“Mas precisa mostrar que é LGBT?”

Vivemos em um país que, através de diversas estatísticas, é considero o que mais mata pessoas LGBTs . No mundo, cerca de 70 países ainda criminalizam a homossexualidade, e em 10 destes ainda se prevê pena de morte para pessoas LGBTs em sua leis. Ainda precisamos falar muito sobre isso.

Recentemente o Jornalista Marcelo Cosme, apresentador do Globo News, veio às redes refletir sobre a repercussão que aconteceu ao comentar sobre seu marido durante uma reportagem sobre queijo mineiro no Jornal Hoje. 

Encerrando o assunto da reportagem, Marcelo faz um comentário:

“Quem não gosta de queijo, né? Eu sou gaúcho, moro no Rio e sou casado com um mineiro. Imagina? Lá em casa não falta queijo. Eu gosto daquele queijo puro pra gente comer no café da manhã, né?!”

Logo em seguida, diversas manchetes alegavam que ele usou o espaço para uma suposta "militância" e que ele havia "ultrapassado os limites, quebrando protocolos da TV" pelo simples fato de, no meio da frase, ter dito que era casado com um homem mineiro:

Veja a repercussão:

“Apresentador da Globo ignora protocolo ao vivo e revela intimidade curiosa com o esposo durante o Jornal Hoje: casado com um mineiro.”

“Apresentador da Globo se empolga e expõe intimidade com o marido: quem não gosta?"

Em resposta, o jornalista Marcelo Cosme gravou o seguinte que você pode conferir AQUI.

Se não soubéssemos de antemão do que se tratava, ao ler manchetes como essas, pensaríamos em diversas possibilidades – de comentários polêmicos a conotações eróticas – menos que ele estava falando apenas de queijo mineiro.

A partir disso, uma pergunta é fundamental para compreendermos o que aconteceu:

Se trocarmos o gênero do parceiro, se fosse qualquer comentário se referindo a uma relação heterossexual, essa repercussão toda teria acontecido? 

Muito provavelmente não.

Vale ressaltar que o Jornal Hoje, assim como diversos noticiários da primeira metade do dia, tem no seu DNA um tom de voz mais informal, em que jornalistas falam um pouco sobre suas percepções e trazem um pouco da vida pessoal para a reportagem (desde comentar sobre seu bairro de origem, sobre comidas favoritas, até mandar um abraço para um familiar). 

Comentários do tipo não despertam todo esse burburinho e por quê? Os relacionamentos heterossexuais dos jornalistas e de figuras televisivas têm melhor e maior aceitação: "É normal". No fim das contas, o problema não é salpicar a matéria com um pouco da sua vida pessoal, a questão é precisamente revelar com naturalidade estar em uma relação homossexual.

"Mas é só não falar que aí isso não acontece… Por que precisa ficar exibindo que é gay?"

Podemos inverter a pergunta: por que é preciso esconder?

No exército americano, por exemplo, até 2011 foi vigente a política de "Don't Ask, don't tell". Não era proibido que pessoas LGBTI+ estivesse na força, mas não era permitido que elas se identificassem como tal. Aparentemente os problemas se resolveriam se ninguém tocasse no assunto: não está permitido perguntar sobre e nem se pode dizer. 

No Brasil, vivemos em uma realidade em que muitos LGBTs também não falam por medo de serem expulsos de casa, da igreja, do emprego ou de apanhar na rua. Muitos não falam porque estamos no país que mais mata pessoas LGBTs no mundo.

Em cerca de 70 países ainda é considerado crime ser uma pessoa LGBT. E em 10 deles há pena de morte prevista nas leis.

Por isso é preciso e importante falar, para que as pessoas aprendam a ver as relações e as famílias diversas e plurais com naturalidade, e como parte da vida cotidiana no trabalho, no culto, na missa, na TV, nas redes sociais, na escola, no parque e em todos os lugares.

A vida pessoal atravessa os ambientes de trabalho. É só parar para pensar: assim como um colega pode ter orgulho de contar que está planejando casar-se com a sua companheira, por que o outro colega precisaria esconder sua celebração com o seu companheiro? Se ser LGBT não é algo ruim, do qual seja preciso ter vergonha, porque seria preciso manter segredo?


publicado em 23 de Maio de 2023, 18:12
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Andrio Robert

Mestre e doutorando em Educação no PPGE- UFPR. É pesquisador de corpo, gênero e masculinidades. Suas investigações estão inseridas na linha LICORES - Linguagem, Corpo e Estética na Educação, no grupo de pesquisa Labelit - Laboratório de Estudos em Educação, Linguagem e Teatralidades (UFPR/CNPq) e na Diálogos - Rede Internacional de Pesquisa.


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