Viagem à Bélgica: acertei na cerveja, mas não encontrei o Van Damme

Era para ser uma aventura digna dos mais loucos arroubos do Hergé, escritor e desenhista belga, criador d'As Aventuras de Tintim.

Eu teria quatro dias para encontrar o Jean-Claude Van Damme em Bruxelas, nos meus tempos livres -- já que estava  convite da Sociedade da cerveja para cobrir o simpósio internacional de cerveja e saúde -- e sem nenhum material consistente de apoio, mas apenas o faro de jornalista e a vontade inerente de aprender o tal espacate que rendeu fama ao ator, lutador e bailarino. Claro que, encontrando-o, ele me daria atenção e até apoio. Eu já o defendi com unhas e dentes aqui nesse mesmo PapodeHomem  e tal ajuda haveria de me conceder respeito.

Cheguei lá numa segunda-feira a tarde e, 16h30 eu já estava com os dois pés na rua, em frente à estação de metrô que me levaria ao centro de Bruxelas.

Bruxelas, uma capital pequena

Fundada de uma fortaleza no século X, fundada por um descendente de Carlos Magno, Bruxelas tem hoje pouco mais de um milhão de habitantes, com espaço suficiente para ser chamada de uma capital pequena. Ela fervilha, tem sua região central sempre cheia de pessoas, mas não é nem de longe uma cidade apinhada, tomada de gente demais.

As vias expressas tem trânsito carregado, algumas ruas estreitas e avenidas próximas ao centro internacional (onde fica a sede do conselho da União Europeia), possuem trânsito intenso, mas nada que estrague a experiência na cidade. Andei de metrô e muito à pé e o que se vê é justamente muita gente andando e trocando de transportes públicos (metrô, ônibus e o bondinho que passa em alguns locais). A passagem varia da quantidade de idas e vindas colocadas no bilhete mas, um "ida e volta" de duas entradas roda por 4 Euros (mais ou menos R$15,00).

Posto de combustível, vi apenas dois e já nos perímetros mais afastados da cidade, indo e voltando do aeroporto.

Dá pra se andar muito e com muita tranquilidade. As ruas são planas e o transporte vai te levar sempre a um lugar bem próximo de onde você quer ir. Como eu queria aproveitar e caminhas por Bruxelas, desce em uma estação a pouco mais de 1 km de distância da Grand-Place -- principal ponto turístico de lá -- e, ao perguntar a direção para seguir caminhando, o funcionário do metrô insistiu que eu andasse mais duas estações para descer do lado da praça.

Contrariei e segui andando.

Muita bicicleta no caminho, pouco carro quanto mais ao centro se chega, muita gente zanzando, mas com espaço de folga para não sair batendo ombros.

A nova Europa

Uma das coisas que mais me deixou feliz foi perceber que a Europa está se misturando mais. Não saberia dizer, ponto a ponto, em quais lugares seriam com maior ou menor gosto, mas me pareceu algo inevitável. Em Bruxelas, argelinos e sírios e marroquinos e pessoas do Mali e do Congo dominavam as ruas e em muitos momentos eu ouvi mais árabe que francês, uma das línguas oficiais da Bélgica. Uma amiga me disse que está assim também em Munique e uma outra amiga que mora em Londres contou que se consegue, sim, passar muitos minutos caminhando ao lado de indianos e islâmicos.

Em Berlim, um amigo contou que, em viagem recente, visitou uma amiga espanhola que trabalha em uma loja de roupas sem saber falar uma palavra em alemão. Ainda uma europeia, mas mostrando já essa mudança de padrão que faria Hitler se revirar no caixão, caso esteja em um.

O nosso amigo, Rafael Monteiro, que hoje mora no sul da França, comentou comigo que por lá há mais árabes e africanos do que franceses: "o homem caucasiano está sumindo aqui".

Vendo saída de escolas, ainda se constata que só há crianças de cabelos claros e olhos azuis, mas o dia a dia já está dividido com pessoas de outros lugares e a cultura vai se mesclando a isso. Lojas de presentes e de bebidas já são de domínio não europeu.

A xenofobia ainda deve ser bem forte, mas me parece -- ao menos naquele recorte -- que a mistura é algo, além de delicioso, inevitável.

A Cerveja belga!

Apesar de não beber, deu pra perceber como a cerveja é algo muito apreciado e importante na Bélgica. Uma garrafa de água de aproximadamente 250 ml vai te custar, hoje, por volta de 4 Euros e alguma coisa. Uma boa cerveja lá dá pra se comprar por 3 Euros, o mesmo rótulo que chegaria aqui por mais de R$20,00.

O pessoal que viajou comigo e bebia fez a festa quando fomos ao Delirium Café, muito conhecido por possuir o recorde de maior número de rótulos disponíveis de cerveja (quase 2.500) e que fica em um beco escuro e sem saída no coração de Bruxelas. Desse número, eu provei a Delirium Argentum, uma cerveja forte e, sim, bem gostosa.

Outro rótulo que me foi muito bem indicado e acabei trazendo pra alguns amigos foi a La Guillotine, "a guilhotina" pra quem manja dos paranauê.

Tintin em todos os lugares e os quadrinhos belgas

Bruxelas se intitula a capital dos quadrinhos, com uma produção maciça de histórias em quadrinhos e apreciação quase religiosa da arte. Seu maior expoente, o Tintim (junto com Lucky Luke e os Smurfs), aparece em todos os lugares, de museus a murais e livrarias e escadarias e topo de prédios e estações de metrô. A cada cinco minutos, lá está o intrépido repórter e e seu cão aventureiro, o Milu.

Outros tantos murais e desenhos de quadrinhos franco-belgas estão espalhados pela cidade e se pode até seguir um roteiro para ver os quase 50 murais dedicados ao tema, além da Boutique Tintin que vende diversos artigos do personagem e os museus e cafés e galerias com essa temática.

É coisa que não acaba mais.

Quatro dias se passaram e não consegui contato ou maiores informações sobre o Jean-Claude Van Damme ou a técnica de espacate. O jeito é continuar meu treinamento solitário aqui no Brasil.


publicado em 13 de Outubro de 2014, 21:00
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Jader Pires

É escritor e colunista do Papo de Homem. Escreve, a cada quinze dias, a coluna Do Amor. Tem dois livros publicados, o livro Do Amor e o Ela Prefere as Uvas Verdes, além de escrever histórias de verdade no Cartas de Amor, em que ele escreve um conto exclusivo pra você.


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