O José não é só mais um zé não. O José é das antigas e, mesmo hoje, ainda está por lá. Chegou pelas bandas pouco depois da fundação da vila. Veio de longe e trouxe o aprendizado antigo de falar só quando necessário e nunca (nunca mesmo) se separar do verbo “fazer”. José é e sempre foi um fazedor. Ajudou na construção de dezena das casas que formariam o núcleo da vila. Socorria com os encanamentos, auxiliava na compra de algumas marmitas em épocas de mutirão, facilitava a distribuição de gás.

Nesse começo, o José não ligava de ser chamado de Zé e foi fazendo assim um grupo representativo de amizades. Pagava dose ou outra de cachaça nos botecos, organizava as disputas na sinuca e no truco. O José começou a se fazer numa época em que palavras valiam mais que todas as outras coisas.

Virou líder da associação dos moradores da vila, não diretamente, mas indicado pelos residentes mais antigos (e, por isso, mais influentes). Fazia, por conta de sua posição, mais amigos e mais uns dinheirinhos aqui e ali, com as inscrições dos torneios de sinuca e de truco. Levava algum na distribuição do gás e sempre garantia gratificações quando fazia o socorro com os encanamentos. Enquanto todos na vila tinham cada vez menos, trabalhando cada vez mais e mais longe, o Zé se garantia sem sair do lugar. Assim, acumulava também fatores e toda a comunidade lhe devia algo. Ninguém mais conseguia chamar o Zé de Zé. E já faz bom tempo que o Zé é José e não só mais um Zé.

O José não é mais o líder da associação de moradores da Vila. As coisas são rápidas demais e ele diz não estar acostumado a depender da informática pra tomar conta de algo. Mas seu prestígio ainda faz parte do cotidiano do lugar. José virou chefe do “conselho do bem estar” e decide, juntamente com os demais conselheiros, como fazer da vila, um lugar melhor. O que fazer, onde fazer, como fazer, com quanto fazer e – mais importante – com quem fazer.

Nos dias de hoje, a vila tem a rua José, a escolinha José, o campo José de futebol de várzea e o bingo José. O filho do José é técnico do time infantil e recebe bem mais que os moradores que trabalham fora da vila. O filho do José nunca ganhou um campeonato. A filha do José é diretora e orientadora da escola da vila. Ela ganha muito bem e mora a uma quadra da escola. Nem metade das crianças da vila sabe mesmo escrever e leem com recorrente dificuldade. O José mesmo mal aparece na sede do conselho, resolvendo mil e uma coisas em prol das melhorias da vila. Mas dia desses ele apareceu por lá. Foi almoçar no bar do Alceu a convite do filho uma semana antes do namorado da sua netinha mais nova conseguir aquela vaga de auxiliar na organização dos torneios de sinuca que eu tanto queria.

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Atenção: essa é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com pessoas ou fatos reais é mera coincidência.

Jader Pires

É escritor e colunista do Papo de Homem. Escreve, a cada quinze dias, a coluna <a>Do Amor</a>. Tem dois livros publicados