Eu gostava de ouvir rádio.

Mania de adolescente. Mania que se perdeu com o tempo. Ou melhor, com as previsíveis evoluções. Se com 16 anos eu tinha que ouvir apenas o que tocava na rádio e na MTV, com 26 eu descubro e reencontro bandas e músicas no iTunes ou Youtube. Ficou mais fácil? Sim. A variedade aumentou? Claro. Mas também mudaram as percepções.

Parece tudo meio descartável.

A gente não ouve mais a música com outras pessoas.

Eu explico.

Minha coleção de fitas era interessante. Ela permitia que eu ouvisse qualquer música a qualquer hora do dia. Era muito fácil. Bastava abrir a velha caixa daquele All Star vermelho e tec, tec, tec, tec, ir jogando as fitas com o dedo indicador em direção a parede do papelão até achar uma banda ou o nome de alguém.

A ação de colocar a fita no walkman ou no toca fitas do carro do pai já superar a vontade de ouvir algo. Ao mesmo tempo, batia uma certa solidão. A sensação que eu tinha era de não compartilhar a música. Era eu, fones e a música. Eu podia recomeçr quando quisesse, parar ou correr até o meu solo favorito. Sem dramas, sem expectativas e, principalmente, sem surpresas. Essa comodidade era algo deprimente que escondia-se atrás da agradável sensação de prazer com o som.

Pois, no final das contas, era uma fita gravada. Não era algo no rádio.

E no rádio era diferente.

Qual foi a última vez que você parou pra ouvir música?

Quando a música toca no rádio, por mais que você tenha uma dezena de fitas com várias versões da mesma canção, você para e ouve. Você pede silêncio, sintoniza melhor a estação e curte. A música que você gosta. A música que você tem. A súa música. E no rádio. Ou seja: compartilhando o momento com outras milhares de pessoas.

A sensação de ouvir uma música no rádio ou ver um clipe na TV, por mais randômica que seja, jamais será comparada com uma aba do navegador com o Youtube em execução. A graça está sempre na imaginação que a fantasia proporciona. E em como ela, mesmo que por três minutos e meio, transformar a solidão de uma tarde vazia em um sorriso correspondido por outras centenas de ouvintes.

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Não gosto dessa música que você ouve enquanto faz planilhas em todos os lugares e meios. Essa música do Play/Pause é mecânica. Uma presença compulsiva e compulsória de qualquer forma de som, o tempo todo, de todas as fontes em todos os volumes.

É por gostar de música que eu tenho buscado o silêncio, disse o Laerte.

O silêncio que me faz ter uma relação nova com a arte: o do prazer da divisão. Afinal, poucas sensações são melhores que a de apresentar algo que a pessoa goste. É como se a gente tivesse revelando um segredo. Um segredo bom, que o receptor sente-se orgulhoso e, ao final do processo, satisfeito com a indicação.

Assim resume-se a música: entregar algo que te emocione. E que me faça emocionar outras pessoas.

Hoje, se eu pudesse, pediria pra você parar. Parar agora. Colocaria fones de ouvido em ti e daria play na fita. Ficaria olhando sua reação ao mesmo tempo que você se espantaria com a minha ansiedade pelo veredicto. Aí você entenderia tudo o que estou tentando dizer: é bom se sentir acompanhado enquanto ouvimos algo.

Seria essa música. Igual ao filme que nunca assisti.

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Fred Fagundes é gremista, gaúcho e bagual reprodutor. Já foi office boy, operador de CPD e diagramador de jornal. Considera futebol cultura. É maragato, jornalista e dono das melhores vagas em estacionamentos. Autor do <a>"Top10Basf"</a>. Twitter: <a href="http://twitter.com/fagundes">@fagundes</a>."