Thiago e os Quase Quinze: "o homem jaca roubou minha mulher"

Vocalista e líder da banda Thiago e os Quase Quinze, Thiago Pires tem bem mais de 15 amigos ao redor produzindo, tocando e criando música há mais de 15 anos. Mais que uma coincidência, o número é sonoro. E sonoridade é a preocupação que mais toma o tempo de Thiago – que vive reclamando justamente que a vida está corrida demais.

Nascido em Santo André, ele já foi estivador por um dia em Amsterdã, mas ganhou mais dinheiro como “street artist” no tempo que morou na Europa. Também foi protético (“tem muito velhinho por aí com dentadura que eu fiz”), já elaborou catálogos de ferramentas e exerceu outras profissões nada convencionais enquanto buscava alguma segurança financeira para trabalhar com música.

A segurança não veio, ele continuou duro, e resolveu meter o pé (e as mãos) no microfone de vez. Sorte nossa.

Link Youtube | Clipe de Quem também quer saber

No começo de setembro, a banda lançou o clipe da música “Quem também quer saber” na MTV e no Youtube. O vídeo tem produção da BossaNova Films e roteiro de Chico Gomes e impressionou um público novo, bem além dos limites do ABC paulista.

O vilão do clipe é um elegante homem jaca, vestido de terno – uma referência ao encarte do disco, que tem a jaca como ícone.

“A ideia começou quando pensamos que a maçã permeava a história da humanidade – de Adão e Eva ao Steve Jobs, passando por Isaac Newton e os contos de fada, tudo tem uma maçã envolvida. Aí decidimos mudar o ícone e chegamos na jaca que, apesar de origem indiana, é bem brasileira – tem até as cores da bandeira, tem doçura por dentro, espinho por fora, é pesada...”, explica Thiago.

Consegui que ele arrumasse um intervalo para falar com o PdH uma hora antes de mais um ensaio para o show de lançamento do 1º disco, que leva o nome da banda, e acontece sábado, 21 de setembro, no MIS (av. Europa, 158, Jardim Europa, São Paulo, às 19h).

Entrevista rápida para falar de música independente, de viver de arte, dos rumos do ser humano na internet e de futebol. E descobrir que Thiago, de quem sou amiga há mais de 15 anos, tem sempre uma novidade em sua personalidade inquieta, serena e genial.

Como assim, o álbum não está disponível na internet para download?

Isso vai acontecer, mas no futuro. O disco físico foi muito bem trabalhado, gravado em um estúdio bom e precisamos de um retorno financeiro para pagar os custos disso. Mas as músicas estão no Youtube, no Soundcloud e também pode ser comprado na internet.

Mas a divulgação na internet é mais rápida, se a ideia é se tornar uma banda conhecida...

Mas é possível divulgar, estamos conectados, dá pra ouvir conectado. Só que temos um disco físico que está bem acabado e precisamos fazer dinheiro, pelo menos para pagar as dívidas.

Qual seu objetivo hoje?

Conseguir viver disso. Cada um dá seus pulos, fazemos o que precisamos fazer, mas é difícil viver disso. O plano hoje é ser ouvido.

Então a internet, baixando de graça, seria um canal interessante...

Tem duas questões: popularizar e não perder a capitalização. Nossa música precisa se bancar.

Qual foi a importância do festival (de bandas, realizado em janeiro, no MIS, e do qual eles saíram vencedores)?

O disco ia acontecer de qualquer forma, mas o festival foi decisivo. Tocar no MIS e abrir para a Blue Bell, uma artista tão legal de trocar figurinhas... Fora que esse festival levou ao clipe (a premiação do festival era um videoclipe idealizado pela Bossa Nova Films, que foi lançado no começo de setembro).

Pudemos fazer algo que não poderíamos bancar – somos uma banda independente. O festival garantiu o selo de aprovação de artistas bacanas como a BlueBell, o Projota, Karina Buhr, Gil... E o clipe vira um produto. O show é o momento mais importante da nossa arte mas, para isso acontecer, precisamos ter o produto.

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E o produto não deixa de ser arte...

Não. Tem conceito embutido e uma preocupação artística grande. Quem vê entende como obra de arte.

Mas o que é arte?

Ai... (para de falar por uns segundos). Acho que é mandar seu recado. Dar sua contribuição para transformar... Ah, esquece isso. Arte é para dividir ou transformar uma realidade.

O que te inspira?

Ando vendo muito filme sobre artistas que eu não conhecia, gosto de histórias dramáticas. Me interesso por filmes biográficos. Gosto de histórias tristes, como as do Syd Barrett e do Nick Drake, que são uns caras malditos. É uma pena só ser reconhecido depois de 40 anos. A gente demorou para sacar a deles, que morreram desgostosos.

Por que? Você se identifica?

Espero que não! Espero que eu não me foda tanto. E também aceito a condição de que não sou tão genial para ser compreendido depois de tanto anos.

Quais os temas que são mais recorrentes em suas músicas?

O disco atira pra todo lado. É muito pouco político, mas bastante romântico, sem ter uma musa. É romântico pelo exercício de falar sobre a terceira pessoa sem que ela exista.

“Cismado” foi um plano meu e do Gabriel Naldi (parceiro de Thiago desde a adolescência) de montamos uma história. Não era um sentimento. Já “Um assovio qualquer”, que não está no disco, mas tocamos no show, é a questão de se entender num mundo tecnológico e solitário com presença tão constante de tanta gente, mas tão ausente ao mesmo tempo.

A questão de se forçar a ter uma postura esperta e sagaz na internet quando buscamos uma coisa mais simples, como andar de mão dada. No final, o que se quer é andar de mão dada.

Você tem bloqueio criativo?

Quando eu estou muito bem, não crio muito. Ando criando pouco.

Ostra feliz não faz pérola...

É. Não sai, preciso estar meio atormentado. Embora tenha músicas leves, como várias do disco.

Mas o processo de criação é um exercício de disciplina ou é mais psicografado?

Tem momentos em que veio algo na cabeça e pronto, nem sei de onde saiu. Mas às vezes tenho um verso por meses e preciso me forçar a criar em cima dele. Aí precisa de disciplina pra fazer essa música.

Essa é a parte mais difícil?

Ô. Fiz muita dentadura para ganhar dinheiro. E enquanto você está fazendo dentadura, não escreve. Quando está fazendo um catálogo de ferramentas, não escreve. Sempre achei que precisava ter mais segurança na música para ter mais disciplina. Mas hoje estou ganhando menos e sendo mais feliz. Esperar pra movimentar sua vida a partir da segurança financeira é um erro.

Mas a gente precisa comer...

Precisa, mas para conseguir essa segurança precisa dar o salto de fé. É um tiro no escuro e é contraditório. Mas demos o tiro e fizemos dividas. Contraditoriamente, pode me dar segurança. E realização, acima de tudo.

Você já pensou em desistir?

Eu quase montei um laboratório de prótese dentária! Arriscar o tempo todo cansa, preciso de estabilidade. Quando comecei a pensar nessas coisas, bateu um desespero e fui atrás do que queria mesmo. Ironicamente, foi aí que as coisas começaram a acontecer.

Qual a parte que você mais gosta?

Em você? O cabelo.

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Não, no teu som.

Eu gosto das músicas tristes. Sinto saudades de fazer músicas tristes, mas não sinto saudade do que eu sentia. Gosto das pesadas, de barulho, de porrada, mas eu gosto de Cauby Peixoto. É claro que é legal fazer música brasileira, ter músicos ao meu lado que podem tocar trash metal e bossa nova.

Não é uma imposição nossa, mas enfiamos ritmos brasileiros, é algo que flui, ainda que o rock seja o norte. “Eu quero mais que coisas” tem uma tarantela com distorção, isso sai sem querer... a fusão de gêneros é algo que acontece e pensamos: "poxa, ficou bom".

Samba aqui é legal, mas vamos desconstruir esse samba também. Gosto de moda de viola, acho que baião casa bem com muitas coisas, gosto de folk também.

Quantas bandas você já teve?

Mestre dos Magos (banda de pop rock criada nos anos 90 no ABC) e Thiago e os quase 15. Fui muito fiel. Acho que não sou promíscuo musicalmente, mas toco com muita gente, troco figurinhas.

Já sentei com você para fazer música, já toquei trash metal com o Rafa Grassi, nosso guitarrista. Teve um momento que pensei em entrar na noite, tocar voz e violão nos bares, mas esse repertório de barzinho é deprê demais.

Se eu quiser tocar Alceu Valença, tem de ser “Morena Tropicana”. Por que não posso tocar “Na primeira manhã”, que é linda? É muito triste quando você gosta dos artistas e não consegue tocar o que quer. Desisti.

Mas você fez o esquema voz e violão no tempo que morou na Europa...

Putz, fiz! Tocava na porta do supermercado com gente tacando moedas. A primeira moeda foi uma mulher de burca. Achei tão bonito, tão simbólico, porque eu só via os olhos dela e vi aprovação. Acho que aquela mulher me deu aval pra fazer isso e de lá pra cá me soltei bastante, apesar de ser tímido.

E outra: lá eu tocava o que eu queria. Aqui seria um porre mandar “Sétimo Andar”, dos Hermanos, “London London”, do Caetano, “Perfect Day”, do Lou Reed... eu só tocava o que eu queria.

E você percebe sua evolução como front man?

Sim, é estranho. Não sei se teve uma situação emblemática, quando eu saquei que fiz uma renúncia: não sobrou mais tempo pra frescura. Antes tinha uma dúvida de como as pessoas aceitariam. Mas me convenci. Não tenho uma voz educada e ultrapotente. Deixou de ser um problema. Não ser radiofônico me faz acreditar. Bob Dylan é ídolo por usar as ferramentas que tem. Acho que eu só precisava acreditar mesmo para convencer as pessoas.

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Qual sua parte favorita do processo todo com a banda?

Palco. Eu me sinto à vontade, não quero que termine. Gosto de tocar pra bastante gente. Com público pequeno, fico tímido. Já toquei pra 3 mil pessoas e acho mais fácil, porque quando tem pouca gente você entende o que todo mundo está sentindo quer analisar esse termômetro o tempo todo. Aí trava.

Qual a maior qualidade da banda?

Tecnicamente falamos várias línguas. Tocamos reggae, forró e folk com a mesma paixão e técnica condizente com gênero. Outra coisa: a peteca sempre caiu, mas sempre tinha um de nós pra levantar. A gente toca junto com tesão e isso é do caralho, acreditamos no que fazemos.

E rola assédio?

Eu não estou acostumado com isso ainda, mas tem acontecido. Gente que nunca vi dizendo que gostou do show, quer o disco, ficou mexido com certa música...

O fato de ser do ABC torna a avaliação um pouco mais bairrista?

Acho que o lance de ser do ABC é um trunfo. Não é capital, não é interior, nem litoral, está longe de tudo isso, mas está distante 40 minutos apenas. A gente entende o que os moleques de apartamento dizem, mas a gente enfiou o pé no barro. O Gabriel fala muito do céu rosa que a gente tem em Santo André. Sabe quando Jimmy Hendrix fez “Purple Haze”? Era do céu de Santo André que ele estava falando (risos).

Você falou do Gabriel e ele é seu parceiro na música Quem também quer saber, que foi feita há 15 anos...

Há 15 anos passando uma tarde vadia no clube. Olhamos um casal de adolescentes e começamos a interpretar a história deles. Mas é um casal adolescente, é claro que é despretensiosa! Tenho carinho por essas músicas.

Com quase (ou bem mais de) 15 amigos te cercando, você ainda se considera uma pessoa solitária?

Acho que eu não carrego essa solidão mais. Me reconheço sozinho, mas muito cercado de gente. A banda, originalmente tinha quatro pessoas, mas temos um monte de 5ºs Beatles. O Gabriel, parceiro desde sempre, o Felipe Cressoni, do Mestre dos Magos, me ensinou a cantar, segurar um show. O Clayton Moreira é um irmão mais velho com quem toquei a vida inteira e aprendi tudo de palco e bastidor. Ainda tem o Rafa Grassi, o Diullas, o Azeitona... são bem mais de 15.

Tá, me diz uma coisa antes de ir pro ensaio: teu São Paulo vai cair?

Espero que sim. A ruína começou faz tempo, precisa reestruturar. É muito jogador sem paixão e jogador burro. Fico puto com isso. Se ele continuar a jogada, consegue fazer o gol, mas ele se joga pra cavar o pênalti. Ah, eu odeio isso.

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publicado em 13 de Setembro de 2013, 17:09
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Luciana Bugni

Luciana Bugni só fez jornalismo para entrevistar seus amigos quando eles virarem rock stars. Pode ser encontrada no Twitter.


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