Wikileaks: o maior e mais inútil vazamento de informações da história

Quando entrei na faculdade de Jornalismo, eu queria fazer minha própria revolução. Queria ser um prestador de serviços para a sociedade. Queria informar mais e melhor.

O que me fez voltar a refletir sobre minhas primeiras intenções com o jornalismo foi a polêmica em volta das tais informações ultrassecretas reveladas pelo Wikileaks, em um conjunto de documentos pretenciosamente chamado Cablegate – fazendo uma referência ao Watergate, um caso clássico do jornalismo investigativo que culminou com a queda do presidente americano Richard Nixon, na década de 1970.

De acordo com o Wikileaks, no total, são 250 mil documentos enviados de 274 embaixadas e consulados americanos ao redor do mundo à Casa Branca. Os papéis datam de 1966 até fevereiro de 2010 e devem ser divulgados progressivamente nos próximos meses. É o maior vazamento de informações secretas da história.

Logo na segunda-feira, um dia depois dos documentos irem a público, me interessei pelo caso. Àquela altura a imprensa britânica já fazia um oba-oba por aqui. Acredito que, como eu, grande parte dos leitores do PdH não resistiu a dar uma olhada nos tais documentos e acabou sem paciência de ler aqueles longos telegramas que, na real, não traziam informações suficientemente relevantes para serem considerados bombásticos.

"Era melhor no nosso tempo, meu caro Watson, quando apenas uma informação mudava tudo."

O Wikileaks se apresenta como um órgão formado por jornalistas de diversos países. Por conta disso, esperava-se que os documentos revelassem crimes de guerra, manobras diplomáticas questionáveis ou qualquer outro fato que trouxesse alguma coisa nova, alguma informação que realmente abalasse a estrutura política americana. Contudo, o que se vê no Cablagate – salvo poucas exceções – são relatos, opiniões e fofocas contadas pelos diplomatas americanos. Nada muito além disso.

Com isso, o tiro do Wikileaks acabou saindo pela culatra. Toda a exposição que a organização teve durante a semana acabou fazendo com que o processo por crimes sexuais a que seu fundador, Julian Assange, responde viesse à tona. O grupo ainda diz que tem sofrido ameaças de morte.

Conteúdo

Obviamente, não dá pra falar que tudo o que foi divulgado até agora é inútil. Alguns dos textos revelam informações que permitem que algumas situações da política mundial sejam melhor compreendidas. Alguns exemplos disso seguem abaixo.

• Segundo o embaixador americano em Tegucigalpa, o golpe de Estado que tirou o ex-presidente hondurenho Manuel Zelaya do poder no ano passado foi ilegítimo. O texto serve como um cala-boca para aqueles que argumentavam que Zelaya estava tentando dar uma de Hugo Chávez e mudar a constituição do país.

• Em 2008, foi relatado que o governo da Arábia Saudita pedia frequentemente para que os Estados Unidos atacassem o Irã a fim de evitar que a influência de Ahmadinejad crescesse no Iraque.

• Segundo o embaixador americano em Londres, nos últimos anos, o governo britânico tem armazenado bombas de fragmentação para os Estados Unidos, mesmo depois de o Reino Unido ter banido esse tipo de arma em seu território.

• Até o fim da semana passada, a informação mais quente foi a suspeita de que os diplomatas Estados Unidos estejam em meio a uma campanha de espionagem na ONU. Tudo isso sob ordem da secretária de Estado, Hillary Clinton.

• Ontem foi revelado o documento que mais surpreendeu até agora. O Wikileaks publicou uma lista secreta de instalações em diversos países que os Estados Unidos consideram vitais para a segurança nacional. Washington e o governo britânico condenaram o vazamento, afirmando que as informações podem ajudar grupos terroristas. Não duvido.

Sobre o Brasil, muito pouco foi divulgado até agora. Suspeitas de terrorismo e desentendimentos entre a embaixada e o Ministério das Relações Exteriores são os assuntos mais abordados. O resto é rubbish. Pessoalmente, espero que nos próximos meses algo interessante seja divulgado sobre a relação Brasil/EUA nos anos da ditadura.

Mas, apesar de tudo o que foi publicado, o que deve ter enfurecido as autoridades internacionais e, principalmente as americanas, não foi o conteúdo revelado, mas, sim, o fato de que o Cablegate não passa de uma mega operação de violação de correspondência.

Wikileaks e o jornalismo declaratório

O Cablegate está longe de ser um caso de jornalismo investigativo, como foi o inspirador Watergate, que contou com a participação do lendário Garganta Profunda como fonte. Não duvido da dedicação dos jornalistas que participaram do projeto, mas uma pergunta deve ser feita nessa história. Qual é o interesse por trás de tudo isso?

Não consigo entender jornalistas que fazem de tudo para criar uma polêmica. Gente que, no melhor estilo Nelson Rubens, querem ver declarações sem importância como “[Dimitri] Medvedev é Robin e [Vladmir] Putin, Batman” sendo manchetes na imprensa mundial.

Assim que os documentos foram ao ar, a imprensa mundial começou uma busca inútil por "furos", mesmo sabendo que, agora, qualquer zé mané pode acessar as mesmas informações do computador de casa.

Uhh, Bomba: diplomata americano diz que Angela Merkel é "sem criatividade".

Nos últimos anos, principalmente depois que a internet se tornou um dos principais meios de se conseguir informação, os grandes portais de notícias usam o jornalismo declaratório como uma forma rápida e eficaz para se publicar informações. Explico: se ocorreu um homicídio em um bairro de classe média e a polícia suspeita que o marido foi quem matou a mulher, a maior parte das manchetes terão um título com o padrão “Homem mata esposa em bairro nobre de SP, diz polícia”. O “diz polícia” é a carta na manga do editor. Com ele, cria-se um ar de autoridade que, ao mesmo tempo que livra o veículo de cometer erros, garante que uma fonte foi consultada. Se, posteriormente descobre-se que quem matou a mulher foi um assaltante, é fácil reeditar e falar que “quem disse aquilo foi a polícia”.

Nesse tipo de jornalismo, o que vale é o que se fala e não o que aconteceu. A palavra acaba sendo mais importante do que o fato em si. Tudo isso é uma forma que ganhou espaço na Internet, onde é necessário que as manchetes mudem de hora em hora. Se não existe fato novo, existe, pelo menos, uma declaração nova para subir na capa.

Tudo isso é o que, aos poucos, mata a tradicional investigação do bom e velho jornalismo. Com as assessorias de imprensa, os redatores não precisam nem sair da redação pra poderem escrever 10, 15 matérias por dia. Um telefonema – às vezes nem isso – já garante uma manchete. Quantas vezes você já viu matéria usando o Twitter como fonte?

A impressão que tenho é que é justamente isso que o Wikileaks quer fazer. Criar polêmica, ver o circo pegar fogo, baseado em declarações de opinião. Opinião não é notícia. Fatos são notícias. Anúncios e declarações públicas são notícias. Conteúdo de cartas escritas por diplomatas, a não ser que revele dados social e informativamente úteis, não é notícia.

Como jornalista, venho me perguntando se o que o Wikileaks fez foi prestação de serviço. Ainda não sei responder, mas não consigo discordar do que o Secretário de Estado assistente dos EUA afirmou ao Financial Times depois que os novos vazamentos vieram à tona:

"Julian Assange pode estar direcionando seus esforços aos Estados Unidos, mas ele está colocando os interesses de muitos países e regiões em risco. Isso é irresponsabilidade."

Serviço ou desserviço?

Gostaria de compartilhar a questão com nossos leitores.

Serviço ou desserviço ("WikiLeaks just made the world more repressive")? Acham que o Wikileaks tem alguma utilidade além de causar polêmica? O que têm achado da cobertura da imprensa sobre o assunto? Quais são as intenções da entidade por trás de tudo isso?


publicado em 07 de Dezembro de 2010, 01:48
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Thiago Rocha Kiwi

É nosso correspondente em Londres. Jornalista, nascido e criado na selva paulistana, gosta das oportunidades desafiadoras. Apaixonado por informação e conhecimento, enxerga o trabalho como uma forma de evolução e a internet como revolução. No Twitter, @thiagokiwi.


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