Tenho cada vez mais pessoas amigas assim:
Acordam e já vão para a internet ver qual é a indignação do dia (padilha atacado no restaurante, paulistas reclamando de ciclovia, machistas contra madmax, blackface nos palcos, etc), passam os olhos por algumas notícias sobre o tema, vão entrando num frenesi justificado de indignação (porque tudo isso é um absurdo mesmo), compartilham os textos mais indignados, xingam muito no Facebook e no Twitter, e aí, ufa, é como um orgasmo, se acalmam, se sentem com o dever cumprido e vão trabalhar de alma lavada pelo resto do dia.
É como se a indignação fosse um baseado que precisassem dar uma tapinha toda manhã, pra sentir aquela onda cada vez mais necessária de pelo-menos-fiz-alguma-coisa.
(Me incomoda não a indignação, que é justificada, mas a dependência.)
Hoje em dia, na minha vida, continuo lutando nessa mesma guerra, mas escolho as batalhas com mais cuidado.
Então, por favor, não me mostrem a indignação do dia e peçam pra eu me pronunciar. Prefiro não saber e, se souber, prefiro não falar nada.
“Papai, papai, o que você fez durante a luta contra o fascismo?”
“Xinguei muito no Twitter, minha filha.”
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Pós-escrito necessário sobre carapuças
Um dia, escrevi um texto sobre uma amiga que destratava a faxineira.
Aí, uma outra amiga me escreveu indignada por eu ter dito que ela destratava a faxineira.
E eu perguntei: fulana, você destrata sua faxineira?
“Você sabe que não, Alex! Jamais!”
Pois é, como o texto é sobre uma pessoa que sim destrata a faxineira, então, logo, por definição, o texto não é sobre você. A questão mais interessante é: por que VOCÊ achou que era? Você acha que você destrata sua empregada?
Aliás, dado que você não destrata sua faxineira, teoricamente por saber que isso é uma coisa feia que não deve ser feita, qual é o seu problema em eu escrever textos criticando essas outras pessoas (que não são você!) que destratam suas empregadas?
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Substituam “destratar a faxineira” por literalmente qualquer coisa.
Tenho uma interação parecida a quase todo texto que escrevo.
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