Um exemplo: a direita afirma que a Reforma da Previdência é necessária e a esquerda, que o rombo da Previdência é uma mentira — simplificando grosseiramente.
Eu não sei nada sobre o assunto e não tenho tempo para me informar adequadamente.
Mas, como me auto-identifico "pessoa de esquerda", adoto a postura majoritária do meu grupo e sou contra a Reforma.
Mas sou realmente contra?
Sei realmente do que estou falando?
É intelectualmente sustentável ter uma posição em um debate tão importante somente por tribalismo?
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Abaixo, algumas das questões mais polêmicas da nossa época:
(Tentando expor cada lado com os argumentos de quem o defende.)
Uma mulher trans é “uma mulher que merece a proteção do feminismo”, como dizem as transativistas, ou é “um homem colonizando o movimento”, como dizem as feministas radicais?
A prostituição deve ser legalizada, para maior proteção das trabalhadoras sexuais, ou abolida, para maior proteção das trabalhadoras sexuais?
Em que momento começa a vida? Tem como saber? Ou qualquer ponto escolhido será sempre necessariamente arbitrário?
Se a vida começa em algum ponto antes do nascimento, até que ponto o aborto pode ser considerado assassinato, ou talvez um tipo diferente de assassinato?
Se o aborto é assassinato, ou algum tipo de assassinato, ele deve ser proibido em todas as circunstâncias, porque a vida é sagrada, ou deve ser qualificado, pesando a sacralidade da vida com questões de saúde pública e autonomia do corpo feminino?
O discurso de ódio deve ser tolerado e protegido, como parte de nosso compromisso com a liberdade de expressão, ou coibido e proibido, como parte de nosso compromisso com a liberdade de expressão?
Nessa linha, como definir “discurso de ódio”?
“Liberdade de expressão” deve ser definida negativamente — “liberdade de expressão é o Estado não se envolver” — ou positivamente — “o Estado se envolver para amplificar as vozes mais fracas?
(Sobre isso: Elogio à liberdade de expressão)
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Em termos de ação política, não temos como mudarmos o mundo sem escolhermos um lado e lutarmos por ele.
Mas, de certo modo, ao fazermos isso, simplificamos a conversa e deixamos de ver as enormes complexidades de algumas das questões filosóficas mais interessantes do nosso tempo.
Nenhuma dessas questões é simples, banal, preto-no-branco.
Todas as pessoas, de ambos os lados de cada questão, têm argumentos intensos e sinceros, racionais e importantes, que merecem ser ouvidos e respeitados e contraargumentados em seus próprios termos.
Se tenho uma opinião formada sobre cada uma delas, muito bem. É meu direito e, de certo modo, meu dever.
Mas se acho que “é simples”, então provavelmente é porque não pensei, li, me informei sobre o assunto a fundo.
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Pelos últimos anos, não tenho pensado com tanta liberdade intelectual quanto poderia estar pensando, quanto já pensei em outras épocas, porque estava…
… muito preocupado com a luta política, seus resultados concretos e suas consequências práticas;
… muito receoso de talvez chegar a alguma conclusão que ferisse a ortodoxia política do meu lado.
Ou seja, minha ação política empobreceu minha ação intelectual.
Terminando O Livro das Prisões, meu objetivo é começar a reverter esse processo, começando por escrever mais ficção.
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Uma amiga comentou:
“Alex, esse seu texto não tá meio isentão demais?”
E respondi:
“O texto é justamente sobre o momento político atual, onde é possível surgir uma palavra com conotação negativa para descrever pessoas que não correm para se posicionar sobre todas as questões.”
Os encontros "As Prisões"
São instalações artísticas, polifônicas e interativas, improvisadas e colaborativas, onde praticamos escutatória e atenção, generosidade e cuidado, e exploramos os limites e possibilidades da comunicação cotidiana: o que falamos?, como falamos?, por que falamos?
O nome vem de uma série de textos que estou escrevendo desde 2002, tentando mapear todas as Prisões cognitivas que acorrentam nosso pensamento: Verdade, Dinheiro, Trabalho, Privilégio, Monogamia, Religião, Obediência, Sucesso, Conhecimento, Felicidade, Autossuficiência, Patriotismo, e a maior de todas, Eu.
Os encontros, realizados por todo o Brasil desde 2013, reúnem de dez a trinta pessoas, duram de um a cinco dias e são sempre diferentes, imprevisíveis, únicos.
Neles, enquanto discutíamos "As Prisões", os Exercícios de Atenção foram criados, gestados, aperfeiçoados, em um processo colaborativo com as pessoas participantes. Hoje, os encontros servem para praticarmos esses exercícios e para inventarmos juntas os próximos, em um processo que só poderia acontecer presencialmente, olho no olho e lágrima no suor.
Ninguém é obrigada a falar: toda fala é voluntária.
Ninguém é obrigada a pagar: todo pagamento é voluntário.
Para saber quando serão os próximos, visite minha página de eventos.
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