O que poderíamos fazer pelos pobres no Brasil? Uma solução conveniente é criticarmos o individualismo, o egoísmo, o materialismo ou o consumismo. Uma outra solução, muito menos debatida em Universidades de Humanas no país, é diminuirmos o preço dos produtos.

Solução um pouco mais complicada, mas nem por isso menos efetiva.

Já escrevi sobre os problemas da crítica econômica rasteira. Entender flutuação de preço é algo que nem os maiores economistas do mundo conseguiram, com tantas variáveis juntas — que dirá a minha ignorância no assunto. Mas, se a ignorância me impedisse de comentar algum fato, faria um voto de silêncio que irritaria bastante o meu chefe.

Há quem afirme que o problema do Brasil é o preço das pessoas ser muito baixo, e o das coisas, muito alto. Há argumentos a favor: empregada doméstica é luxo de milionário no Primeiro Mundo. Lá, todo mundo lava as próprias cuecas, não tem essa de mandar alguém dos baixos estamentos pintar suas unhas e depilar suas partes.

Aliás, as empregadas lá vão trabalhar de Golf.

É uma boa lembrança. Existe uma coisa básica em Economia chamada custo de oportunidade. Como uma coisa básica em Engenharia é grego para um pós-doutorado em História, é melhor não cutucar uma de Economia com pau pequeno, ainda mais porque ela lida com o órgão que mais dói no corpo humano: o bolso.

A dona Luiza pode: acordar, cozinhar, lavar roupa, buscar os filhos na escola e economizar R$600 com empregada, fazendo seu próprio serviço de casa e trabalhando menos fora por isso — ao custo de umas 10 horas diárias como dona de casa. Ou então, pode trabalhar como professora, advogada ou balconista que seja por 8 horas, ganhar R$620, pagar R$600 para a Valdicreide fazer o serviço doméstico para ela e ainda dar R$10 para cada filho.

Note-se que do mesmo modo que é lucrativo para a a dona Luiza pagar à Lucicreide até um preço X, para essa é vantagem sair de sua casa para trabalhar (com seu atual nível de instrução) a partir de um preço Y. Se Y for menor ou igual a X, isso é vantajoso para ambas.

É claro que há pessoas extremadas, mas é mesmo difícil encontrar alguém rico, ou de classe média alta, que não saiba fazer nenhum serviço doméstico simples. O que você acha que a dona Luiza deve fazer, se o custo de oportunidade para ter uma empregada é menor do que o de trabalhar fora, ao dar uma oportunidade de salário para alguém sem instrução e, com isso, movimentar ainda mais a economia? (adicione-se que muitas pessoas da classe média baixa, graças a isso, também têm empregadas).

Se quisermos que a empregada tenha uma vida melhor, o problema vai dizer respeito a dar mais instrução para os pobres. Mas esse discurso clichê esconde uma faceta de gosto bastante duvidoso: o que fazer com a atual geração, que já saiu da escola há muito e pra lá não vai querer voltar?

A idéia, moralmente correta, acaba por relegar essa geração inteira a um limbo teórico — o que não faz senão manter os pobres na pobreza. É preciso com muito mais urgência melhorar o nível de vida dessa população pobre. E não há saída melhor do que fomentar o comércio e diminuir os preços dos produtos para que esta população tenha uma vida melhor.

Rebaixado, pintura estilizada e faróis xenon. Mas ainda um Corsa

Sempre que se ouve a palavra “investidor”, sobretudo “especulador”, treme-se de medo. Mas, curiosamente, ninguém quer ser investidor, e muito menos especulador. Porque, na verdade, são profissões arriscadíssimas. Abrir uma padaria ou banca de jornal é ser “investidor”. Dar seu dinheiro num empreendimento que pode te deixar pobre é a tal “especulação financeira”.

Quando se fala com temor em “especuladores”, num coletivo indefinido, fala-se justamente daqueles poucos que sobreviveram nessa selvagem profissão. Mas, se falarmos em criar oportunidades para que outros possam crescer na vida, quem criará será justamente quem investir e especular pra isso. E nada ajudou mais os pobres nos últimos anos do que o comércio.

Isso tanto por criação de trabalho quanto por melhorar a qualidade de vida com produtos mais baratos: os EUA tiveram investimentos inovadores como os das grandes redes de varejo que barateiam o preço final, e uma economia mais livre de intervenções estatais. Carros que chamamos “de luxo”, iPods e outras frescuras de guri de apartamento por lá são baratíssimos. Se o preço desses produtos é tão baixo, só significa que mais pessoas podem comprá-los. É tão simples quanto parece. Eu comemoraria se assim o fosse no Brasil.

Muita gente parece não gostar. Duvida?

Você diria que é para os pobres enriquecerem e terem carro e iPods ou pra continuarem como estão sem ter carro e iPods? Quando se critica o consumismo e o individualismo, o que se faz é justamente tentar impedir que qualquer pessoa tenha esses produtos — o que definitivamente é o contrário do que os seus produtores almejam.

Quantas vezes você já ouviu alguém criticando a classe média, ou “burguesia”? Não a criticam por ser “ridículo” que ela tenha mais dinheiro que a classe pobre e reclame de impostos sobre bens que não sejam de primeira necessidade? Mas, ora, como se pretender que os pobres ascendam à classe média, se acham correto que cada produto além do necessário para a sobrevivência seja taxado? Por que se quer punir alguém por deixar de ser pobre?

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É estranho defender os pobres ridicularizando a reclamação sobre preços pagos pela classe média. Ficando no caso dos eletrônicos e importados, o preço dos produtos originalmente é barato. Eles ficam caros quando chegam ao Brasil.

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A classe média paga caro por alguns produtos? Sim, mas paga. A classe pobre não pode pagar. Por isso, oras porras, ela é pobre! Como se pretende que a classe pobre se torne classe média de fato desprezando o grito pela diminuição dos preços, eu de fato não sei.

Mas há um contra-argumento que sempre é colocado aqui: o lucro dos empresários. Mesmo que seja vantajoso para os pobres terem celular e internet, hoje, parece ainda “ruim”, por algum motivo, que alguém lucre tendo essas idéias que melhoram a vida dos pobres. Como já foi lembrado, a margem de lucro das montadoras no Brasil é três vezes maior do que no resto do mundo. Não seria, então, uma questão de impostos, como tanto reclama a classe média. Ou estaríamos olhando para o número errado?

Com a palavra, Stephen Kanitz:

Qual é a porcentagem de lucro embutida em tudo o que você compra no Brasil? (Dica: entre 1% e 50%.) Se um produto custa, digamos, 100 reais, quantos reais correspondem ao lucro da empresa que produziu o que você queria e quanto é o custo efetivo do produto? Qual, em sua opinião, é o nível de “espoliação” capitalista, tão enfatizada pelos nossos intelectuais? (…)
Numa pesquisa que realizei anos atrás, 200 operários de fábrica e donas-de-casa achavam que o lucro do patrão era de 49%, quase a metade do preço do produto. (…)
A maioria de nossos jovens estudantes não lê os balanços das companhias publicados nos jornais, prefere acreditar no que os outros dizem. Se tivessem um pouco mais de senso crítico e de observação, descobririam que a realidade é bem diferente. O lucro médio das 500 maiores empresas do país nos últimos dez anos foi de 2,3% sobre as receitas, segundo a última edição de Melhores e Maiores, da revista Exame.

A margem de lucro “três vezes maior” chega a exploradores 2,3%. Isso porque, afinal, as montadoras precisam aumentar a margem de lucro se quiserem competir com a carga tributária mais alta do mundo – e poder lucrar nos oferecendo os produtos que nós queremos – do contrário, não pagaríamos. Você acredita que, como dizem, “os carros brasileiros são tão mais caros não por causa dos impostos escorchantes, mas pelo lucro dos empresários”?

Só de passagem, vale lembrar que 52% do preço do produto são… impostos. Mas a margem de lucro “três vezes maior do que no resto do mundo” de 2,3% é que é culpada. Kanitz de novo:

Tirar 52% do consumidor como imposto para devolver muito pouco à sociedade é considerado justo, mas tirar 2,3% para oferecer o produto que você está comprando é um crime social a ser eliminado. Percebam a crise política que nos espera nos próximos anos, porque a maioria da população não sabe nada disso. (o artigo é de 2003)

Por sinal, ignorando as proporções acachapantes, se 2,3% de lucro é “três vezes maior do que no resto do mundo”, 52% de impostos são quantas vezes mais do que no resto do mundo?! Enquanto não se percebe que quem fez o mundo progredir não foram burocratas e governantes progressistas, e sim empreendedores competentes (dentro de um sistema tão bom que os torna milionários por isso), continuar- se-á (!) a culpá-los pela nossa miséria, e a penalizar com impostos a classe média que era baixa algumas décadas atrás, forçando-a a ter apenas o básico: mantendo-os todos pobres, mas felizes com as migalhas que o governo distribui.

“Nesse meio tempo todos nós devemos ir às compras para consolar-nos”

Apenas umas sete pessoas devem conhecer a dimensão dos problemas do país. Mas é só entrar em um bar qualquer e lá estarão todas elas. Podem culpar o “consumismo”, e achar que, através de impostos, proibir a classe média baixa de ter produtos que a classe média baixa mundial inteira tem é bom. Podem dizer que valorizamos demais as coisas, e de menos as pessoas.

Confesso não entender esse lance de valorizar pessoas empobrecendo outras. Prefiro enriquecer pobres, não “valorizá-los”. Se é pra querer menos coisas… bem, eles já têm poucas coisas. Se manter os pobres pobres é “valorizá-los”, ao menos eu posso entender que isso, realmente, não é difícil.

Eu espero que os pobres enriqueçam e passem a trabalhar desenvolvendo joguinhos pra iPhone em escritórios transados e usando cortes de cabelo ridículos copiados de bandas inglesas horrorosas, não negar-lhes o consumo porque “não se deve valorizar coisas”.

Como afirmou Oscar Wilde, “sabemos o preço de tudo e o valor de nada”.

Mas o pior mesmo é quando não sabemos nem o preço.

Ilustradora, engenheira civil e mestranda em sustentabilidade do ambiente construído, atualmente pesquisa a mudança de paradigma necessária na indústria da construção civil rumo à regeneração e é co-fundadora do Futuro possível.