08 de março é dia da mulher, 18 de abril dia do índio, 1o de maio do trabalhador, 20 de novembro de Zumbi. As datas marcadas por temas servem para, literalmente, colocar na agenda da vida cotidiana assuntos importantes: as escolas fazem atividades temáticas, a imprensa matérias investigativas, a academia produz dados, eventos são organizados por coletivos, manifestações políticas são puxadas e, sobretudo, o Estado é cobrado publicamente a falar a respeito do contexto e das políticas públicas setoriais. Uma data especial é, portanto, uma estratégia de fortalecimento e avanço da democracia – mobilizamo-nos todos pela memória, compartilhando a intenção de avançar.

Dia 17 de maio é o dia internacional da combate à homofobia e à transfobia, e você tem tudo a ver com isso. Segundo o mapa de análise legislativa feita anualmente pela ILGA (a Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Intersex), há, ainda em 2017, apenas 47 países que reconhecem as relações homoafetivas contra 72 que criminalizam-nas, sendo 8 os países que, mesmo membros do sistema ONU, associam pena de morte à homossexualidade.

Mapa de análise legislativa feita ILGA

Por aqui, não é diferente: o Brasil é o país que mais mata homossexuais, lésbicas, bissexuais, transgêneres e intersex do mundo. O Grupo Gay da Bahia, a ONG brasileira mais antiga a trabalhar com a comunidade LGBT, criou o site "Quem a homofobia matou hoje?", onde sistematiza e publiciza todas os assassinatos contra LGBTs no Brasil a que se tem notícia. Já foram 117 mortes matadas em 136 dias desse ano, gerando uma média de um assassinato de LGBT a cada 27 horas.

Mas esses corpos não são derrubados só pelo homicídio. Há no cotidiano inúmeras manifestações de homofobia, colírio pra uns, pimenta para outros. Segundo uma pesquisa realizada pela Universidade de Columbia, a probabilidade de um jovem homossexual se suicidar é cinco vezes maior do que a de um heterossexual. A piada, a risada, a ofensa, a fantasia de carnaval, o olhar de estranhamento, as palavras mal escolhidas, todas elas incidem sobre os corpos homossexuais uma força de encolhimento. Geram vergonha, exposição, constrangimento pelo simples fato de ser quem se é. Geram silenciamento, invisibilidade, dor e depressão.

É 17 de Maio de 2017 mas poderia ser de 1300 a.C.

Nesse dia do combate à homofobia, saúdo meu amor, que me ensina tanto e torna mais leve a experiência de existir e resistir à homofobia, e minha mãe, que fonte inesgotável de amor faz mais do que pode, embora menos do que gostaria, para me proteger da homofobia. Saúdo meu primeiro amigo a sair do armário, que, lá atrás, me inspirou coragem e iluminou o caminho possível de viver a homossexualidade em público. Saúdo minha amiga lésbica que me acolheu antes de qualquer outra pessoa saber sobre a minha orientação sexual homoafetiva. Saúdo a paciência dos primeiros caras com quem (não) transei por nojo do meu corpo e do meu desejo, mesmo que não houvesse nada de errado nem com meu corpo, nem com meus desejos.

Eu, minha mãe e meu companheiro

Saúdo todos os gays assumidos pela coragem, todas as pessoas que ainda estão no armário passando pelo processo de autoconhecimento e fortalecimento pela coragem também. Saúdo todas as bichas que não só saíram do armário, mas explodiram-no como à própria masculinidade e tiram força do fim do arco-íris (só pode ser, haja força) pra estar na linha de frente do combate à homofobia. Saúdo todas as drags que buscam no sagrado e no profano feminino o mecanismo de reconstrução do masculino possível.

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Saúdo todas as lésbicas que implodem a noção tradicional do feminino e erguem uma nova versão também forte, corajosa e possível. Saúdo todas as mulheres lésbicas que têm suas identidades e corpos sexualizados e fetichizados, mas raramente respeitados. Saúdo todas as mulheres lésbicas que resistem e insistem em não ser o que esperavam delas, mas serem aquilo que elas mesmas desejam.

Saúdo todas as pessoas bissexuais, que são desmoralizadas, abandonas e julgadas pelas práticas e orientação sexuais que têm. Saúdo todas as pessoas não-binárias, pós-gênero, intersex, que na força de libertação ultrapassam o que tradiconal e historicamente foi construído como possível.

Saúdo todas as pessoas transexuais, travestis, transgêneres, que vivem no corpo a transformação da tradição, a transgressão da história, a transcendência do gênero, a possibilidade dos sujeitos à transcrição física de nossas identidades imateriais – nossos desejos, nossas sensações, nossos sentidos e sentimentos. Saúdo todas as pessoas transexuais que passam por um processo de ressignificação dos seus corpos e lutam pra manter a sanidade emocional e psicológica, a despeito da loucura que se tornou o mundo.

Saúdo as gerações de LGBTs anteriores à minha, que lutaram, viveram e morreram pro mundo ser um pouco mais possível nos dias de hoje. Saúdo todas as pessoas LGBTs que são soropositivas, fazem a contenção da carga viral e nos ensinam que o medo nem sempre vence. Saúdo todas as pessoas LGBTs que vivem no Sudão, na Arábia Saudita, no Yemem, no Iraque, no Afeganistão, no Irã, na Mauritânia e no Paquistão, onde a homossexualidade é punida com pena de morte, e saúdo todas as pessoas LGBTs que vivem no Brasil, que tem a pena de morte instituída socialmente.

Saúdo Robeyoncé Lima, Luma Nogueira, Megg Rayara Gomes, Maria Clara Araújo, Amara Moira, Indianara Siqueira, Laerte Coutinho, Rogéria. Saúdo João Nery, Léo Moreira Sá e Leonardo Peçanha.

Leonardo Peçanha é homem trans negro e atua no TransRevolução, Fórum Nacional de Pessoas Trans Negras, e no Instituto Brasileiro de Transmasculinidades

Saúdo Luana Barbosa, Joelma Cruz, Dandara dos Santos, Adriano Cor. Saúdo Martnália, Sandra de Sá, Bianka Carbonieri, Adailton, Doya, Ivete Moreira, Maria Berenice Dias, Pablo Vittar, Raquel Virgínia, Carlos Tufvesson, Luiz Mott, Paulo Iotti, Renan Quinalha, Cazuza e Ellen Oléria.

Saúdo e agradeço.

Ellen Oléria é lésbica, casada com a assessora de imprensa Poliana Martins e vencedora da primeira edição do "The Voice"

Combater a homofobia é também se importar com a experiência LGBT do mundo. O dia de hoje é um convite para valorizarmos a memória de quem está aí pra contar: ouvir seu primo gay, sua filha lésbica, sua conhecida trans – quais são seus medos, quais violências já sofreram, quais seus sonhos e percepções do mundo. Combater a homofobia é também escutar as memórias de quem tem e reverenciar todes que já se tornaram uma. Há muita gente para saudar. Saudemo-les juntos.

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Nota da edição: o autor disponibilizou seu email (lguedes.rio@gmail.com) para leitores entrarem em contato, se quiserem, pois acredita que um dos grandes valores de se escrever sobre homossexualidade na internet é poder servir de referência e amparo para quem está passando por processos dolorosos.

Textos e filmes para expandir a conversa:

Luti Guedes

Luti é carioca, gay, tem 24 anos, um relacionamento homoafetivo aberto, estuda ciências políticas, trabalha com desenvolvimento local, direitos humanos, governo aberto e inovação pública