Durante muito tempo, o rock progressivo passou por um período de desvalorização junto a mídia e em diferentes nichos musicais. Ainda que resistisse bravamente, o estilo passaria anos estigmatizado como música de “velho” e “maluco”, ou carinhosamente reconhecido pela imprensa como “a fase mais nauseabunda do rock” (André Barcinski), que se estenderia até os primeiros anos do século XXI.



As críticas, contudo, mesmo muitas vezes exageradas e agressivas, não foram de todo incoerentes.

Sim, o estilo ofereceu algumas bandas tecnicamente impecáveis, mas com pouco feeling, lançando trabalhos pretensiosos e vazios; e, sim, muitos músicos e (principalmente) fãs adotaram uma postura pedante e elitista, colocando o gênero como uma espécie de “rock superior”, o que atraiu (e atrai) antipatias desnecessárias para o gênero.

Mas, apesar de alguns equívocos, o estilo ofereceu também trabalhos de qualidade e discos importantes para o desenvolvimento e evolução do rock a partir dos anos 1960.

Demorou, mas o filé mignon do gênero está novamente recebendo uma avaliação mais generosa e não tão agressiva da mídia musical norte-americana, europeia e, em menor medida, brasileira (não contando a inserção do seu grupo mais bem-sucedido, Pink Floyd, na cultura pop).        

O que caracterizaria o rock progressivo?

Cheguei a escrever, em 2007, um breve artigo sobre a evolução do estilo e especulando sobre algumas das características que poderiam ajudar a identificar esse gênero musical.

O consenso é difícil, mas alguns acabaram sendo absorvidos pelos fãs e crítica: filhote da psicodelia da segunda metade dos anos 1960, o mesmo consiste em bandas com influência da música clássica/erudita, jazz e do “avant-garde”, usando alguns conceitos desses estilos em sua música, além de outras características como, por exemplo, longas faixas e quebras de tempo.

Ressalta-se também que o estilo teve várias facetas: o que foi apresentado na Inglaterra diferiu do que foi produzido na Alemanha e Japão, sendo que muitos fãs e críticos, durante os anos 1970 e 1980, pra complicar mais as coisas, colocavam todas essas propostas num mesmo saco.



Resolvi, aproveitando que o estilo está sendo lentamente redescoberto, e pensando nos leigos e fãs iniciantes que querem conhecer algo além dos medalhões (mas aviso, vários estarão listados), fazer uma lista de 52 músicas na qual apresento uma jornada sobre a evolução e principais derivações do gênero.

N.A.: O critério escolhido para a divisão dos tópicos baseou-se em classificações realizadas pela crítica musical e em espaços localizados na web, subdivisões essas visíveis, por exemplo, no link da Wikipédia sobre o estilo.  A playlist completa pode ser visualizada aqui.    

Origens

Entre 1966-69, o rock, em sua versão psicodélica, começava a expandir seu horizonte musical. Nesse período, bandas como Beach Boys, Beatles, Nice, Procol Harum, Pink Floyd, Grateful Dead, entre outros, arriscaram uma inter-relação do rock com outros estilos, usando de efeitos e truques que os estúdios da época ofereciam (ecos das vertentes vanguardistas francesa e alemã em voga nos anos 1960).

Moody Blues – Nights in the White Satin (1967)

Um dos exemplos da psicodelia que, em breve, despontaria para o rock progressivo.

The Who – Pinball Wizard (1969)

Ponto alto de “Tommy”, um dos precursores dos álbuns conceituais, mostrando um The Who mais ousado, amadurecido, e sem perder o feeling característico.    

Consolidação

King Crimson – 21st Century Schizoid Man (1969)

Para muitos o “marco zero” do rock progressivo, vindo de um inquieto quinteto londrino com poucos meses de existência.

Soft Machine – Out-Bloody-Rageous (1970)

Oriundos da (nos anos 1960) efervescente cidade de Canterbury, o grupo foi um dos precursores do rock progressivo de vanguarda, transitando entre o rock, free jazz e fusion.

Progressivo regional

Jethro Tull –  Locomotive Breath (1971)

Do quarto disco, Aqualung, que fez do Jethro o primeiro grupo progressivo a entrar no hall dos medalhões, a canção mescla, com eficiência, uma sonoridade folk com elementos do Hard Rock.

Sinfônico

O carro-chefe do rock progressivo. Aqui o estilo obteve maior notoriedade, sucesso comercial, e os piores ataques dos punks e imprensa musical.  

O subgênero, nos últimos anos, recebeu avaliações mais amistosas, nas quais não são ignorados alguns erros, mas os acertos são valorizados.

Focus – Hocus Pocus (1971)

Sinfônico pode ser relacionado a orquestração e elementos eruditos? Pode. Mas nossos amigos holandeses mostram que o subgênero também pode ter pegada e peso.   

Yes – Heart Of the Sunrise (1972)

A melhor formação da banda (Rick Wakeman, Chris Squire, Jon Anderson, Steve Howe e Bill Brufford), na minha opinião, mostrando sua qualidade sonora.

Gentle Giant –The Advent of Panurge (1972)

Pretensiosos, muitas vezes arrogantes, mas que compensavam misturando, de forma agressiva, diferentes estilos e propostas musicais.

Genesis –Firth of fifth (1973)

Um dos momentos de melhor coesão da formação clássica do Genesis (Peter Gabriel, Mike Rutherford, Tony Banks, Steve Hackett e Phill Collins).

Emerson Lake & Palmer – Karn Evil 9 – 1st impression – Parte 2 (1973)

Canção produzida no ápice criativo do grupo, evidenciando seu entrosamento (e ambições).

Renaissance – Carpet of the Sun (1973)

Canção na qual se destaca o bom gosto dos arranjos e o vocal de Annie Haslam.

Camel – Freefall (1974)

Representativa canção de um dos grupos ícones do subgênero.

Änglagård – Jordrök  (1992)

Quando o progressivo sinfônico entrou em crise no fim dos setenta, foi parcialmente recuperado no que foi chamado de “novo sinfônico”, percebido em bandas suecas nos anos 1990.

Oriundo dessa cena, o Änglagard é um dos poucos grupos de rock sinfônico pós anos 1970 que merece ser ouvido.

Progressivo espacial

Hawkwind – Silver Machine (1972)

Faixa que melhor captou a proposta musical da banda, que misturava passagens lisérgicas e experimentais com pesadas pegadas no hard rock. Destaque para o potente baixo de Lemmy Kilmister.

Gong – Master Builder (1974)

A fase espacial da banda, centralizada na trilogia Radio Gnome (1973-74), tem nessa canção doses bem administradas de fusion e experimentalismo.

Pink Floyd – Shine on You Crazy Diamond (1975)

A bela e melancólica homenagem da banda a seu fundador, Syd Barrett, está entre os melhores trabalhos que o Floyd produziu.

Eloy – Poseidon’s Creation (1977)

O grupo alemão transitou entre diferentes vertentes, do hard-rock ao progressivo sinfônico. A faixa acima é uma das melhores da fase espacial do grupo, centralizada no disco Ocean.    

Neoprogressivo

Os anos 1980 foram, no geral, barra pesada para o rock progressivo. Mas uma molecada corajosa resolveu unir elementos progressivos com o pop, synth rock e o new wave da época. Os resultados, no geral, foram medianos, mas houveram exceções.

Marillion – Incommunicado (1987)

Único grupo neoprog a (merecidamente) ter obtido sucesso comercial na década de 1980, o Marillion teve alguns hits, como “Kayleigh”, “Lavender” e a faixa acima .

IQ – The Narrow Margin (1997)

IQ foi outra banda neoprog a oferecer bons trabalhos nos anos 1980 e 1990. Narrow Margin é o ponto alto do melhor disco do grupo, Subterranea.

Novas propostas para antigas ideias

After Crying – Megalázottak és Megszomorítottak (1992)

Grupo que uniu elementos do progressivo sinfônico com a musicalidade regional húngara (em especial Béla Bartók), proposta essa bem recebida pela cena progressiva nos anos 1990.

Spocks Beard – At the End of the Day (2000)

O Spocks Beard apresentou boas opções de renovação tanto para o neoprogessivo quanto para o sinfônico, além de revelar o vocalista Neal Morse, atualmente ligado a música gospel.

Transatlantic – Duel With the Devil (2002)

Grandioso projeto unindo Mike Portnoy (Dream Theater), Neal Morse (Spocks Beard), Pete Trewavas (Marillion) e Ronnie Stolt (Flower Kings), onde não falta virtuosismo em suas canções.

Porcupine Tree – Anesthetize (2007)

Os anos 1990 revelaram o talentoso Steven Wilson, que, com o Porcupine, serviu de ponte entre o progressivo clássico e estilos musicais mais modernos, ajudando a renovar o gênero.

Krautrock ou rock chucrute

Alemanha: um país dividido, tendo uma relação ambígua com a ocupação e cultura estadunidense, somados a um clima político instável (que eclodiria em grupos terroristas como Baader-Meinhof),  e experimentos da música concreta francesa e dos compositores nativos Stockhausen e Koenig com considerável repercussão.

Foi nesse ambiente que a cena psicodélica da antiga Alemanha ocidental estava inserida, que desembocaria numa proposta progressiva diferenciada e experimental, chamada pela crítica musical da época de Rock Chucrute (Krautrock).

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Can – Spoon (1972)

Grupo com dois ex-alunos de Stockhausen (Holger Czukay e Irmin Schmidt), além do vocal caótico de Damo Suzuki, apresenta diversificadas influências musicais, do funk a pitadas da música vanguardista alemã.  

NEU! – After Eight (1975)

Do duo Klaus Dinger e Michael Rother, evidencia o lado agressivo, quase punk do grupo, explicando sua posterior influência nas cenas pós-punk e alternativa (vistas, por exemplo, no Joy Division e Sonic Youth).

Eletrônico

Tangerine Dream – Phaedra (1974)

Climática, Phaedra foi um dos trabalhos da banda mais influentes e reconhecidos no meio eletrônico (seguido por outros bons álbuns durante os anos 1970).

Kraftwerk – Autobahn (1974)

Música de transição, onde o Kraftwerk se afastava do som experimental/ Krautrock e sinalizava a sonoridade eletrônica que consagraria a banda nos anos 1980.

Jean Michel Jarre – Equinoxe parte 5 (1979)

Faixa que apresenta a proposta musical oferecida pelo tecladista francês.  

Ambiente

Steve Roach – Reflections In Suspension (1984)

Brian Eno, principal precursor do subgênero, seria a escolha óbvia, mas indico um de seus mais talentosos pupilos, com um trabalho referência tanto para a música ambiente quanto para meditação.

Itália

Ao desbravar a cena italiana, ouvi duas opiniões divergentes: de um lado, que o progressivo sinfônico da Itália rivalizou, e por vezes até superou, o produzido na Inglaterra; e de outro, que a cena foi irregular, com muitas bandas medianas ou de folego curto.  

Pra evitar entrar na polêmica, indico dois bons exemplos sobre esse cenário.

Premiata Forneria Marconi – Impressioni Di Settembre (1972)

Canção que mostra o porquê do PFM ser considerado o principal ícone italiano do progressivo.

Banco del Mutuo Soccorso –  La Conquista Della Posizione Eretta  (1972)

Do segundo disco da banda, o conceitual “Darwin!”, a canção prima pelo bom gosto dos arranjos e o vocal de Francesco Di Giacomo.

Rock progressivo de vanguarda

Em março de 1978, em Londres, e em abril e setembro de 1979, respectivamente na Itália e Suécia, eram realizados os festivais “Rock In Opposition”, que apresentavam um conjunto de bandas que seguiram por uma proposta artística, comercial, sonora e política contrária a que alguns grupos “medalhões” progressivos seguiam.

Dessa cena saíram músicos (por exemplo, Fred Frith e Chris Cutler) que participaram de diferentes propostas vanguardistas europeias e norte-americanas, chegando a manter relações com músicos punks, em cenários ligados a No-Wave.   

Henry Cow –  Industry (1979)

Do último trabalho em estúdio do grupo ícone do Rock In Opposition, de difícil digestão, mas que merece ser ouvida.   

Univers Zero – La Faulx (1979)

O grupo belga ofereceu ideias interessantes, como, por exemplo, unir elementos do avant-garde com a música neoclássica, em especial Stravinski. A canção acima apresenta muito da proposta oferecida pela banda.

Naked City – Batman / The Sicilian Clan (1990)

Com misturas que vão do jazz ao grindcore, o projeto foi liderado pelo saxofonista John Zorn, importante nome da vanguarda estadunidense nos anos 1990 e 2000.

Magma – Mëkanïk Kömmandöh (1973)

O baterista francês Christian Vander, no fim dos anos 1960, começou a desenvolver uma interessante proposta musical que unia psicodelia, música neoclássica (em particular Carl Orff) e elementos jazzísticos, contando a história do planeta Kobaia, cantada na língua, construída por Vander, “Kobaïan”.

A proposta atingiria sua maturidade e coesão em seu terceiro disco de estúdio, Mëkanïk Dëstruktïẁ Kömmandöh,  considerado uma das principais obras do subgênero.         

Ruins – Guamallapish (2000)

Entre os seguidores de Vander, cita-se o prolífico baterista japonês Tatsuya Yoshida, que com o Ruins e outros projetos paralelos, uniu o Zeuhl ao avant-garde, math-rock e noise-rock, revitalizando o estilo.  

Acid Mothers Temple – Pink Lady Lemonade (2008)

Liderado pelo guitarrista Kawabata Makoto, o Acid Mothers Temple é um projeto que busca unir diferentes músicos vanguardistas japoneses e, ocasionalmente, trabalhando em conjunto com artistas progressivos europeus e norte-americanos. A faixa acima é um dos trabalhos mais acessíveis da banda.   

Rock progressivo e o Hard Rock

O rock progressivo paquerou com o hard rock desde os primórdios de 1970. Mas, na maioria das vezes, os resultados finais ficavam apenas nos flertes, ou em trabalhos não tão inspirados. Porém, hoveram exceções. 

Uriah Heep – Easy Livin’ (1972)

A melhor formação do Uriah Heep em um de seus melhores momentos em estúdio.  

Queen – Bohemian Rhapsody (1975)

Uma das músicas que melhor mostrou as ambições artísticas do grupo, e onde suas várias influências (T-rex, Led Zeppelin, Cream, Slade, Yes) conseguem ser ouvidas.    

Rush – Red Barchetta (1981)

O trio canadense apresentando considerável interação e boa forma.   

Rock progressivo e o heavy metal

Foi no metal progressivo (ou prog metal), a partir dos anos 1990, que mais pessoas se tornariam adeptas ao progressivo. Porém, o subgênero também sofre críticas de ser uma diluição do que foi o “verdadeiro” rock progressivo.

Atualmente, a inserção do prog metal na seara progressiva está consolidada, sendo que alguns grupos clássicos (Yes, King Crimson) já excursionaram com bandas do subgênero.   

Queensryche – Eyes of a Stranger (1988)

Faixa que encerra a saga do drogado e assassino Nikk no disco conceitual Operation Mindcrime, mostrando que o heavy metal e o rock progressivo poderiam ter uma parceria, trocando informações e influências.    

Dream Theater – Pull me Under (1992)

Da profícua, porém irregular, carreira do grupo, a ótima canção é um porto seguro para conhecer a banda.

Cynic – Textures (1993)

Atheist foi o precursor, mas o Cynic foi quem consolidou a junção entre o death metal e o progressivo, num trabalho pesado, virtuoso e técnico.

Symphony X – Evolution (The Grand Design) (2000)

Com um tema relacionado a civilização Atlântida, e incursões na música clássica em partes da obra, a canção evidencia o potencial artístico da banda.    

Opeth – Blackwater park (2001)

Representativa canção do grupo que melhor realizou a junção entre o death metal e o progressivo, graças, em parte, ao talento do seu líder Mikael Åkerfeldt.  

Derivações ou influências

Muito da reavaliação do progressivo nos anos 1990 deve-se as cenas do rock alternativo e indie, que, não escondendo influências no krautrock, space rock e ambiente, incluiu elementos progressivos em sua sonoridade.   

Primus – Jerry Was a Race Car Driver (1991)

Diretamente influenciados pelo King Crimson dos anos 1980, o grupo foi um dos primeiros a arriscar uma junção entre o alternativo e o progressivo.

Radiohead – Paranoid Android (1997)

Um dos melhores momentos do Radiohead, mostrando qual sonoridade teria sido obtida se Pink Floyd e Queen tivessem unido forças com o Nirvana e Pixies. 

Godspeed You! Black Emperor –  Sleep (2000)

Ótimo ponto de partida para conhecer o post rock, sendo um bom resumo de suas várias virtudes (e alguns vícios).

The Mars Volta – Cygnus…Vismund Cygnus (2005)

Há um certo consenso em classificar o som do Mars Volta como progressivo, apesar de, ironicamente, suas diferentes misturas sonoras dificultarem uma classificação mais precisa pro grupo.  “Cygnus” evidencia essa (bem vinda) confusão musical.

Muse – Resistance (2009)

Outra banda que a crítica sofre para classificar (já foi rotulada tanto de “New Alternative” quanto de “New prog”), o que não impediu que tivesse sucesso comercial e oferecesse bons trabalhos, como, por exemplo, a canção acima.

Menções honrosas

Mike Oldfield – Tubular Bells (1973)

O multiplatinado Tubular, primeiro disco do produtivo multi-instrumentista inglês, até hoje surpreende pela sofisticação sonora e a ousada mistura entre o rock e a música minimalista.   

Van Der Graaf Generator – La Rossa (1976)

Um dos pouquíssimos grupos de progressivo poupados, e até elogiados, pelo movimento punk nos anos 1970, o VDGG destoa um pouco dos medalhões, seja pelo instrumental enxuto, seja pelas letras do vocalista Peter Hammill.   

Brasil e América Latina acabaram ausentes nessa lista, e ficarão para uma próxima oportunidade. Senta aqui do lado, fica a vontade para elogios, críticas ou sugestões sobre a lista nos comentários.

Roberto Lopes

Arquivista, professor universitário e pseudo escritor de música nas horas vagas.