Você possui um carro ou um meio de transporte?

"Por que modificar um automóvel? Um engenheiro responsável pelo projeto de um veículo possui anos de experiência. Não seremos nós, simples usuários, aptos a melhorar esses projetos."

Essa é uma "verdade absoluta" que todos aqueles que modificam seus carros já ouviram vez ou outra. Ouvimos de pessoas mais conservadoras, de pessoas sem curiosidade em conhecer universos alheios e, principalmente, de pessoas que consideram um automóvel um meio de ser transportado do ponto A ao B.

Você tem prazer de dirigir ou qualquer meio de transporte tá valendo?

Não é assim para todos. Nesse canal o leitor descobriu que muitos de nós buscamos prazer em todos os pequenos momentos do cotidiano. Dirigir definitivamente é um deles. Gostamos de velocidade, de acelerar na pista, na terra, de fazer curvas de lado... Estudamos o comportamento de nosso carro e, como todo homem que se preza, somos obcecados por mostrar à maquina quem é que manda. Queremos sempre evoluir e nos tornarmos melhores em absolutamente tudo o que fazemos. Queremos ser melhores motoristas, melhores pilotos e melhores homens. Sempre.

O automóvel que adquirimos na concessionária não é um superesportivo que desfila no Itaipava GT, é um produto, assim como seu café solúvel predileto. O seu carro tem por objetivo gerar lucro vendendo o máximo possível, pelo maior preço que o consumidor estará disposto a pagar, com o menor custo de produção que se possa atingir. Um veículo de sucesso obtém a melhor relação resultado de acordo com essa equação.

O tal engenheiro com anos de experiência será pressionado para desenvolver soluções que priorizem resultados que atendam essa busca pelo retorno sobre o investimento (vale citar o único caso que conheço em que solicitaram aos melhores engenheiros criarem o melhor que conseguissem sem nenhuma restrição técnica, comercial ou orçamentária: McF1).

Compartimento do motor da McLaren F1: Esse não precisa de tuning. | Fonte: Wikipedia.

Seu carro não será comercializado com discos de freio de 330mm, amortecedores curtos com molas duras, turbo-compressores com alta pressão ou pneus de altíssima aderência. O custo do produto se tornaria demasiadamente elevado e, por mais que você possa vir a falecer em um acidente cujos seus discos de 240mm não evitaram, o consumidor comum nem sempre quer pagar por um produto mais sofisticado.

Ser um condutor melhor, em quaisquer circunstâncias, significa não somente investir em sua habilidade e perícia pessoal, mas também em adequar seu carro à sua aprimorada intimidade com o volante. Significa entender que seu carro é um produto criado para atender necessidades genéricas de um consumidor variado. Significa entender que muitas das melhorias que a fábrica impediu seus engenheiros de implementarem podem, sim, ser agregadas ao seu automóvel por você mesmo em uma oficina especializada.

Tunagem não é firula cosmética

A arte de aprimorar um automóvel supostamente surgiu em meados anos 30, nos EUA, conhecida como cultura hot rod.

"A cultura conhecida como hot rod (biela quente, em português) consistia em um movimento cultural que levava multidões para pistas de corrida construídas clandestinamente em áreas rurais. Eram quilômetros de retas em que as baratas com motores V8 totalmente envenenados percorriam lado a lado cada centímetro da pista até que um vencedor despontasse. Esse movimento cultural foi pai de uma geração inteira de americanos com suas músicas, vestuários e comportamentos específicos. Era uma tribo que perduraria muitos anos enquanto as autoridades não tomavam providências duras." (trecho do texto "Adrenalina movida a óxido nitroso")
car tuning

Dos EUA para o mundo, alteração das características originais de um automóvel se tornou um mercado bilionário. O afinamento do motor e das características dinâmicas de seu carro é conhecido na Europa como . O tuning, que muitos de nós já ouvimos falar em um contexto deturpado, consiste basicamente em modificar um automóvel buscando ganhos em performance e segurança.

Superproduções do cinema expuseram ao mundo um conceito errôneo em que modificações estéticas, algumas vezes bizarras, são classificadas como tuning. Não existe absolutamente nada de afinamento ou ganho de performance em pintar chamas e labaredas na lateral de seu carro.

Tuning é uma prática tão consolidada que até mesmo os fabricantes mantêm divisões próprias para desenvolver peças de alta performance para seus modelos comuns: Mercedes/AMG, BMW/Motorsports, Volkswagen/Racing, Ford/Racing, Fiat/Abarth... Desses centros de excelência em engenharia automotiva que surgem a maioria das versões descompromissadas de esportivos baseados em carros comuns. Não sempre são produtos lucrativos, porém garantem ganhos em exposição e valorização da marca.

Versões OEM x Versões preparadas pela fábrica.

Atualmente, o mercado de peças de alta performance evoluiu de tal maneira que qualquer elemento mecânico de seu automóvel pode ser otimizado. É possível retrabalhar freios, suspensão, distribuição de peso, sistemas de tração, alimentação, pneus etc. Alguns automóveis são tão extensamente alterados por seus proprietários que tornou-se relativamente comum descobrirmos compactos populares com desempenho de esportivos muito mais caros.

É importante ressaltar que os primórdios do tuning surgiram de preocupações com segurança após constadas falhas nos projetos originais. Infelizmente, é bastante fácil encontrarmos carros com potências duplicadas e sem nenhuma atenção ao sistema de freios e suspensão. Uma vez que se altera a potência de um veículo, todo seu conjunto mecânico precisa ser adequado para administrar o novo desempenho.

Existem kits de potência no comércio em que compramos uma meia dúzia de peças, soltamos alguns parafusos, substituímos componentes mecânicos pelos novos e voilá! Dezenas de cavalos a mais.

O bom piloto sabe que a arte da condução não está em acelerar até a maior velocidade possível, mas sim em controlar seu carro com precisão em curvas, frenagens e acelerações. Para tanto, uma vez que alterações no motor são realizadas, é imprescindível aumentar a carga de pressão e reduzir o curso de molas e amortecedores, substituir discos de freios por versões maiores com pinças e pastilhas mais robustas. A complexidade envolvida em um projeto de melhoria automotiva é tamanha que um leigo não deveria tentar efetuar modificações sem um especialista.

Suspensão em um Mustang.

No Brasil há legislação vigente que regula alterações das características originais de um veículo. Caso se decida aumentar a potência de um motor em relação à original, é mandatório solicitar autorização do DETRAN e órgãos reguladores competentes. Após autorizadas as modificações, o automóvel precisa ser modificado em uma oficina credenciada e especializada capaz de emitir nota fiscal e garantia do serviço prestado.

O próximo passo é conduzir o veículo até um órgão do INMETRO que testará a capacidade de frenagem, dirigibilidade e emissões de poluentes após as alterações. Caso tudo tenha sido realizado corretamente, o documento do automóvel será atualizado com a nova potência medida e com a lista de modificações efetuadas. Tudo dentro da lei para garantir a segurança do proprietário e dos outros condutores que com ele dividem a via.

Vale a pena modificar seu automóvel?

Se você busca prazer em dirigir e deseja adequar seu carro ao seu modo único e peculiar de se relacionar com ele, certamente vale. Mas qualquer carro pode ser modificado a ponto de se tornar um automóvel para pilotos de verdade?

O Top Gear responde:

Link YouTube | Os caras fizeram milagre com esse Lada Riva.


publicado em 15 de Dezembro de 2010, 20:00
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Rodrigo Almeida

Engenheiro, apaixonado pela vida e por qualquer coisa com um motor potente, nostálgico entusiasta de muitas daquelas boas coisas que já não mais se fazem como antigamente.


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