Quando eu estava saindo do ensino médio, lá no final dos anos 90, todos os veículos de notícias faziam questão de anunciar, está chegando a era da informação.
A internet vinha ganhando corpo, as informações corriam pela rede levando cada vez menos tempo entre emissores e os receptores. Hoje, basta uma rápida busca e podemos encontrar a resposta exata para dúvidas que antes cairiam no esquecimento. Mas nem sempre foi assim.
Antes da internet, quase toda pergunta que surgisse numa roda de bar seria inevitavelmente interrompida pelo silêncio da dúvida. Fosse coisa boba, como a onomatopeia da girafa, ou coisas mais profundas como o tamanho do universo, vida em outros planetas, confirmações de conspirações que se espalharam ou até o paradeiro de um famoso que desapareceu subitamente da mídia.
Qualquer dúvida que fosse além da esfera do cotidiano, era de difícil acesso ao público. Os mais velhos podem lembrar das inúmeras enciclopédias, pilhas e pilhas de livros que serviam como fonte de informação para acalmar nossa curiosidade, mas sempre muito caras e de difícil navegação.
Jornais, tanto impressos quanto televisionados, eram parte importante da nossa formação intelectual, por onde grande parte do conteúdo sobre o mundo chegava.
Notícias sobre outros países, pequenos documentários sobre culturas diferentes, relatos de discos voadores, histórias de sucesso e toda revolução tecnológica que explodia ao final do milênio.
Notícias eram responsáveis por nos fazer testemunhas da história.
O ruído e o sinal
Todo cenário de produção de notícias se potencializou. A internet se tornou a principal fonte de informação da maioria das pessoas, que produzem em uma escala que mal podemos compreender.
Um dado da IBM, aponta que 90% da informação criada no mundo foi gerada nos últimos 2 anos. O relatório contendo tal informação é de 2013, e basta olharmos um pouco para trás e notar que a quantidade de conteúdo criado diariamente cresceu exponencialmente entre 2013-2016, nos levando a imaginar a quantidade de dados gerada por dia nos tempos atuais.
Os entusiastas do big-data costumam apontar com entusiasmo esse crescimento megalomaníaco de informação. Primeiro porque acreditam ser capazes de descobrir coisas importantes manuseando toda essa massa de dados, fornecendo diferencial competitivo para política, esportes e negócios. Segundo, e a parte mais perigosa, acreditam que é possível realizar importantes previsões baseados nesse mar de ruídos e, por último, porque toda essa informação parece justificar a contratação de um cientista de dados.
Porém, muito pouco dos dados gerados são importantes, e pior, previsões baseadas nessas informações nos confundem, deixando vulneráveis a perigosos eventos inesperados.
Imagine-se num bar lotado. Existem centenas de pessoas, em várias direções, todas conversando em voz alta. Há também a música ao vivo, instrumentos misturados e a voz do cantor ajudando na composição sonora do ambiente. Você é apenas um ponto em todo esse cenário caótico, tentando entender as palavras que saem da boca de um amigo. O sistema é confuso demais para você conseguir entender tudo o que está acontecendo.
Existe muito ruído na comunicação, vez ou outra é preciso sinalizar que não entendeu e pedir para repetir a frase.
Para você, não importa tudo o que está sendo dito por todas as pessoas do bar. As notas dos instrumentos e letra da música cantada pelo vocalista são dispensáveis. Tudo o que precisa é entender a mensagem emitida, sem que ela seja ofuscada pelo caos do ambiente.
Você não quer saber que o casal da mesa 32 está conversando sobre ter filhos. Não importa que está tocando Careless Whisper na versão do Lost Fingers, ou que o garçom está brigando com o cara do bar por ter errado no colarinho do chope. Essas podem ser informações interessantes, mas de fato não são relevantes para o que você realmente quer saber: o que seu amigo está tentando dizer.
Algo parecido acontece quando falamos sobre informação e internet, principalmente quando entramos no campo da criação de notícias.
Tentei encontrar estatísticas de quantas notícias são publicadas por ano, mas aparentemente nenhum site fornece esses dados ao público geral. Já que saber esses números é importante para meu argumento, decidi fazer os cálculos por conta própria. Escolhi o G1, por ser considerado o maior site de notícias – não digo qualitativamente – do país. Procurei e contei notícia por notícia por vários dias, depois gerei uma média e projetei uma aproximação por períodos.
O G1 publica, só em sua front page, uma média de 118 notícias por dia. O que é bastante, mesmo tendo esse número reduzido pelas poucas notícias publicadas no final de semana, uma média aproximada de “apenas” 45 notícias. Em dias específicos cheguei a contar mais de 170 notícias. Por ano a média chega à algo próximo de 42 mil (41.860) publicações . É uma assustadora avalanche de informações.
Entendo ainda que estou avaliando apenas o site principal do G1, desconsiderando todas as páginas secundárias de outros estados, cidades e divisões por assuntos diversos.
O mundo é mais monótono do que parece
O mundo é um lugar bem menos interessante do que parece pelos sites de notícia. Menos eventos importam para nosso cotidiano do que fazem parecer. O negócio da notícia tornou-se preencher nossa atenção ao longo do dia para satisfazer o leitor entediado, que atualiza o navegador esperando o próximo grande acontecimento aparecer ali, diante de nossos olhos.
Muita gente não percebe, mas nada é de graça na internet. No caso dos veículos de comunicação, sua principal fonte de renda costuma ser a publicidade.
Assim, o trabalho dos jornais não é organizar informações e situar o leitor nos acontecimentos do mundo, mas sim gerar tráfego para a venda de publicidade. Quanto mais notícias são veiculadas, maior a quantidade de cliques e compartilhamentos.
Esse simples incentivo faz com o número de notícias seja cada vez maior, e não apenas isso, faz com que elas tenham manchetes mais extremas, polarizando a visão da sociedade. Um site que não opere sob essas diretrizes consegue menos acessos e compartilhamentos do que páginas que reforçam a visão de mundo dos leitores. Polarizar opiniões é um forte mecanismo de engajamento na internet.
Notícias falsas, ambíguas e com fontes duvidosas, sem nenhuma verificação mais profunda são divulgadas aos montes, já que o bônus da viralização é maior que o prejuízo de responder judicialmente por um possível erro, que as vezes ninguém aparece para apontar. Só conseguimos observar a cobrança da ética jornalística quando alguém com bastante recurso se torna vítima do erro, a exemplo do processo do Deputado Romário contra a revista Veja.
Com essa quantidade absurda de ruído sendo gerado dia após o outro, torna-se muito complexo compreender o funcionamento do mundo. Pior ainda, toda essa massa de informações cruzadas apenas confunde nossa visão, nos dando a falsa impressão de que sabemos o que está acontecendo ao nosso redor.
Pouco importa o que sabemos
Já que é por meio da nossa atenção que eles pagam as contas, os jornais nos fazem acreditar que precisamos consumir toda essa massa de informação para poder nos preparar, saber o que esperar e com isso planejar nossos passos.
Essa é uma visão que encontro sempre que digo evitar notícias, que não tenho timeline no Facebook e que não assisto televisão.
Uma notícia que sai hoje e seja de fato relevante, não demorará mais que algumas horas para ser comentada numa conversa de corredor.
Agora, enquanto escrevo, eu mal acordei e nem saí do meu quarto, mas quatro pessoas já me enviaram mensagens sobre o Lula ter sido levado para depor.
Todos possuem, direta ou indiretamente, acesso ao que está acontecendo no mundo. Sabemos quando algo relevante acontece porque as pessoas fazem questão de comentar. Dificilmente algo muito importante vai passar em branco numa conversa. Já todas as outras noticias em torno de um mesmo assunto não adicionam mais nada de relevante ao fato. Apenas alimentam a indignação pública e o ego do leitor – que agora se sente superior aos demais que ainda não leram a última atualização da lava jato.
No entanto, tudo o que sabemos em termos de notícia tem pouco ou quase nenhum impacto sobre nossas vidas. De um modo geral, passamos batido pelo que realmente importa.
Quando alguém acredita que uma notícia pode dar diferencial estratégico para um negócio, está ingenuamente ignorando o fato de que todos os outros competidores também possuem economistas de terno azul marinho olhando para as mesmas informações.
Essas análises se tornam cada vez mais densas, camufladas com um referencial teórico pesado e uma matemática confusa.
A visão viciada nos deixa vulneráveis a grandes mudanças, efeito que pode ser observado em todas as crises econômicas que o mundo já passou.
Para entender um pouco melhor, vamos reduzir o cenário. Digamos que você tenha lido a notícia de que 80% dos crimes são cometidos por negros. Sua percepção, pela construção histórica, já o torna propenso ao preconceito – todos nós somos. A notícia surge confirmando sua visão, justifica seu medo inicial. Agora parece compreensível atravessar a rua quando um negro se aproxima no meio da noite, afinal, essa parece ser a probabilidade mais alta.
O que você não sabe, é que negros são abordados de forma mais rígida, os policiais são mais tolerantes com brancos em pequenos delitos. A estatística está viciada, os dados não representam a realidade e agora você está mais propenso a ser assaltado por um homem branco, simplesmente porque suas informações criaram um ponto cego. Você está ignorando um fator de risco baseado numa previsão incorreta.
O exemplo é bastante simplificado, mas acontece sempre que tentamos prever algum tipo de problema. As crises que realmente nos derrubam são aquelas que não podemos prever, e que podem ser ofuscadas pela quantidade de ruído presente nos jornais.
Essa é a definição de Cisne Negro, um evento estatisticamente raro, mas que acontece assim mesmo. 1% de chance ainda significa que pode e eventualmente vai acontecer.
Ninguém foi capaz de prever a crise de 29, a segunda-feira negra de 1987 ou a mais recente crise de 2008. Todos estavam ofuscados fazendo as mesmas previsões otimistas, todos confiavam no que as notícias diziam. A economia cresce, tudo está bem, até que não estava mais. Jornalistas tendem a se agrupar em cima das mesmas opiniões.
Pode parecer que estou falando de catástrofes distantes, que não nos afetam diretamente – apesar de duvidar que alguém ainda acredite que crises econômicas mundiais não nos afetem.
No entanto, vamos olhar para a nossa história recente, pense na catástrofe de Mariana, em Minas Gerais.
Se você fosse um morador de Mariana, não teria motivos para desconfiar que sua casa seria levada pela lama no dia seguinte, os poucos que possivelmente levantaram dúvidas certamente foram silenciados como criadores de uma teoria da conspiração. Se fosse um investidor, um dia antes da tragédia, provavelmente estaria seguro de seu investimento, os prospectos mostravam um bom crescimento, uma situação estável e uma empresa premiada por sua qualidade.
Mas, novamente, previsões podem e dão errado, fazendo com que a sociedade arque com o alto custo dessa fragilização.
Como não ser fragilizado
É preciso enfatizar que todo meu alerta sobre a forma que as notícias são veiculadas são causadas por dois fatores básicos.
O primeiro é a construção de uma imagem de mundo que não é compatível com a realidade, nos deixando expostos a preconceitos e confirmações enviesadas.
O segundo problema é a ilusão de que toda essa informação é capaz de nos diferenciar dos demais, nos atribuindo vantagens. Quando na verdade, pode causar um efeito contrário.
Imagine um carro atravessando uma ponte e essa ponte cai. No que as notícias vão focar? No carro, na marca do carro, nos itens de segurança, no estado emocional da vítima, nos seus familiares, na velocidade da queda, como foi a experiência do acidente e toda uma série de informações que, infelizmente são irrelevantes, causando apenas uma distorção na percepção que o leitor tem da notícia.
A única informação relevante neste fato é o estado estrutural da suposta ponte.
Não que a morte de uma pessoa, seus familiares e todo esse cenário não sejam tristes, mas o que de fato é relevante – o levantamento de dados que pudessem evitar um mesmo acidente no futuro, por exemplo – ficou esquecido em meio ao show noticiário.
É por esse erro de narrativa que tendemos a considerar astronautas heróis e subestimar o valor das enfermeiras.
O Jader Pires escreveu um texto bem bacana sobre a forma como as notícias buscam fisgar nosso emocional, ao invés de efetivamente informar sobre o ocorrido. Veja o texto sobre a tristeza de ler que um casal morreu de mãos dadas.
99% das notícias que lemos acabam sendo esquecidas ao longo dos dias, com praticamente nenhuma relevância. Porém, seguimos consumindo mais e mais informação. Essa vontade funciona como o vício das drogas, alimentando respostas hormonais para nossa ansiedade e fazendo com que queiramos cada vez mais conteúdo.
Notícias nos tornam paranoicos. Passamos a considerar riscos de forma muito desproporcional. O medo de terrorismo é praticamente injustificado, enquanto acidentes de carro, e principalmente moto, deveria encabeçar nossa lista de medos, já que são mais frequentes e acessíveis.
Pais são mais propensos a deixar crianças brincarem na casa de amigos que possuem piscinas, do que nas casas em que os pais possuem armas de fogo. Afogamento em piscinas é a principal causa de morte de crianças entre 1 e 4 anos nos Estados Unidos.
Tenho evitado notícias faz alguns anos. Minha percepção é que consigo observar com olhar muito mais crítico alguns eventos que realmente importam, por estar menos atordoado com os ruídos gerais. Não tenho timeline no Facebook e meu acesso ao Twitter é apenas para ler o que amigos e pessoas que respeito comentam. Me sinto menos ansioso, reativo e indignado com as coisas que acontecem do que quando consumia informações em excesso.
Não é como se eu fugisse de notícias, mas a busca incessante por cada vez mais informações já se mostrou um vício prejudicial demais para continuar sendo alimentado.
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