Uma habilidade a ser desenvolvida desde a infância

Para que uma alfabetização emocional básica seja aprendida e ensinada

A frase “não seja tão sentimental” implica que normalmente não o somos.

A maioria das chamadas jornalísticas pode ser interpretada como respostas emocionais fora de controle: crime, escândalo, corrupção, ganância e políticas ruins.

O fato de que essas ações são dignas de serem noticiadas reforça a ideia de que as emoções são esporádicas e excepcionais, como redemoinhos que surgem ao redor de eventos significativos, tornando uma semana ou um dia algo particularmente maravilhoso ou terrível.

Mas, se você prestar atenção nas suas emoções enquanto lê as notícias, logo fica óbvio que mesmo em nossos momentos mais mundanos – ao ler o jornal segunda-feira pela manhã – estamos sempre envolvidos com as emoções, de um jeito ou de outro. Uma despretensiosa olhada em um jornal por si só produz sentimentos familiares tais como medo, surpresa, desgosto, admiração ou perturbação. Nunca nos encontramos realmente num ponto “neutro”.

Passamos o dia todo vivenciando reações emocionais, mesmo com relação a eventos minúsculos, tais como ouvir o sinal sonoro de que chegou uma mensagem, ou perceber uma mosca no recinto. Nossas emoções nem sempre dominam nossa experiência, mas estão sempre nos afetando, colorindo nossas percepções e opiniões sobre nós mesmos e o mundo.

Isso é como um “peixe na água”, que não reconhece a água justamente porque está totalmente imerso nela – como estamos imersos nos efeitos das emoções todos os momentos de nossas vidas, tendemos a falar deles apenas quando são excepcionalmente fortes.

E mesmo quando não são óbvios, as emoções são a força por trás de tudo que fazemos. São a única coisa que dá importância para nossas experiências. Se cada evento sempre produzisse a mesma emoção, não importando se estamos prosperando ou passando fome, não reconheceríamos esses estados. Todos os nossos valores e morais, todo o sentido que reconhecemos na vida, vem de nosso conhecimento de qualquer um de nós passa por sentimentos muito diferentes.

Vagando num lugar escuro sem um mapa

O que pode soar surpreendente é que não haja um número tão grande de emoções básicas, e que todos nós já vivenciamos cada uma delas várias vezes. Cada uma das emoções teve efeitos bastante previsíveis sobre nós, e esses efeitos são responsáveis por uma enorme parte de nossa qualidade de vida: estão vinculadas a se temos uma vida cheia de confiança ou preocupação, se lidamos bem ou mal com as pessoas, ou se acreditamos que o mundo é um lugar terrível ou bom.

Ainda assim, não fazemos muita questão de entender ou de nos ajustar a nossos estados emocionais. Não damos nem mesmo bola para o fato de que sempre estamos vivenciando alguma emoção, por mais sutil que seja.

Por exemplo, se está ciente de que neste momento o medo está proeminente em você, pode se lembrar de que o futuro provavelmente será mais fácil do que você o imagina agora, não importa o quão próximo do cataclismo se sinta. Se você está ciente de que a raiva é proeminente, pode se lembrar que quando se sente dessa forma, você tende a ser altamente crítico com relação aos outros, e que talvez esteja temporariamente impedido de vivenciar gratidão, e que pode estar tomando seus amigos e apoiadores como garantidos, sem lembrar que eles podem mudar de ideia quanto a você.

Esse conceito poderia ser ensinado até mesmo para uma criança: quando estamos tristes, por exemplo, é difícil lembrar que o mundo não se tornou um lugar triste, embora seja assim que o vemos. Apenas ocorre que estamos vivenciando certos sentimentos que o fazem parecer dessa ou daquela forma para nós.

Pense como ajudaria qualquer garoto ou garota entender – não apenas receber isso como uma informação, mas realmente entender – que a razão para eles dizerem algo agressivo para um colega é porque ele está temporariamente sentindo raiva daquele colega, e não porque aquele outro aluno necessariamente mereça ouvir coisas agressivas.

Sentimentos fortes passam, mas enquanto estão presentes, eles colorem e distorcem nossa visão, algumas vezes profundamente. Tantas coisas tão importantes dependem desse simples fato e de suas implicações, que devia ser algo fundamental em nossa educação, tanto quanto aprender uma língua.

E não é tão complicado assim. Não há um número tão grande de emoções diferentes, e, se transformarmos a observação delas num hábito, é possível aprender suas propriedades bem rapidamente. Essencialmente, passamos nossa vida inteira navegando um pequeno terreno emocional, que contém altos e baixos bem conhecidos, e ainda assim, não usamos um mapa. Temos um sentido de querer ou não estar ali, mas não pensamos muito no nome da região, como chegamos nela, e o que sabemos sobre ela.

Em 1980 o psicólogo Robert Plutchik identificou oito emoções básicas, e expressou seus relacionamentos básicos numa roda:

Alegria, confiança, raiva, medo, nojo, surpresa, tristeza e antecipação

 

Ele então expandiu a roda para mostrar as emoções em seus diversos níveis de intensidade, e algumas das combinações possíveis.

Otimismo, amor, serenidade, interesse, aceitação, agressividade, antecipação, alegria, confiança, submissão, vigilância, êxtase, admiração, perturbação, raiva, ódio, terror, medo, apreensão. Desprezo, nojo, aversão, mágoa, espanto, surpresa, assombro, tédio, tristeza, distração, remorso, reflexão, desaprovação

 

 

Não acho que seja um mapa perfeito, e há algumas críticas bem conhecidas. Antecipação e surpresa parecem opostos diretos, mas medo e raiva não. E orgulho também talvez devesse ter seu lugar nesse diagrama.

Para nós, o que é mais valioso com relação a esse diagrama, no entanto, não é o relacionamento entre as emoções, mas o fato de que ela nos dá uma lista pequena e razoavelmente completa deles. Podemos saber, pelo menos em algumas circunstâncias, mais ou menos onde estamos nesse território bem conhecido, podemos mitigar muito dos efeitos distorcedores e contraproducentes das emoções, ao meramente lembrar de como tendem a ser esses efeitos.

Há, como na roda de cores, infinitos tons e nuanças. Quando se está assistindo uma baleia nadar por baixo do barco onde se está, você pode sentir surpresa, mas também alguma apreensão. Esses tons é que criam muito da riqueza da vida. Não estamos apenas presos em uma das oito vagas de estacionamento emocionais num dado momento.

O ponto é que sempre estamos em algum lugar no reino das bem conhecidas emoções humanas, e pode ser muito útil saber exatamente onde. Que região geral, pelo menos. Cada região é hospitaleira para com certas qualidades, e hostil para com outras. Na região da raiva, por exemplo, a compaixão não acha espaço, mas a atenção pode aumentar muito.

Olhe também para as lentes

Quando somos capazes de identificar a emoção proeminente num dado momento, menos provavelmente projetaremos as características daquela emoção na própria situação, ou no mundo inteiro. Se você está se sentindo incomodado, mas não está realmente ciente disso, outras pessoas podem parecer mais insensíveis e apáticas do que geralmente, e você pode culpá-las por isso, mesmo que seja você que mudou, e não elas.

A maior parte desse ajustamento significa apenas saber que emoção está ocorrendo, e o que cada uma delas faz com nossa experiência. Quanto mais refletimos sobre nosso estado atual, mais aprendemos sobre as tendências das emoções e como elas nos afetam.

Quando a raiva está presente, tendo a ficar cínico. Me preocupo com o egoísmo aparente dos outros, e minha mente busca por razões para condená-los. Fico hiper vigilante quanto a minhas crenças, e fica quase impossível considerar novos pontos de vista.

Quando a tristeza está presente, tendo a ver a adversidade como algo mais permanente do que realmente é. Parece que é o próprio mundo que está triste. Eu menosprezo minha liberdade de mudar as circunstâncias, e algumas vezes esqueço que tenho qualquer tipo de liberdade. A gratidão parece impossível, mesmo que eu reconheça coisas pelas quais eu deva me sentir grato.

Quando o medo está presente, eu tendo a me preocupar com as dificuldades potenciais de cada evento à frente. Exagero as chances de fracasso, ao ponto de até mesmo esquecer que o sucesso seja uma possibilidade real. Minha mente tende a buscar por desculpas para hesitar em vez de agir.

As emoções funcionam realmente como lentes de óculos. Suas “lentes de medo” podem aumentar a nitidez e aumentar as imagens problemas e dores futuros, enquanto que imagens de alegria e alívio futuro, com essas lentes, saem de foco, ou nem mesmo aparecem. Suas “lentes de admiração” podem conferir certo brilho intenso a certas pessoas e suas ideias, e obscurecer o foco de seus defeitos.

Ajuda muito saber por que lentes, em dado momento, se está vendo o mundo. Desse jeito você pode vir a reconhecer intelectualmente o que não está vendo, e o que está sendo exagerado. Se reconhecer o medo, você pode lembrar de reconsiderar o aspecto recompensador de fazer aquilo que você teme. Se reconhecer o êxtase, você pode lembrar de que o sentimento é temporário, e que a coisa que o deixa extasiado pode não ser algo em que valha a pena basear toda sua vida.

O que estou defendendo aqui é que uma alfabetização emocional básica seja aprendida e ensinada. Como essas oito ou dez emoções básicas nos afetam? Qual é mais saliente? O que se precisa lembrar a si mesmo a cada momento?

As emoções humanas definem a qualidade de nossas vidas, e o mundo em que vivemos. Um pequeno aumento em termos do discernimento quanto a isso faz muita diferença, e se aplica a quase tudo que fazemos. Se no ensino médio eu soubesse identificar e responder à perturbação e apreensão, por exemplo, provavelmente eu teria melhores notas em matemática e português, e em tudo mais.

 

publicado em 25 de Julho de 2015, 00:00
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David Cain

David Cain escreve no Raptitude, um blog que oferece um olhar sobre a experiência humana.


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