Um ano sem sexo

Não sou feia. Nem muito burra. Menos ainda desdentada. Mas, sim, estou há um ano sem sexo. Início convidativo, não? Mais ainda porque pretendo dar uma resposta improvável.

Contradizendo suas expectativas, amável leitor, não venho aqui reclamar aos quatro ventos que o mercado masculino está ruim. Não, a oferta vai bem e a mesma de sempre, obrigada. Então você pergunta: “Por que diabos você está há tanto tempo sem dar?”.

Resposta muito simples: para refletir. E acho que um ano foi suficiente para refletir um bocadão.

Sou uma mulher como qualquer outra, que viveu várias fases. Adolescência conturbadamente normal, descoberta da sexualidade, os primeiros namoricos, o jovem amor conto-de-fadas para perder a virgindade, a revolução sexual individual e busca pelo prazer, a prática do pompoarismo, o amor desregrado, o sexo casual.

E, por fim, veio a fase da abstinência cheia de reflexão. Não escalei nenhuma montanha, não fiquei caminhando perdida num deserto, não me tranquei num mosteiro. Continuei numa grande metrópole, mantendo os mesmos hábitos, mas em estado de “meditação full time”. E venho, humildemente, compartilhar algumas inquietações.

Já espiou uma mulher durante seu período celibatário?

Perdemos muito tempo com sexo e relacionamentos amorosos

No início, sentia muita falta de sexo. Parei para analisar de onde vinha essa vontade. Eram inquietações hormonais? Influência da sociedade liberal e libertina? Estímulo do grupo de amigos? O que era realmente meu e o que vinha de fora?

Dizem que homens são máquinas de sexo. Mas eu já conheci caras que não gostam de puteiros. Há “homens-mocinhas”, há românticos. Já conheci outro virgem, aos 28 anos. E conheço mulheres muito fogosas, outras muito frígidas. A questão de gênero, pois, não é mais pertinente para minhas indagações e devaneios.

Eis que eu já conhecia muito bem o meu corpo, zonas erógenas, meu ciclo menstrual e hormonal. Já sabia exatamente de que tipo de homem gostava e o que neles me atraía. Já conhecia os conflitos de uma relação a dois, os problemas de antes, durante e depois. Estava cansada da repetição de ideias, sentimentos e conceitos. Estava muito cansada das minhas amigas e amigos com o mesmo blá-blá-blá sobre relacionamentos, as fórmulas infalíveis e os conselhos fúteis. Cheguei a me cansar do Dr. Love. Só não abandonei o PdH porque, no fim das contas, é muito divertido.

Estudei mais sobre psicologia e fui agregando ideias, tentando raciocinar sobre os relacionamentos de maneira diferente. O sexo foi deixando de ter tanta influência sobre a minha vida. Passei a vê-lo como um ato meramente mecânico: apenas indivíduos em busca de prazer.

Passei a ter dias muito mais produtivos intelectualmente. Artes, filosofia, psicologia, política, estudei muita coisa de maneira disciplinada e prazerosa. Todo o tempo e a energia que eu perdia conversando sobre relacionamentos (e buscando sexo) foram muito bem empregados durante esta fase. Explorei a liberdade e o auto-conhecimento. Durante todo este tempo refleti: afinal, qual é o real propósito do sexo?

"Só eles me levavam pra cama."

O sexo como intensificador de experiências

Como uma criatura que se viu numa fase ninfomaníaca poderia, noutra fase da vida, passar por um período de 12 meses, 365 dias de abstinência? A minha conclusão individual é que a necessidade, a importância e a finalidade do sexo é totalmente manipulada e controlada por nosso poder mental. Já dizem que o orgasmo está no cérebro, pois tudo mais está lá também.

O meu afastamento da prática sexual me permitiu observar e analisar os relacionamentos sexuais de uma maneira, digamos, um pouco mais imparcial. Acredito que o sexo contribui para a nossa saúde, para o equilíbrio e harmonia de nosso organismo. Mas, por outro lado, o sexo pode ser altamente prejudicial. Observando amigas e amigos, vi que o vínculo sexual acentua todas as características de um relacionamento. O que é bom e bacana pode ficar muitíssimo melhor. Um relacionamento conturbado pode piorar de vez e ter um super final trágico.

O sexo pode causar enorme perturbação mental – aviso, não só para mulheres! Insegurança, ciúmes, desavenças ilógicas, sentimentos de aversão e nojo, falta de concentração, promiscuidade e culpa, desespero, depressão. Parece que estou escrevendo abobrinha? Lembre-se então dos inúmeros casos de crimes passionais divulgados pela imprensa. O que tem de gente que assassina o companheiro e depois se mata não está no gibi.

Essa intensificação causada pelo sexo pode nos ofuscar e cegar para vários pontos importantes nas relações. Cortar o sexo foi um jeito de abrir essa visão.

Obrigação social

O sexo, teoricamente, era para ser algo íntimo, para ficar entre quatro paredes. Só que desde os tempos de Freud destamparam de vez a caixa de Pandora e o danado saiu de lá e tomou o mundo! Ainda que a revista feminina fale em sexo lacrado, não tem nada lacrado, não.

Hoje é sexo por telefone, filme pornô em qualquer lugar, casa de swing, sexo online. Hoje tem adolescente mostrando tudo que pode – e mais um pouco – no Twitcam. Hoje é requisito entender tudo de sexo, conhecer as 1001 maneiras de agarrar seu homem, saber como fazer sua mulher ter mil orgasmos clitorianos antes da penetração, encenar e filmar o ato sexual... Sexo não é mais privado. Passou da arte. Virou utilidade pública, patrimônio da humanidade. Dever cívico. Intimação do exército. Obrigação.

Acho sexo muito bom, muito gostoso mesmo, curto pra caramba. Não sou careta, sou da Geração Y, sem preconceitos, e vim ao mundo para fazer bonito e me jogar no ar feito purpurina! Mas, confesso, estou começando a ficar assustada.

Voltando à pergunta-chave: qual é o real propósito do sexo? No que o sexo é capaz de nos transformar? Teremos um limite? Colocaremos nisso tudo e em nós mesmos um limite? Eu me lembro de Marquês de Sade, o verdadeiro pregador da libertinagem.  Sade me parece tão atual! Mas eu realmente temo tudo isso. Eu temo que nossa sociedade eduque e multiplique Juliettes (nem queira saber o que essa protagonista de Sade apronta).

Ilustração do livro "Juliette" (1797), de Marquês de Sade.

Como tudo aconteceu e minha situação atual

Após o término de um relacionamento, viajei para o exterior, cogitando a possibilidade de curtir como nunca e pegar todos que desejasse. Mas a vida resolveu me dar a maior lição de todos os tempos. Passei pela mais difícil fase da minha vida, emocionalmente fragilizada. Crise existencial, conceitual, religiosa, profissional, tudo junto. E com-ple-ta-men-te sozinha. A solidão (uma escolha minha) e uma pitada de vazio existencial foram o estopim para o ano sem sexo.

A abstinência não foi planejada, simplesmente foi acontecendo.

Havia um tipo específico de cara que me dava muito tesão. De repente, conheci mais de dez com a aparência ideal, o tipo perfeito que me atraía. E o desinteresse não fazia o menor sentido, mas aconteceu. Não bastava ser lindo. Tinha de ter conteúdo, fazer a diferença na minha vida. Eu simplesmente havia me cansado das conquistas. A dinâmica toda começou a me parecer patética, uma grande perda de tempo.

Eliminei aos poucos de meu comportamento qualquer interesse em conquistas amorosas. Passei a ter ainda mais intuição e estratégias para saber me afastar com elegância dos caras garanhões e malas. Os super gatos, passei a apreciar deliciosamente com olhar de artista diante de uma bela obra de arte. E só.

Não apenas um ano sem sexo, mas um ano sem beijar na boca.

Soa tão estranho, mas isso não me perturba e, contraditoriamente, trouxe-me serenidade. Nesse tempo, refleti sobre definitivamente tudo da minha vida. Solidão feliz: é bom quando você gosta da própria companhia sem ficar deprimido por estar só. Contemplei a minha vida inteira, sentimentos de infância, relação com a família e amigos, objetivos de vida, o que eu estou buscando nessa minha existência.

Tenho um vibrador ultra moderno. De início, quebrava um super galho. Mas, com o tempo, canalizei minha energia em tantas atividades que me davam prazer que fui sublimando a necessidade sexual. Às vezes, bate aquela vontade: uso o vibrador e passa. Vejo isso como uma mera necessidade física saciada de maneira muito prática. Igual comer e dormir. Mas sem trabalho, sem prejuízo emocional para mim ou outrem, sem um centavo gasto ou nenhuma ansiedadezinha por causa de homem.

Estive sempre aberta a novos relacionamentos. Mas precisam valer a pena. O bom mesmo é que não ando contando os minutos e segundos para encontrar um príncipe encantado, nem acho que preciso de um namorado. É bom estar bem. Fico com pena das amigas que não conhecem essa sensação de bem estar e tranquilidade, que a procuram em seus eternos e repetitivos dilemas amorosos. É como passar uma vida andando em círculos...

Eu me conheci mais e aprendi a ter mais domínio sobre meus sentimentos e sensações. É fundamental ter equilíbrio e controle emocional para ter uma vida saudável e feliz. Mesmo sem sexo, posso dizer que hoje vivo muito em paz comigo mesma e com o mundo. Sem TPM alguma, inclusive!


publicado em 04 de Novembro de 2010, 00:32
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Paloma Soares

Paloma Soares é o pseudônimo de uma garota bem comum, que se esforça diariamente para fazer bom uso do próprio cérebro, se conhecer mais e amadurecer.


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