Geração wireless: férias e trabalho, ao mesmo tempo, o tempo todo

Neste exato momento (uma tarde de sábado), estou escrevendo este texto sentado em uma das confortáveis poltronas do Starbucks mais próximo à minha casa, com vista para a bonita Alameda Santos, em São Paulo. O "café" custou perto de dez reais, mas o Wi-Fi – o real motivo de eu ter vindo até aqui – é de graça. Eu estou trabalhando.

Exatamente da mesma forma que eu estou escrevendo aqui em São Paulo, na Alameda Santos, eu poderia estar fazendo isso na Quinta Avenida de Nova York, nas Ramblas de Barcelona ou em algum hostel com vista para a Baía de Sydney. Eu faço parte da geração wireless.

Talvez você faça também, e nem saiba.

Kickstarter | Documentário atualmente em produção, financiado pelo Kickstarter

Você realmente precisa ir até o trabalho?

Eu tenho um amigo, programador, que vivia reclamando do trabalho. Chegava em casa frustrado a ponto de racionalizar a sua situação usando algo que ele chamou de “teoria dos altos e baixos”: ele abraçava a tristeza e a depressão durante o expediente, tendo a certeza de estar simplesmente vendendo horas da sua vida sem nenhum ganho não-monetário, unicamente para que, quando a noite chegasse, ele pudesse “virar a chave” e curtir um estilo de vida hedonista e inconsequente até as primeiras horas da madrugada.

Como eu sempre disse a ele, isso não se sustentou. Assim que ele percebeu que poderia realisticamente fazer isso (demorou bem mais do que deveria), ele pediu as contas, abraçou projetos particulares e trabalhos de freelance e passou a não precisar mais ir para a empresa.

Com suas próprias mãos, fez as mudanças necessárias para que pudesse trabalhar a partir de qualquer lugar. E esse “qualquer lugar” acabou sendo Nova York, por três meses, só para começar bem. Agora já está planejando seus meses na América do Sul e na Europa. Ele não está de férias, está trabalhando.

Não que faça muita diferença hoje em dia.

Minha experiência

Eu hoje estou envolvido com o PdH, com o QG e com a convivência entre as diferentes partes humanas que movem essa máquina, mas ano passado mesmo eu estava em outro emprego, trabalhando remotamente, e decidi experimentar essa coisa de trabalhar não em casa, mas no mundo.

Passei meu apartamento, com aluguel e contas, para um amigo (curiosamente, o mesmo sobre o qual acabei de falar), e fui. Vendi alguma coisa para comprar a passagem, e de resto ficou elas por elas: o que eu gastava com aluguel, contas e comida em SP, eu passei a gastar com hostel, passeios e comida na Europa. Morei por algumas semanas em Lisboa e Barcelona, além de visitar Madrid, Stuttgart e Berlim. Eu não estava de férias, estava trabalhando.

Não que fizesse muita diferença.

Yes!Lisbon Hostel
Hostel Yes!Lisbon, de frente para uma ruazinha tranquila em Lisboa. Já trabalhei aqui

Checklist: você está pronto para embarcar?

O trailer no início desse texto, do documentário Wireless Generation (ainda em produção), afirma que, de 2005 a 2009, nos EUA, aumentou em 61% o número de pessoas trabalhando remotamente. Até 2016, esse número chegará a 63 milhões de americanos – ou seja, um em cada cinco. De 41 a 47% dos empregos por lá já são, hoje, compatíveis com trabalho remoto.

Seria burrice pensar que esses números valem para o Brasil, assim como seria ingenuidade pensar que a tendência não vale.

Talvez você esteja aí pensando “ah, cara, que bom que isso é possível pra cada vez mais pessoas, mas para mim não é”. Existe uma chance bem grande de que isso seja verdade. Mas também existe uma chance considerável de que, assim como eu e o meu amigo alguns meses antes de viajar, você esteja numa posição em que isso está bem mais próximo de ser possível do que você imagina.

A seguir, a lista de coisas necessárias para sair de férias e conhecer o mundo enquanto trabalha. Pegue uma caneta de lousa e vá marcando X nas caixas conforme lê (o seu monitor vai ficar bem, confie em mim):

[   ] 1. Você é capaz de realizar todo o seu trabalho em um notebook ou outro aparelho portátil.

[   ] 2. Você é capaz de convencer o seu chefe a te pagar para trabalhar fora do escritório, ou então está disposto a mostrar o dedo do meio para ele e ir atrás de algum chefe ou cliente que não se importe com isso.

[   ] 3. Você é capaz de se livrar das suas coisas no Brasil, arcar financeiramente com elas durante uma viagem ou repassá-las para alguém (alugar seu apartamento, por exemplo).

[   ] 4. Sua presença física constante não é de importância vital para outra pessoa que não possa ir com você.

[   ] 5. Você se vira minimamente bem com inglês, com a língua do país para onde pretende ir ou com a linguagem universal da cara-de-pau.

[   ] 6. Você tem estrutura emocional o bastante para ficar longe de tudo e todos que te conhecem por alguns meses.

Provavelmente você marcou algumas dessas caixas, mas não todas. A questão é pensar bem se as que você não marcou podem ser marcadas se você mexer em alguma coisa na sua vida.

Eu, por exemplo, não achava que seria financeiramente capaz de sair do Brasil (item 3), e tinha certeza que não teria estrutura emocional (item 6), mas conseguiram me convencer de que isso poderia ser arranjado. E foi. E eu fui.

Nós fazemos parte da primeira geração para a qual isso é uma possibilidade real. Para a qual conhecer o mundo não é exatamente privilégio daqueles que podem tirar férias longas e ganham uma quantidade ridícula de dinheiro (eu fui com um salário de menos de R$2.500).

E aí, o que falta para você encarar essa?


publicado em 02 de Setembro de 2012, 06:42
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Fabio Bracht

Toca guitarra e bateria, respira música, já mochilou pela Europa, conhece todos os memes, idolatra Jack White. Segue sendo um aprendiz de cara legal.\r\n\r\n[Facebook | Twitter]


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