Você acompanha o "conflito da moda"?

O temo usado foi "conflito da moda". O comentarista de política internacional do Estadão e do programa Globo News em Pauta (da tevê a cabo), Gustavo Chacra, mestre em Relações Internacionais pela Universidade Columbia e residente em Nova York, escreveu em seu blog essa semana sobre como a comunidade internacional vê, absorve e comunica os diversos conflitos internacionais que temos em nosso planeta hoje.

Conflito na Ucrânia (Foto: The Guardian)
Conflito na Ucrânia (Foto: The Guardian)

Eu gosto muito da maneira didática que o Guga escreve, das pautas simples e interessantíssimas que ele bola e como o que ele fala é relevante e importante. Para quem gosta de ler sobre política internacional ou geopolítica e conflitos, ele é um dos que mais gosto de indicar. E esse último texto que li dele ficou na cabeça.

Interessante perceber como temos o "conflito da moda", hoje, o da Ucrânia. A cobertura internacional e os consumidores desse tipo de informação vai pulando de imbróglio em imbróglio, de treta para outra treta, claro, buscando o que mais atrai atenção, o que é mais "fresquinho". E aí o Gustavo escreveu de forma bem lúcida o que faz, de um conflito, o "conflito da moda".

Alguns argumentos para uma guerra entrar na moda seriam ou ficar fora seriam

Para estar na moda


Ocorrer na Europa ou no Oriente Médio (Ucrânia e Síria);
Eclodir de forma inesperada (Ucrânia);
Quantidade de mortos (Síria e Iraque no passado);
Envolvimento dos EUA (Iraque no passado);
Figura marcante no campo inimigo (Assad na Síria, Kadafi na Líbia e Saddam no Iraque);
Ter impacto geopolítico global (Síria);
Presença de jornalistas estrangeiros (Líbano nos anos 1980 e Israel-Palestina);
Apoio de estrelas de Hollywood (Darfur);

Para sair de moda


Longa duração (Iraque e Afeganistão);
Perda do apoio de estrelas de Hollywood;
Retirada dos EUA (Iraque);
Estabilização do conflito, mesmo sem paz (Afeganistão);
Passar a ser um conflito local (Iraque).

Para nunca entrar na moda


Ocorrer na África ou partes da Ásia distantes do Oriente Médio (Myanmar);
Não ter envolvimento geopolítico global (Congo);
Não haver um figura de impacto no conflito (República Centro-Africana);
Perder o apoio de Hollywood (Darfur).

Conflito em Darfur, no Sudão (Foto: BBC)
Conflito em Darfur, no Sudão (Foto: BBC)

Sobre o termo "da moda", não há apenas o aspecto pejorativo de quem decide cobrir ou dar importância a leitura desse ou daquele problema diplomático, mas da situação de que, quanto menos impacto e cobertura um conflito tem, maior a probabilidade de a coisa descambar para todo o tipo de barbárie que podemos imaginar. Se hostilidades que são ostensivamente vigiadas pelas lentes da cobertura internacional, constantemente sofrem acusações das mais diversas violações, imagina o que pode acontecer em batalhas e contendas que ninguém dá mais atenção?

Foi assim com Ruanda, em 1994, quando 800 mil pessoas foram mortas em um genocídio entre as etnias Tutsi e Hutus, herança da colonização europeia. Isso aconteceu em pouco menos de três meses e na mesma época da Copa do Mundo dos Estados Unidos, ano em que o Brasil foi tetra campeão mundial de futebol.

Sim, o Pedro Burgos discorreu todo um artigo sobre saber ser seletivo no que você lê, tamanha carga de informação que temos todos os dias, mas nenhum conflito nesse mundão deveria ser esquecido e/ou abandonado.

Mais do que isso, essa explanação do Chacra mostra como muitos conflitos ganham importância enquanto outros vão caindo no ostracismo sendo que muitos são iguais, possuem as mesmas motivações e quantidade de violência, mas um saiu de moda e o outro não.

É o caso do conflito da Ucrânia e o que saiu recentemente de cartaz, o da Síria:

Síria - O governo da Síria, visto como não democrático, controlava todo o país no início de 2011. Mas começaram a surgir manifestações em partes da Síria como Hama e Daara. Estes manifestantes dizem representar toda a população, ignorando os simpatizantes de Bashar al Assad, e passam a defender a queda do governo. O governo, que afirma serem ações orquestradas por nações do Golfo, Turquia e EUA, decide reprimir estes protestos e contou com apoio de parte da população doméstica. A Rússia defendeu publicamente o governo dizendo que este pretende restaurar a ordem. Os EUA, por sua vez, acusam o governo de não ter legitimidade e de usar a violência para restaurar a ordem, além de ser aliado do regime de Teerã e do Hezbollah. Assad retruca e diz que seus adversários são os radicais, atacando minorias cristãs e alauítas e sendo aliados da Al Qaeda
 Ucrânia – O governo da Ucrânia, visto como não democrático, controla todo o país. Mas começam a surgir manifestações no Leste do território. Os manifestantes dizem representar toda a população de origem russa na Ucrânia, ignorando aqueles que simpatizam com o governo em Kiev. Aos poucos, passam a defender a anexação com a Rússia. O governo em Kiev, que afirma serem ações orquestradas por Moscou, decide reprimir estes protestos e conta com relevante apoio doméstico.  Os EUA defendem publicamente o governo e dizem que este pretende apenas restaurar a ordem. A Rússia, por sua vez, acusa o governo de não ter legitimidade e de usar a violência para restaurar a ordem, além de ser aliado de grupos fascistas. O governo de Kiev retruca e diz que os radicais são seus adversários
 Enfim, o cenário é parecido na Síria de 2011 e na Ucrânia de hoje. Apenas EUA e Rússia mudam de lado.
"Entenda a Ucrânia através da Síria", 16.04.2014.

Síria, 2013 (Foto: The Atlantic)
Síria, 2013 (Foto: The Atlantic)

O mais construtivo disso tudo é o tal quebra-mito que acontece. Temos tantas certezas sempre que um novo conflito aparece nas capas de jornais ou no noticiário da noite que esquecemos como eles se parecem. também há o inconsciente coletivo que vai afzendo a gente de papagaio de pirata e afirmamos um monte de coisas que, analisando no osso, nem faz sentido.

Para esse último caso, há ainda dois textos curtos do Gustavo Chacra que eu gosto muito e são recentes, um sobre a relação que fazemos de que Israel é de direita e a Palestina de esquerda e outro sobre usarmos o termo xiita como sinônimo de radicais e extremistas, uma vez que, atualmente, a maioria dos atos radicais e violentos foram cometidos por sunitas e, claro, também com o cuidado de não trocar apenas o termo, uma vez que há sunitas liberais, assim como xiitas liberais.

Há que se ter mais cautela e atenção na política internacional e foco constante nos desenrolares de um conflito. O blog do Chacra já dá uma bela ajuda nisso. Espero mesmo que quem leia aqui, goste também de lá.

Obs.: como está lá, também, no blog dele, "Comentários islamofóbicos, antissemitas, anticristãos e antiárabes ou que coloquem um povo ou uma religião como superiores não serão publicados".


publicado em 25 de Abril de 2014, 07:00
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Jader Pires

É escritor e colunista do Papo de Homem. Escreve, a cada quinze dias, a coluna Do Amor. Tem dois livros publicados, o livro Do Amor e o Ela Prefere as Uvas Verdes, além de escrever histórias de verdade no Cartas de Amor, em que ele escreve um conto exclusivo pra você.


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