Você já traiu sendo traído? | Do Amor #27

Só queremos evitar o sofrimento que o ciúme pode trazer quando vemos nosso amor com outro ou com outra

Gostou muito do bombom de menta colado no travesseiro. Deu aquela volta pra conhecer o quarto, olhou pela janela para ver a vista que dava pra rua enquanto se despia daquele social perverso no calor. Gravata, paletó, desceu os centímetros empregados pelo pequeno salto do sapato preto. 

Sentado na cama, fez a ligação. Aguardou dois toques e depois três, tinha essa mania de contar as chamadas sonoras ao telefone. Oito, nove e a voz metálica avisando que estava sendo encaminhado para a caixa postal e teria a incidência de cobrança depois do sinal. Desligou, olhou para a tela do celular para ter certeza se era a foto dela aparecendo e não uma chamada feita por engano. Deu de ombros e ligou a televisão. A mensagem dela apitou com o sonoro beijinho que ele gravou e aplicou como sonorização oficial do amor. "Oi, tô num restaurante tão chique que não tenho coragem de atender e falar em público". Ele sorriu, posicionou-se melhor na cama e respondeu. "Jura? Acabei de subir de um jantar todo requintado. Tava bem gostoso".

Puxou o computador do criado-mudo pra repassar os materiais que precisaria para os próximos dias de trabalho. Começou a viajar bastante nessa época de campanha, situação que poderia ser danosa para um relacionamento bom já de anos. Para manter o frescor, mantiveram proximidade nas conversas, deixaram clara a noção de liberdade de cada um, abriram caminho para uma relação sem as picuinhas que o distanciamento de quando em quando quer trazer. Em vez de ciúmes, promoviam no dia a dia o ideal de serem felizes com as conquistas do outro, buscaram impulsionar a capacidade de se alegrar com isso. Ela perguntou se a comida estava boa e ele afirmou que o vinho foi a melhor parte. "Amor, você acredita que a sommelier deu em cima de mim?". Ela riu e pediu pra ele explicar como foi a situação. "Pois é, pegou no meu braço e tudo, deu aquela risadinha quando eu contei uma daquelas piadas bobinhas sobre eu ser suscetível a elogios". Ela devolveu mais risadinhas repetidas típicas de trocas de mensagens e o elogiou. "Mas você é bem gostoso. Se eu fosse uma sommelier, daria em cima de você no meu restaurante". Ele colocou o computador de lado, as duas mãos no aparelho celular. "Poxa, e ela era bem gatinha, viu". "Pois cuidado", ela lhe respondeu, "vai ser seduzido aí no meio do trabalho, hein", chegou a mensagem com uma carinha de língua de fora. Sapeca. 

Ele olhou para o relógio e ia dar dez. "Será que ela larga agora? Dava tempo de voltar lá e convidá-la para vir comigo aqui, né. Ela podia me esquentar enquanto você tá aí longe, né". Ela mandou um "hmmm" e seu peito deu uma estufada significativa. Ele olhou para a porta de saída do quarto, para o relógio, o celular. Decidiu que, assim que encerrasse a conversa do dia com sua garota, iria correndo lá embaixo ver se ainda teria chances com a mulher do restaurante. "Mas, ei, você disse que está num restaurante chique. Aproveitou minha saída pra encontrar as amigas?". "Não, queria aproveitar pra conhecer coisa nova. Vim sozinha". Ele botou de volta o computador no colo, mas não o abriu. "Olha só. Muito espertinha. Vai me contar da comida depois?". "Olha, eu te contaria agora, mas tem um cara aqui no bar que tá me comendo com os olhos há uns bons minutos, viu". Os polegares dele não se mexeram muito, digitaram três letras aleatórias e se afastaram da tela. "Você sabe que eu não sou muito de olhar pra homens mais novos, mas ele é um garotão bem decidido. Não fraquejou o olhar até agora". Ele lia a mensagem dela com sorriso na boca e mandando uma gargalhada em letras repetidas na mensagem, mas seus olhos não acompanhavam o escárnio, os músculos se contraíam na direção do globo ocular como se o ajudassem a enxergar melhor. "Juízo, hein", ele mandou já no arrependimento. Mandou mais uma risada e duas carinhas sorrindo, uma com lágrimas de risada no canto do olho. 

Faltava-lhe o cuidado de cirurgião. Suas mãos ficaram moles, os pulmões eram dois embrulhos, vazios. "Mas é daqueles restaurantes cheio de taças? Tá numa mesa grande?. "Ele deve ser muito danado. Acabou de apontar o copo de bebida pra mim. Será que é um convite?". Ele erra as palavras e o corretor piora montando frases desconexas. "Ai, eu fiz uma coisa tão errada agora", ela mandou. "Acabei de chamar ele pra cá, nem sei por quê. E ele tá vindo!". "Mas só que Tá acobgevdk?" foi a resposta dele. "Não entendi, querido. Deve ser o vinho né. A sommelier lá te deixou foi altinho, né. Olha, eu vou te deixar descansar e ver o que dá nessa loucura aqui. Um beijo!".

Ele mandou mais duas mensagens com joinha e cara de espanto, mas não notificou mais o recebimento. Buscou distração nas planilhas e apresentações do trabalho, mas mantinha o celular no joelho, sempre batendo o dedo para a tela não escurecer. Uns vinte minutos depois pipoca a mensagem. "Ele foi ao banheiro. Nossa, você não faz ideia de como ele é, digamos, interessante. Ele é escritor, acredita? Nunca tinha conhecido alguém assim, que escreve. Super engraçado, você ia adorar ele". Ele viu a mensagem, mas não abriu pra não chegar notificação de visto pra ela. Preferia parecer que já estava dormindo. "Amor, tô saindo do restaurante". "Indo embora". "Você não imagina". "Eu tô indo pra casa dele!". "Ele disse que quer me mostrar umas coisas que escreveu". "Acho que alguém vai se dar bem hoje!". Ela mandou um bonequinho rangendo os dentes. Danadinha.

Ele desligou o celular. Saiu pela manhã bem cedo. O garoto que arruma os quartos teve que pedir um travesseiro extra pra trocar. O do lado que ele dormiu estava todo molhado. 

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publicado em 11 de Março de 2016, 00:10
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Jader Pires

É escritor e colunista do Papo de Homem. Escreve, a cada quinze dias, a coluna Do Amor. Tem dois livros publicados, o livro Do Amor e o Ela Prefere as Uvas Verdes, além de escrever histórias de verdade no Cartas de Amor, em que ele escreve um conto exclusivo pra você.


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