Fui assistir ao terceiro filme da franquia do Super-Homem, que começou nos 70 e terminou nos 80, com alguns meses de atraso. Talvez dois anos na verdade, embora eu não tenha ideia sobre quando ele passou primeiro em Porto Alegre.

superman-iii
sleazy as hell

Só sei que o assisti no Cinema Lido, que operava entre a Riachuelo e a Jerônimo Coelho, e era um dos cinemas menos conhecidos ou respeitados da cidade. Depois disso, só vi esse estabelecimento passando filminho de sacanagem, até sua falência no início dos anos 90 (a Av. Borges de Medeiros era tipo filme do Charles Bronson nos anos 70, NY mijada e pixada, só que latino americana, pobre e provinciana. Mas, quero dizer, ).

Na verdade, acho que eles tinham essa cópia de Superman III e, ocasionalmente ao longo dos anos, tentavam tirar algum dinheiro dela.

Como eu tinha 10 anos de idade e andava livremente pelo Centro Histórico, onde morava e ia para a escola, um dia resolvi sair durante um feriado ou greve e pagar umas merrecas para ver um filme do Super-Homem no cinema. Detalhe: sempre abominei super-heróis.

Mas, mesmo assim, como algum tipo de concessão entediada e falta de noção da realidade temporária, me dirigi ao cinema e paguei a quantia requisitada, e fiquei até o fim do rolo. Já fiz isso outras vezes com filmes extremamente ruins, uma delas com Missão Impossível III;  outra vez me deixei levar com uma loira (é só um fato, não um comentário social)… recomeço: era loira e queria ver O Código Da Vinci. E talvez uns do Eric Rohmer, e coisas que passavam no Guion e não eram bregas, porque meia-boca europeias, mas totalmente esquecíveis.

Revi este filme anteontem. Que colcha maravilhosa de retalhos kitsch dos 80’s, com Richard Pryor em plena decadência drogada — ou a caminho de recuperação –, mas antes da esclerose múltipla, e Christopher Reeve prestes a cair de um cavalo para sua morte extemporânea após vários anos de dificuldades físicas extremas!

Total diversão em mais de duas horas de película com alternância de efeitos especiais ora preguiçosos, ora state of the art para a época.

Mas a comédia tem seus detalhes de autorreferência pós-estruturalista, ah, isso tem. Não sabemos se os mísseis guiados como um vídeo game são:

a) propaganda de algum cartucho do Atari;

b) a crítica usual aos computadores e seu fator alienante;

c) profecia para as guerras da próxima década;

d) tiração de sarro com o próprio resto do filme.

Todas as alternativas são interessantes.

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Mas sim, o tema central é a nóia típica dos anos 80 com computadores, exagerada a partir de referências à ficção científica jeca “robô como pathos” (que culminaria em 1987, no verdadeiramente magnífico Robocop de Paul Verhoeven. Veja que filme moderno pra época!). Fora isso, a afetação quase deliberada principalmente na edição, o torna efetivamente um objeto único. Sim, Superman III passa no teste da ironia hipster. Não é ironicamente ou classicamente ruim como Plan 9 ou outros tantos filmes bizarros que se assiste meramente pelo chutzpah de existirem; é sim um produto cultural inchado e do capitalismo preguiçoso e oportunista.

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Ninguém aturava mais a franquia, ninguém trabalhando no filme chegou a jamais acreditar nele. “Vamos cada um de nós fazer um dinheirinho rápido e entregar qualquer coisa.”

Isto é, nunca imagine que seja um bom filme, ou valha o tempo de qualquer um.

Mas, de volta ao filme.

Começa com pastelão na abertura, quase um videoclipe engraçado do Super-Homem, só que para crianças. Esse filme tenta agradar todos os demográficos. Até meninos porto alegrenses dos 80.

E não faz nenhuma concessão para seu status de lixo cultural, deixa tudo alinhado com o futuro de cinemas de Shopping, óculos 3D, gente insuportável ao redor e som insuportável. White trash, enlatado de última, só nos shoppings do sul mais profundo.

Na verdade nem entendo muito de white trash (ahá, tipo eu, vendo filme do Super-Homem! Ou tomando Pepsi num copo de plástico do Michael Jackson, que é também outro tipo de super-herói fascista, se formos ver bem). Mas Richard Pryor é poupado porque uma hora descobre que “não quer matar o Super-Homem” – colocar o Pryor e não fazer um comentário sobre racismo? Sobre marginais, junkies, abusados, coitados… gênios?

Essa semana reassisti ao filme com a expectativa da nostalgia, o que o torna bem diferente. Não quero dar spoiler, mas o homem de aço termina dando um baita de um anel de diamante para a Lana Lang, que vai logo exibir para a Lois Lane… novelão!

Tem também uma cena genial, em que descobrimos que uma loira que se faz de bimbo por uma hora de filme, na verdade lê e comenta . Mas ela troca rapidinho por uma revista de fofocas, para que ninguém desconfie. A cena vale o filme, mas pode ser encontrada no YouTube.

E, de fato, o Super-Homem entra numas de ficar malvado por causa de uma kriptonita sintética que rola no filme, e daí não é que ele pega a tal loira (que está operando como honey pot para os vilões)?. Lembro que, com 10 anos, vibrei porque se tinha uma coisa interessante no Super-Homem, era o Super-Homem Bizarro.

Só que esse não é bem o Super-Homem Bizarro canônico, acho.

Sei lá.

Não gosto de Super-Homem.

Eduardo Pinheiro

Diletante extraordinário, ganha a vida como tradutor e professor de inglês. É, quando possível, músico, programador e praticante budista. Amante do debate, se interessa especialmente por linguística, filosofia da mente, teoria do humor, economia da atenção, linguagem indireta, ficção científica e cripto-anarquia. Parte de sua produção pode ser encontrada em <a>tzal.org</a>."