá. Mas eu não ia desistir, por uma única razão: orgulho. Era fora de cogitação encarar as pessoas aqui fora e dizer que eu não dei conta. Era um motivo nobre? Não, não era, mas era o que eu tinha.

Então, fui tomada por um otimismo enorme ao pensar que estava passando da metade daquela cilada. E, embora não visse a hora de voltar para a minha vida, percebia uma melhoria considerável na minha capacidade de concentração, além de começar a compreender, graças a toda aquela introspecção, alguns padrões de comportamento que vinha reproduzindo havia muito tempo.

Até que veio o sexto dia para jogar um balde de água fria no meu entusiasmo. Ao contrário do que eu esperava, ter passado da metade do retiro não me dava a sensação de que, dali pra frente, tudo seria mais fácil. Todas as noites, escutávamos uma palestra com uma espécie de balanço geral daquele dia.

A do sexto começava com a informação de que aquele era geralmente o mais difícil para todos. Senti um alívio enorme em saber que aquela dificuldade era compartilhada por todo mundo ali e fui dormir resignada com o fato de que era tarde demais para desistir e eu ia aguentar aqueles quatro dias restantes.

O dia seguinte veio para provar que a hora mais escura da noite é mesmo a que precede o amanhecer. Dizem que o responsável por essa coisa que chamamos de universo descansou ao sétimo dia após criar tudo que conhecemos. No meu caso, minha mente estava finalmente descansando após desconstruir muito do que eu acreditava sobre mim mesma.

Depois de todos aqueles debates internos e da mente se rebelando contra aquele desconhecido estado de introspecção e ausência de estímulos externos, eu finalmente consegui meditar as 10 horas daquele dia sem sofrer. E, mais do que isso, experimentei a maior felicidade de que já tive notícia. Trata-se de um estado de bem-estar e contentamento sem euforia, apenas pleno e equânime no momento presente.

Essa sensação me trouxe a percepção de que, a partir dali, eu teria as ferramentas necessárias para lidar com qualquer situação que surgisse na minha vida: a meditação e a compreensão de que tudo é impermanente. A partir daí, os dias correram suaves e o retiro finalmente terminou, me deixando a sensação de que aquela havia sido a melhor roubada na qual eu já havia me metido.

De volta ao mundo real e ávida por ler alguma coisa, já que a leitura era proibida no Vipassana, comecei pelo primeiro livro que surgiu na minha frente: 10% mais feliz, de Dan Harris. Confesso que minha primeira impressão foi de que o título parecia de autoajuda barata com suas promessas de felicidade, mas dei uma chance já que havia ouvido falar bem dele.

Harris é um jornalista americano que, assim como eu, chegou até a meditação pela via do sofrimento. Mas o caso dele foi talvez mais agudo e certamente mais público: ele teve uma crise de pânico ao vivo, enquanto fazia um link no Good Morning America, um dos programas mais assistidos da TV americana. No livro, ele conta de sua trajetória ambiciosa em busca de sucesso profissional e do desprezo que tinha por qualquer crença religiosa ou prática tilelê da era de Aquário, incluindo a meditação nesse pacote, claro.

No entanto, ao perceber que pessoas bastante razoáveis reconheciam os benefícios dessa prática, ele começa a mudar sua opinião. Apesar de não ser um professor de meditação propriamente dito, algo que me cativou muito no livro de Harris foi justamente sua abordagem. Esqueça as expectativas de um despertar espiritual ou de experiências transcendentais cinematográficas.

Como o próprio título do livro sugere, o que a meditação tem para oferecer é, em geral, muito mais modesto, porém efetivo. A promessa de felicidade na capa lembra, sim, títulos de autoajuda que sinceramente me fazem revirar os olhos.

Mas, nesse livro, há um detalhe importante: não há milagre nem fórmula mágica para ser feliz, apenas um número relativamente tímido. Mesmo assim, se pensarmos bem, se fosse um investimento, seria um retorno excelente. Se eu te disser que, comprometendo cerca de 2% do seu dia, você consegue um incremento de 10% em seus níveis de felicidade, parece bom? Pois é, ainda que não seja algo facilmente quantificável, os 10% de Harris são bastante realistas e diria até comedidos, há quem experimente uma melhoria na qualidade de vida muito maior do que isso.

Assim como eu, Dan Harris fez um retiro de silêncio de 10 dias e descreveu experiências muito parecidas com as minhas. Aqui no PdH inclusive tem um documentário bem interessante sobre uma experiência de Vipassana num presídio. Estar num ambiente isolado do barulho do mundo ajuda muito, mas você não necessariamente precisa ir para um retiro para começar a colher os benefícios da meditação.

A ciência já comprova em alguma medida que a meditação como uma prática diária tem um impacto significativo no tratamento da depressão, ansiedade e dores crônicas. O tempo meditado pelos participantes de cada estudo varia, mas, em geral, 20 minutos por dia já são suficientes para ver resultado.

E nunca é demais dizer, não nos deixemos iludir por promessas milagrosas. Há incontáveis supostos benefícios da meditação sugeridos por uma infinidade de pesquisas, mas destas, é importante mencionar, muitas são criticadas por não seguirem um rigor metodológico que lhes dê credibilidade. Se vai provocar uma guinada de 180° na sua vida, é impossível dizer, mas certamente tem trazido mais clareza e tranquilidade a milhões de pessoas mundo afora.

E claro, é sempre bom lembrar: meditação é sobre autorresponsabilidade. Ninguém nem nenhum livro vai te fazer mais feliz. O interessante da prática é que não importa tanto o que você aprende sobre ela se não vai lá e medita você mesmo.

Uma das coisas mais valiosas que aprendi com a meditação foi a lidar melhor com os extremos apego/aversão na minha vida. Quando comecei a ouvir que devia evitar ambos, confesso que tive medo de virar um zumbi zen. “Se eu não me apego e não sou avessa a nada, me tornarei fria e sem graça”, eu pensava.

A surpresa foi constatar, pela minha própria experiência, que não. Não me agarrar e não repelir as coisas, pessoas e sentimentos não significa não me importar, não sentir, mas ser capaz de observar minhas emoções sem me deixar governar por elas.

Esqueça todos os estereótipos de pessoas plenas e sorridentes meditando em posição de lótus - ou melhor, não nutra apego ou aversão por eles. Meditando ou não, sinto tristeza, raiva, medo, alegria, amor, ciúmes, inveja e a lista não para. A diferença é que agora consigo ser mais observadora e menos escrava desses sentimentos.

A vontade é de terminar esse relato com um #gratiluz, mas vou te poupar disso e fazer um convite. Se o que a meditação tem a oferecer te parece bom, dá uma olhada nos links abaixo para se aprofundar mais no tema e aprender a meditar.

Para começar a meditar, um breve percurso

 


publicado em 30 de Maio de 2019, 12:16
Monica

Mônica Buccini

Troca qualquer balada por uma maratona de filmes e ama andar no mato. Acredita no poder transformador da arte e fala de livros no @monicabuccini


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