Ao conhecermos mais sobre o termo, abrimos maiores possibilidades de combate à essa violência
Zé Ricardo Oliveira
“Faço uso de antidepressivos e quando acordei, meu marido já estava me penetrando.” Segundo a advogada Mariana Tripode, este é um depoimento comum em seus atendimentos, e acrescentou que as mulheres declaram não interromper os maridos por entenderem que se trata de uma obrigação como esposas.
Numa live em 2020, Mariana Tripode, que foi presidente da Comissão da Mulher da Associação Brasileira de Advogados em Brasília, comenta que estupro marital é algo recorrente no Brasil e que deixa diversas sequelas nas mulheres. Mariana afirma que muitas delas não fazem ideia de que isso é uma violência, é um crime.
Como assim estupro dentro do casamento? Isso existe?
Muita gente não entende do que se trata ou como se configura o estupro marital. Inclusive, algumas pessoas levantam a seguinte questão: “Eles são casados e o marido não colocou uma arma na cabeça dela a obrigando a transar, como pode ser estupro?”. Mas observemos por outro lado. Num casamento é normal que, às vezes, apenas um queira o sexo. Quando o outro é pressionado e cede, mesmo sem nenhuma vontade, isso pode ser considerado normal?
Naturalização do estupro marital
Recentemente, no Renascer (programa da Rede Gospel), foi feita a seguinte pergunta ao apóstolo Estevam Hernandes: “Chego em casa muito cansada e não tenho vontade de fazer amor com meu marido. Sou obrigada?”. A resposta dada por Hernandes foi a seguinte: “Olha, ninguém é obrigado a nada, agora, a regularidade do sexo no casamento é uma determinação bíblica”. Essa cultura que reforça que, mesmo sem desejo, a mulher deve atender as necessidades sexuais do marido, sustenta a visão de que pressionar e iniciar atividades sexuais com sua parceira, mesmo que ela não queira, é normal num relacionamento.
“Você é minha mulher e eu tenho necessidades, além disso como seu marido eu tenho direito de transar com você”. A partir desse tipo de imposição, muitas mulheres (como as citadas pela advogada Mariana Tripode) se sentem obrigadas a ceder ao sexo mesmo sem estarem com vontade e não percebem a pressão e coação do marido como uma violência.
Mas o que é estupro marital?
Estupro marital é um crime no qual o homem, por meio de chantagem, ameaça, violência, ou intimidação coage sua companheira (seja num casamento ou mesmo num namoro) a ter relações sexuais. Resumindo, estupro marital é quando o ato sexual é praticado sem o consentimento por parte da esposa.
“Estupro marital” não está no Código Penal
Não se engane! Mesmo o termo não constando diretamente no Código Penal (CP), outras leis e normas brasileiras, tipificam o estupro como crime e preveem ainda alguns agravantes para aumento da pena — caso a pessoa autora do crime seja pai, mãe, padrasto, madrasta, irmão, tio, cônjuge ou parceiro da vítima.
Lei Maria da Penha
Estupro marital está qualificado como crime na Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), Art. 7º, como uma das formas de violência doméstica e familiar contra a mulher. No texto consta “a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força (…)”.
Sexo não é uma obrigação dentro do casamento
Agora que entendemos um pouco sobre o assunto, precisamos ser mais críticos. Será que conhecemos alguém ou alguma vez já agimos nesse sentido? Cobrando sexo e intimidando a parceira dentro de um relacionamento? “Mas é minha mulher, eu sei que no fundo ela quer, ou que ela vai gostar”. Precisamos parar imediatamente com pensamentos como estes e entender que em qualquer tipo de relação sexual (casual ou de 15 anos de casado, por exemplo) tem de ter consentimento da parceira — e consentimento não vale quando tem chantagem no meio.
Usando o “não” como uma forma de conhecer melhor sua parceira
Forçar, chantagear, cobrar, coagir o sexo com sua parceira é crime e isso não pode ser normalizado. Se na sua primeira investida a resposta for um “não”, respeite, não insista. Se quiser, você pode até praticar uma comunicação sincera, perguntando porque ela se sente sem vontade ou o que você poderia fazer para agradá-la numa outra ocasião. Busque outras formas de sentir prazer e de satisfazer sua vontade sozinho.
É nossa responsabilidade interromper essas violências, mudando essa cultura masculina
Já conversou com outros homens sobre isso? Não? Talvez a hora pode ser essa. É preciso ampliar a consciência de que a violência sexual, mesmo que de forma sutil e velada, pode acontecer dentro de uma relação. Nós homens precisamos entender a estrutura dessa cultura que incentiva essas atitudes e nos responsabilizar por mudá-la.
Publicado originalmente em 23 de Março de 2023, 18:42
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