Você não é criativo

E nem as pessoas que você considera como heróis da sua trajetória criativa, seja no trabalho ou na vida pessoal. Fique tranquilo

E nem as pessoas que você considera como heróis da sua trajetória criativa, seja no trabalho ou na vida pessoal.

Você conhece o Everything is a Remix? Então veja esses três vídeos rápidos e infinitamente fodas e, abaixo, a explicação sobre eles:


Link Vimeo | Everything is a Remix Parte 1 [legendado]


Link Vimeo | Everything is a Remix Parte 2 [legendado]


Link Vimeo | Everything is a Remix Parte 3 [legendado]

Kirby Ferguson é um diretor, roteirista e montador americano que atualmente trabalha em uma série de quatro webvídeos com o intuito, não de desmistificar nomes atrelados a grandes feitos considerados inéditos ou únicos, mas sim de desmistificar o seu pensamento de que grandes coisas acontecem de lugar nenhum.

Intitulado Everything is a Remix, o documentário é dividido em quatro partes (três delas já disponibilizadas) e conta como todas as coisas que admiramos hoje em dia na chamada cultura pop (música, cinema, tecnologia) são nada mais que cópias de outras coisas que deixamos de admirar (ou não admiramos por não ter a mesma visibilidade).

O mesmo ocorre com o mito das invenções e seus considerados inventores geniais. Não que todos os grandes nomes da ciência e tecnologia não são, de uma forma ou de outra, grandes mentes fazendo grandes coisas, mas considerar uma ideia inventiva, algo único, pontual e genuíno, é equivocar-se demais.

Agora já temos a parte final dessa empreitada que quebra todos os mitos sobre a criatividade e nos livra do eterno fardo que carregamos ao transpirar em alguma invenção qualquer e, depois de concluída, ficarmos descrentes de nossa capacidade porque "se parece muito com aquilo ali que já foi feito, não parece não?"


Link Vimeo | Everything is a Remix Parte 4 [legendado]

Eu, particularmente, passo muito por isso. Aspirante a escritor e escrevendo diversas crônicas e ficções, ao colocar uma história verdadeira criada em minha cabeça, por exemplo, aqui no PapodeHomem, sempre recebo diversos elogios, dentre eles, que determinado conto se parece muito com o estilo de outro escritor.

Já me compararam com Bukowski, John Fante, Xico Sá, Luis Fernando Veríssimo, enfim. Cada conto ou crônica que eu publico aqui, acabo recebendo uma comparação.

Antes eu achava meio chato esse tipo de comparação, parecia que eu estava copiando alguém, me apropriando do estilo de alguém para fazer algo meu. Só que, nos mesmos posts, eu recebia outro tipo de elogio que eu gostava muito, comentários de pessoas que diziam como eu conseguia fazer -- pela minha escrita -- com que elas visualizassem bem demais tudo o que eu descrevia, não só o físico da coisa, mas toda a ambientação do que estava sendo contado. Outras pessoas também diziam que, ao ler o primeiro parágrafo, sabiam que era um texto meu.

Ora bolas, como eu conseguia escrever com um estilo tão próprio e, ao mesmo tempo, de um jeito que lembrasse determinado autor conhecido e consagrado?

  • Copiar;
  • Transformar;
  • Combinar.

Do mesmo jeito que Quentin Tarantino e George Lucas combinaram experiências para criar algo novo e tão vibrante quanto seus antecessores, cientistas, pesquisadores e inventores sempre aproveitaram uma série de eventos e conhecimento adquirido para, após uma brilhante (aí sim o adjetivo se encaixa bem) combinação, mudaram pontos de vista, toda a cadeia de trabalho de suas áreas, e até o mundo todo.

Claro que toda essa linha de raciocínio não serve para acabar com qualquer pretensão, mas evidenciar que você pode lidar com a criatividade de um jeito muito tranquilo e prático. Determinação é, sim, a chave para grandes feitos, assim como conhecimento e experiência. O resto é pura reinvenção.


Link YouTube | Kirby Ferguson: Embracing the remix

Obs.: o vídeo acima está em inglês e é facinho de entender. Mas, para quem quiser, há a opção de colocar legenda em português direto no site do TED.

Por que eu digo tudo isso? Pra que todos que possam ler esse artigo consigam começar a formular uma linha diferente de raciocínio quando falamos em criatividade, seja para as artes ou as invenções modernas, patentes, relacionamentos. Temos um mundo vasto de conhecimento que deveria estar a disposição para serem copiados, transformados e combinados em coisas ainda mais incríveis, facilitadoras e deliciosas.

Uma vez um amigo meu foi em uma palestra dada pelo Wynton Marsalis, um baita (baita mesmo) trompetista que toca jazz bem tradiça. Quando abriram para perguntas, um cara no meio da plateia questionou como ele poderia se transformar, um dia, em um jazzista foda. O Wynton respondeu que, para tocar jazz pra cacete, não tinha segredo: bastava pegar todas as gravações de jazz já feitas e tirar todos os standards em suas diferentes variações de olhar de cada jazzista que a gravou e, ao final, você estaria tocando jazz com toda a facilidade do mundo.

Fácil não seria, mas era esse o segredo. Se parar pra pensar, basta você ter repertório e, de tanto copiar, você acaba transformando e combinando tudo o que você absorveu em uma coisa genuinamente foda. Isso serve pra tudo. Quando alguém me pergunta como eu faço pra escrever bem ou para conseguir transformar uma história comum em uma crônica ou lindos de se ler, eu digo que basta ler muito, ler tudo dos seus escritores favoritos e escrever muito, transpirar para deixar sair os maneirismos de cópia pura para um estilo próprio -- estilo esse que vai ser invariavelmente um conjunto de pequeninas coisas que você viu de outros escritores e sempre achou foda.

O Jack White já deixou escapar esse processo de criação em uma entrevista que o Luciano publicou no artigo Jack White, Jimi Hendrix e Alan Moore: não faz sentido se orgulhar:

Pergunta: Você se sente orgulhoso quando ouve [Seven Nation Army sendo cantada nos estádios]?

Jack White: Sim, mas, sabe… isso é parte do processo, a música já está lá no ar ou qualquer coisa assim. Você apenas… meio que a ajuda a existir. Você a administra ou a direciona ou aponta para onde ela supostamente deve ir ou algo assim. Você realmente não pega egocentricamente a glória interna ou crédito por qualquer das canções que vêm pelo estúdio ou pela sua presença. Você apenas está lá para ajudá-las a existir.

Pergunta: Você apenas está lá para fazê-las existir? Como assim?

Jack White: De certa forma as canções já estão lá. Quando alguém diz “eu escrevi essa canção”, isso não é totalmente verdade. O melhor que eu acho que posso fazer quando estou escrevendo uma canção é me posicionar fora do caminho. Não dizer tanto o que ela deve fazer. Não dizer “ela deve mudar aqui”, “vou fazer isso”, “esta vai ser uma canção country”, “esta vai ser um rock’n roll”. Ela já existe, ela já aconteceu, apenas afaste-se. Quanto mais você se afasta, mais ela existe e melhor a canção é. E é difícil tomar crédito por isso.

Já tá tudo no ar. Basta ir lá e pegar.

Se você acha esse texto criativo, pode ter certeza de que ele efetivamente é. Ele foi copiado de um outro texto meu, baseado em ideias de outra pessoa que, por sua vez, juntou centenas de ideias de outros pensadores e utilizou tudo isso em um documentário dividido em quatro partes. Tudo dito aqui foi copiado, transformado e combinado.

Temos algo novo. E fico bem feliz com isso.


publicado em 05 de Agosto de 2013, 21:00
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Jader Pires

É escritor e colunista do Papo de Homem. Escreve, a cada quinze dias, a coluna Do Amor. Tem dois livros publicados, o livro Do Amor e o Ela Prefere as Uvas Verdes, além de escrever histórias de verdade no Cartas de Amor, em que ele escreve um conto exclusivo pra você.


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