[18+] Uma âncora chamada luxúria

Lívia reluzia tanto que cegava Bruno de paixão. Tão lúcida era ela, que o fazia inseguro. Líquida, espalhava-se sobre seu corpo, derramando prazer no torso nu do rapaz que chamava de homem. Numa sala cheia, Lívia era um detalhe. Um detalhe tremendamente bonito. Seus olhos eram miúdos, a boca carnuda, os cabelos vigorosamente negros. Escondia, em meio à beleza inquestionável, sua timidez. Gostava de música clássica e de Beirut. Sua pele branca ficava dourada no verão, passado invariavelmente em Maresias. Ria quieta, mas sempre que ria mostrava a totalidade dos dentes brancos.

Amava intensamente seus poucos homens. Bruno era o terceiro namorado, o sexto amante, talvez o quadragésimo beijo. Não contava. Para ela importava o presente – o passado era tão importante quanto um sonho ou um livro de ficção. Quem poderia garantir que o passado realmente existiu?

Trabalhavam juntos num estúdio de design. Ela era perfeitamente minimalista e ele gostava de referências, cores e complexidade. Quando Bruno abandonou a ex-namorada possessiva, passaram a flertar por Gtalk.

brunomatisse: E a convidada de hoje do nosso Show do Milhão é a bela Lívia Zaneti.
Lilidesign: Convidada?
brunomatisse: Zaneti é de que região da Itália?
Lilidesign: Do meio.
brunomatisse: Ou se é do norte da Itália ou se é do sul. Quem diz que é do centro deve ser da Sicília.
Lilidesign: Seu chato, todo ítalo-brasileiro fugiu da pobreza do sul da Itália. :-D
brunomatisse: Vamos começar: Qual sua banda favorita, Beatles ou Stones?
Lilidesign: Beatles. Quem diz que Stones é melhor tem dezoito anos.
brunomatisse: Ótima reposta. Você gosta mais de música, cinema ou literatura?
Lilidesign: Música, fácil. Não leio muito...
brunomatisse: 100 pontos! Seu filme favorito de mulherzinha?
Lilidesign: Eu não gosto de filme de mulherzinha. Eu gosto de Pi. Sabe qual é?
brunomatisse: Mano, se eu sei? Ganhou 300 pontos. Pra você faturar nosso prêmio máximo só falta uma resposta.
Lilidesign: Nossa, tô ansiosa pra saber qual é o "prêmio máximo". :-P
brunomatisse: Aquele homeopata que você tava saindo...
Lilidesign: Terminamos faz uns dois meses.
brunomatisse: Parabéns, você ganhou um jantar comigo. Escolha o dia para retirar seu prêmio ;-).

Bruno sorvia a timidez de Lívia em goles prazerosos. Ela tinha pontuado mais que qualquer outra em seu teste do milhão. E as curvas da designer valiam bônus extra. Você sabe o que é ter alguém em suas mãos cujos poros da pele são ímãs de veludo que atraem seu corpo? Um corpo que parece ter sido extraído não da sua costela, como na história de Adão e Eva, mas do seu sexo, e em cujo sexo encontra o encaixe perfeito? São pessoas assim que fazem a gente acreditar que, em meio a Big Bang, genes malucos, evolução e espécies se extinguindo, por um acaso, um verdadeiro milagre do destino, você tem um companheiro. Algo a que os bregas chamam alma gêmea, para simplificar esse blá, blá, blá.

Em toda perfeição pesava um efeito colateral: nenhum mortal segura por muito tempo o fardo de ficar com uma deusa escapulida do Olimpo. Além de falar francês, ter a tatuagem certa de Yellow Submarine no braço, tocar flauta transversal e ganhar mais que Bruno, Lívia encarava o sexo como um bem básico para a existência. Ela amava sentir o membro quente do companheiro rasgar sua pele em estocadas rápidas que lhe provocavam orgasmos. Múltiplos. Bruno precisava trazer aquela miragem para o mundo de carne e osso dos homens. Precisava sujar Lívia.

***

Os lábios carnudinhos da moça rodeavam o pênis circuncidado do amante. Seus olhos estavam fixos na cara de Bruno. O gozo não vinha. Ele pensava no filme pornô a que assistira ontem. Três homens e uma grávida. Quanto mais baixo melhor. Nada. A boca trabalhava muda. O gozo entupido.

— Vadia!

Um tapa estalou na face de Lívia. Seus olhos encheram-se de lágrimas.

— Amor?

— Cachorra! Você gosta de foder? Então eu vou te foder!

Sua mão chicoteava a face da amante. Empurrou-a de costas na cama, virou sua bunda pra cima e enfiou fundo, enquanto enchia o ouvido de Lívia de perversões. O gozo espirrou de dentro da alma e o fez rolar da cama. O que Bruno não esperava é que Lívia estivesse mais molhada do que nunca.

***

— Você já transou em público?

— Hum… Meu ex gostava de me comer no elevador do prédio…

— Porra, no elevador? Não tinha câmera?

— Ah… Tinha. A gente gostava. O porteiro sempre olhava pra gente com cara de safado. Acho que ele sonhava em participar.

— Cara, eu vou te comer onde nunca ninguém te comeu. Já trepou no estacionamento do trabalho?

— Não…

— Na piscina da tua mãe?

— Não…

— Na cama da sua mãe?

— Não…

— Se prepara!

Agora o anjo tinha uma asa torta. E quanto menor a asa de Lívia, maior  sua bunda. Era isso que pensava Bruno. Quanto mais sua mulher transformava a timidez em luxúria, mais aquele jogo o excitava.

— Coloca a camisola da sua mãe…

— Ah, meio bizarro, não, amor?

— Na cama vale tudo, é só faz de conta.

— Acho estranho a gente aqui na cama dos meus pais. Essa foto dos dois abraçados…

— Foto brega, né? Toda posada... Fecha o olho.

Mas ele não fechou. Entrava no corpo de Lívia – por trás – olhando fundo nos olhos da fotografia da sogra.

***

O samba estava bem alto. Tocava música dos negros que os brancos decidiram que era boa. Cartola, Paulinho da Viola, Martinho da Vila… Comemorava-se o aniversário de Fernanda, melhor amiga de Lívia. Ela e o namorado, Luciano, eram o casal mais descolado e harmonioso da turma, um exemplo. Só que passavam por pequenos percalços na vida sexual:

— Eles estão tão tristes…

— Por quê?

— Eles não transam faz mais de dois meses. Bizarro, né? Muita pressão.

— Se fosse eu já tinha metido um filho na Fê.

— Tarado.

— Pô, ela é meio baranga, mas é bem gostosa, tenho certeza de que ela curte sexo.

— Ela gosta muito.

— Não te falei?

— Fode ela.

— Quê?

— Duvido que você coma a Fê no banheiro.

— A Fê? Você tá louca? Ela é sua amiga…

— A Fê sempre pegou meus ex, ela sempre dá em cima de quem eu tô a fim.

— Nossa, eu não sabia… Ela deve ser a fim de você, então.

— Poder ser, pena que eu não gosto de mulher. Você gosta. Fode ela. E depois me fode. Vou chupar seu pau inteiro com o gozo da minha amiga.

— Lívia, você tem certeza? Você não vai ficar triste?

— Olha só, seu pau tá durinho. Fode ela no pelo. Sem camisinha. Quando ela sair do banheiro eu vou entrar e te deixar duro de novo. Olha como ela te olha… Eu amo a Fê, mas ela é uma vaca.

— Caralho, será?

— Se você não for, eu vou resolver o problema do Luciano de outro jeito.

Não parecia a Lívia falando, mas era. Alguma coisa tinha quebrado dentro dela. E Bruno sabia que não tinha mais volta. Lívia passou a querer, cada vez mais, mulheres na cama dos dois. Uma prostituta da Augusta, uma casada no clube de swing, a melhor amiga do Bruno. Chegou a sugerir que dormisse com a irmã mais velha do namorado, mas ele se negou. Quanto mais suja, mais tentadora. Quanto mais tentadora, menos perfeita. Quanto menos perfeita, menos pressão. Quanto menos pressão, mais medo. Medo? É, medo. Até onde uma mulher com tesão pode chegar?

***

O quarto era pequeno e abafado, o verão veio quente e o ventilador quebrado estancava inerte. O abajur de bambu e pano iluminava as silhuetas digladiando-se, carne esfregando na carne, corpo colado no corpo. Johnny Cash, em um quadro pregado na parede, observava tudo. O piano de Bruno completava a mobília junto com a velha cama de sua avó.

— Me conta uma história sua.

— Que história?

— Uma história sua de sexo.

— Hum… Eu dei pro homeopata na escada de incêndio do prédio dos meus pais.

— E ele gozou forte?

— Hum… Demorou muito, primeiro ele estava meio brocha. Aí eu chupei bastante.

— Ele gozou?

— Não; ele ficou de pau duro, eu empinei minha bunda e abaixei bem as costas. Ele veio por trás e enfiou aquele pau…

— O pau dele era grande?

— Muito.

— Maior que o meu?

— Era…

— E você?

— Gozei muito forte.

Bruno gozou. Mas a cena não saía da sua cabeça. Sua mulher. Sua princesa. Sua deusa grega. Onde ela estava? Por que ela tinha chupado aquele idiota? O pau do cara era maior? Ela sentia mais prazer com o homeopata babaca? Ele nunca iria satisfazê-la por inteiro? Que merda! Por que tinha se metido naquele jogo? O corpo estava enfiado até o pescoço na lama; mais um pouquinho, ia ficar difícil respirar.

— Bruno, acho melhor a gente não falar dessas coisas. Você não vai aguentar. Homem é fraco, faz pose de tarado, mas “noia” só de saber que mulher se importa de verdade com tamanho do pau.

— Não, tudo bem. Eu fiquei excitado. Você ficou chateada por eu querer ouvir essas coisas? Achou bizarro?

— Não, eu não ligo. Se você quiser me ver transando com outro cara, eu não ligo.

— Você gostaria de transar com outro cara?

— Ah, se você não ligasse, ia ser o mundo perfeito…

— Mas você não ia achar ruim, no dia seguinte?

— Sei lá…

***

Bruno assistia, de dentro do armário, a cada movimento do clichê de macho que rasgava Lívia ao meio. Um metro e noventa, cabelo raspado, negro, o maior pênis que ele já tinha visto na vida. Doía cada vez que percebia que o tesão da mulher, que era sua, podia escorrer pelo corpo de outro homem. Doía ver que a boca, que era sua, se encaixava no membro de outro homem; que as mãos delicadas, que seguravam as suas pelas ruas de São Paulo, arranhavam os músculos de outro; que os seios tão pequenos, que ele tanto desejara e brigara para conseguir ter em sua boca, haviam sido dados de bandeja para que aqueles lábios estranhos os engolissem sem amor. A cabeça havia afundado os três centímetros fatais em direção ao lodaçal.

Quando o Otelo erótico se deu por satisfeito, Lívia, dolorida, o levou até a porta. Ele quis beijar-lhe a boca, mas ela lhe ofereceu o rosto. O corpo havia tido vigorosos espasmos de prazer, mas a alma parecia estilhaçada. Foi tomar um banho demorado para tirar o cheiro e as lembranças que grudavam na pele. Só então se lembrou do namorado no armário. Abriu a porta ansiosa para saber o que Bruno sentia. Mas não encontrou homem no interior daquele móvel escuro. Quem saiu de lá foi um pequeno rato branco, ansioso por fugir da luz reluzente que cegava seus sensíveis olhos vermelhos.


publicado em 15 de Dezembro de 2012, 22:14
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Fred Di Giacomo

Fred Di Giacomo é escritor e jornalista multimídia; criador do Glück Project – uma investigação sobre a felicidade; autor do livro “Canções para ninar adultos” e criador de newsgames como Science Kombat. Nas horas vagas, toca baixo na Bedibê.


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