Um tiro no pé do jornalismo

Na noite do dia 7 de agosto, o plenário do Senado aprovou em segundo turno, com 60 votos a favor e 4 contra, a PEC 33/2009, que estabelece a obrigatoriedade do diploma de curso superior em Jornalismo como requisito para o exercício da profissão de jornalista.

Vejo os colegas jornalistas comemorando a vitória da classe. Aplaudem opiniões favoráveis à exigência da formação formal – opiniões como a de Cícero Lucena, senador paraibano que tuitou, orgulhoso do seu voto: "Democracia se faz com jornalismo ético, profissional e técnico".

Sentir tal satisfação é tão imbecil quanto aplaudir o pôr do sol. É um tiro no pé.

Votação da PEC que reestabelece a exigência do Curso de Jornalismo

Não digo que o ensino formal seja inválido, que o que aprendi nos quatro anos de graduação e nos dois de pós-graduação seja inútil. De forma nenhuma. Mas se, por um lado, admito que a faculdade dá ferramentas teóricas, por outro afirmo que a prática diária do jornalismo não se respalda em teorias.

Ou você vai citar a Escola de Frankfurt quando estiver cobrindo uma guerra ou uma eleição?

Ou você vai pensar na Teoria hipodérmica quando sentir que  entrevistado está mentindo?

Francamente, teorias da comunicação não servem de muito na hora do fechamento da edição do jornal. Redação e estilo nada adiantam nas distintas linhas editorias dos diversos veículos.

(A saber: os grandes teóricos do jornalismo não eram jornalistas, e sim cientistas políticos e sociais. Ou seja, grande parte da teoria que se aprende na universidade é emprestada de outros campos de estudo... Por que na prática seria diferente?)

Lúcia Guimarães, colunista d’O Estado de S.Paulo, escreveu um artigo contrário à decisão do Senado. E seus argumentos são tão claros que eu mal conseguiria formular algo melhor.

Não compreendo por que um graduado em economia que escreve bem seria impedido de cobrir o Banco Central e substituído por um foca que pode ser facilmente enrolado, já que não decifra a informação financeira. Não fui capaz de questionar porta-vozes do governo quando tive que substituir colegas na cobertura da negociação da dívida externa em Nova York. Não entendia bulhufas dos comunicados.

Assim, para garantir o direito à informação de qualidade e precisa, a sociedade deveria abominar esta decisão do Senado. E os jornalistas deveriam ser os primeiros a mostrar indignação.

Se é assim, por que os jornalistas comemoram?

A resposta é simples: corporativismo. O mesmo corporativismo que Felipe Pena, professor da UFF e jornalista, descreveu em um artigo de 2009:

Pela lógica da obrigatoriedade, passaremos a exigir o diploma de Letras para qualquer um que escreva romances ou se arrisque nas estrofes de um poema. Da mesma forma, só poderá exercer o pensamento crítico sobre a sociedade quem passar pelos bancos empoeirados das escolas de Ciências Sociais. Aliás, este epíteto – ciência – é parte do problema. Um problema que começa justamente na universidade.

Onde vão parar as teorias acadêmicas nessas horas?

Com o diploma obrigatório, instaura-se uma reserva de mercado. O jornalista formado tem a garantia de que sua vaga não será tomada por um, digamos, advogado ou cientista social. Não caberá à empresa de comunicação escolher se a vaga para cobrir economia vai para um economista ou um jornalista. Isso é ruim, pois muitas vezes as melhores opções – ou seja, as pessoas mais competentes para escrever sobre determinado assunto – são sumariamente descartadas. É ruim para o veículo e pior ainda para a sociedade.

O cenário atual deixa às empresas a opção de buscar profissionais graduados ou não. Ou seja, o próprio mercado se regula. Se isso acabar, se a pessoa tem diploma e não está no mercado por, digamos, incompetência, que merda se tornará o jornalismo que você consome se ela entrar numa redação só porque é formada?

Quando faço esse tipo de questionamento, os colegas respondem: “gente sem formação tem tirado o lugar de gente formada”. Isso não existe: ou você é bom profissional para conquistar seu espaço ou não é.

Além disso, há um cenário perverso. Esse tipo de regulamentação (que eu acho que deve haver, mas não neste campo, não como peneira para decidir quem deve atuar por consequência de um diploma) é o caminho para alguns males. Por exemplo, amanhã o Senado resolve estabelecer que blogs são veículos jornalísticos. (Inclusive, em 2008, já existia essa discussão sobre blogueiros e jornalistas aqui no Brasil e lá fora.) Neste cenário, só jornalista diplomado poderá ter blog. Ok, soa catastrófico, mas pensar em cenários possíveis e consequências é papel do jornalista – e isso não se aprende na escola.

A verdade é uma só, e foi brilhantemente traduzida por Lúcia Guimarães: “O jornalismo é um bem social importante demais para ficar nas mãos de jornalistas diplomados.”


publicado em 15 de Agosto de 2012, 08:30
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Rodolfo Viana

É jornalista. Torce para o Marília Atlético Clube. Gosta quando tira a carta “Conquiste 24 territórios à sua escolha, com pelo menos dois exércitos em cada”. Curte tocar Kenny G fazendo sons com a boca. Já fez brotar um pé de feijão de um pote com algodão. Tem 1,75 de miopia. Bebe para passar o tempo. [Twitter | Facebook]


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