Posso dizer que entendo um pouco de futebol, muito pouco de Direito e nada de Economia. Mas, brasileiro, posso dizer que definitivamente sei bem o que é ser um vira-lata.  E para afastar qualquer dúvida, sim amigo, você não leu errado, estou comparando todo o povo heroico de brado retumbante ao animal de rua.

A licença poética acredito que foi o grande Nelson Rodrigues quem me deu, porque foi o primeiro a detectar o mal que sofremos, segundo ele, um complexo de narciso às avessas que cospe na própria imagem. O Nelsão dizia que não encontramos pretextos pessoais ou históricos para a autoestima.

Infelizmente ele estava certo.

Nelson Rodrigues, o profeta torto
Nelson Rodrigues, o profeta torto

É que me surpreende o quanto nos gostamos de nos subestimar. Como nos comparamos com o resto do mundo e, nessa comparação, sempre saímos perdendo. É como aquela criança brincalhona que sempre calça os sapatos dos pais e fica se sentindo adulto, sabendo que o calçado não lhe serve mas não percebendo que talvez não seja do seu gosto.

Não quero defender aqui o sucesso ou torcer pelo insucesso da Copa do Mundo no Brasil. Os gastos público com os eventos estão aí à nossa disposição e o legado, material e imaterial, nós só conheceremos após o apito final. Mas, faltando dias para o início do ciclo futebolístico, nos seguimos nos comparando com as sedes anteriores e nos esforçando para sermos vistos como iguais.

É o que acontece toda vez que um novo estádio é inaugurado e os medalhões da organização se apressam pra dizer que não devemos em nada ao Camp Nou, do Barcelona, que está tudo lindo como o Allianz Arena, do Bayern Munich. Precisamos entender que a experiência do futebol na Europa não se limita aos campos ultramodernos, mas também aos times bem montados, estruturas profissionalizadas e respeito ao torcedor.

A ausência dos odiosos cartolas. A nova arena está cara? Mas vai ter Shopping Center! E desde quando nós vamos ao estádio para ir às compras?

Na mesma toada é o caso das caixirolas. A invenção do Carlinhos Brown é a tentativa de abrilhantarmos o espetáculo, como as vuvuzelas sul-africanas. Quem assistiu os jogos da copa em 2010 fala que aquele negócio é chato à valer, mas foi tolerada por estar fortemente ligada à cultura local. E nós não temos mais pandeiros, tamborins e uma infinidade de tambores para incomodar os outros? Chegamos ao ponto de nos compararmos com os anfitriões de uma copa meia-boca?

Carlinhos Brown e as caxirolas
Carlinhos Brown e as caxirolas

Ainda há poucos meses acompanhamos, como se fosse o assassinato da Odete Roitman, todo o julgamento da Ação Penal 470, caso que ficou conhecido como “Mensalão”. Me chamou a atenção quanto naquele período nós também nos referimos ao resto do mundo.  Foi tanta comparação com os Estados Unidos e a Europa que não me surpreenderia se recebesse o troco do pão em euros.

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Sem emitir qualquer juízo de valor a respeito da decisão do Supremo Tribunal Federal, a pergunta que me fica é porque temos que achar que em qualquer caso julgado na nossa mais alta corte de Justiça, a decisão tomada por aqueles senhores de capa preta deveria mandar um recado para o resto do mundo. Se você acredita que houve um caso de corrupção sem precedentes, a punição deveria lhe servir de bálsamo simplesmente porque aqui nos estaríamos mandando um recado para os corruptos, não? Porque assim, o julgamento contribuiria para acabar com a corrupção no Brasil.

Ao contrário, se você já acha que o julgamento contribuiu foi para o achincalhe da atividade política no país como um todo, você deveria buscar compreender as falhas do nosso sistema eleitoral, certo? E, então, engajar-se e cobrar dos seus representantes a urgente reforma política.

E não é diferente na economia, vejam só. No momento em que parte da Europa pensa em abandonar a moeda comum ou até mesmo a livre circulação de bens, pessoas e serviços, em que a Espanha registra uma taxa de desemprego de 25% entre os mais jovens, somos incapazes de reconhecer o acachapante sucesso do maior programa de transferência de renda do mundo. Somos cegos ao fato de que o desemprego no Brasil aproxima-se do pleno emprego, porque, afinal, aqui ainda é impossível comprar um carro de luxo por menos de R$ 100 mil.

O que precisamos entender, com urgência, é que somos os únicos responsáveis pela nosso sucesso ou infortúnio e que, para qualquer um dos dois, devemos contribuir sem olhar para a grama do vizinho. Temos que expurgar logo essa odiosa expressão tão brasileira e vira-lata de que “em um país sério as coisas não são assim” ou até mesmo que “no primeiro mundo é diferente”.

Não adianta o vira-lata olhar pro pastor alemão com inveja do seu porte e não perceber que pro chucrute falta o seu jeito próprio. Aquela criança que calça o sapato dos pais tem que entender que tanto faz se de chinelo, bota, sapato ou tênis.

Quem sóse esforça pra ser vira-latas nunca vai ser pastor
Quem sóse esforça pra ser vira-latas nunca vai ser pastor

É ele que tem que escolher o que vai calçar.

Luiz Ferreira

Um nerd corintiano que não sabe jogar bola, jazzista que não toca nada, político sem voto, gordinho que não sabe cozinhar e leitor que escreve muito pouco. Tem páginasrne páginas de resoluções de ano novo. No twitter atende por <a>@luizffm</a>."