Superando a “crise dos vinte e tantos anos” em 3 etapas

Um pequeno guia para acabar com suas dúvidas, medos e receios e descobrir o que fazer com a sua vida.

Mês passado fiz 30 anos. Não é tanto assim, mas é uma bela idade para rever alguns conceitos.

Esse período emblemático, entre 28 e 30 anos, é um momento para reflexão, muito abordado na cultura popular como “crise dos vinte e tantos anos” ou quarter-life crisis. Seria a primeira crise existencial, que marcaria a real entrada na vida adulta.

Claro, isso pode variar para cada um, mas nessa fase, em teoria, o indivíduo teria completado um ciclo de conquistas (escola, faculdade, estágio, primeiro emprego) e pararia para respirar e refletir sobre os próximos passos.

Não é raro por essa idade uma grande confusão acontecer. Não saber se os passos até agora foram realmente úteis ou não, se realmente está no rumo correto, se o que fez até aqui é o que realmente quer da vida…

Com tantas dúvidas, medos e receios sobre o que já se passou e sobre o que está por vir, a pergunta iminente seria: seguir os desdobramentos do que foi construído nos passos anteriores ou buscar o autoconhecimento a partir das experiências vividas e modificar a rota no GPS?

A reflexão é importante, então vamos definir aqui uma linguagem por meio de algumas metáforas e tentar entender a questão pegando uma carona com um dos filósofos mais incompreendidos da história.

Vem com Nietzsche que ele te explica no caminho.

Camelo, Leão e Criança: o caminho para encontrar a si mesmo

Em Assim falou Zaratustra, Nietzsche apresentou o conceito de “além-homem” ou “super-homem” (Übermensch): o homem que superou a si mesmo e a natureza humana, se liberando dos conceito pré-estabelecidos e da influência da sociedade, família e outras instituições.

Neste estado, o indivíduo estaria livre para criar seu próprio destino e valores, dançando o jogo da vida de forma criativa e livre. Parece a ambição de todos nós, certo?

Afinal, buscamos viver uma vida única, que nos traga prazer nas tarefas cotidianas e o orgulho de ter trilhado nosso próprio caminho. Mas não é fácil. O mundo nos apresenta deveres e cobranças, e nos faz, muitas vezes, seguir por caminhos que não planejamos ou nem mesmo desejamos.

A fagulha de desespero começa no domingo à noite, antes da rotina começar. Ao longo da semana, nos vemos em uma vida que não parece ter sido escolhida por nós mesmos. Mas pode ser bem pior. Você pode se deparar com uma gravidez acidental, pode sofrer algum acidente ou seus pais podem adoecer e precisar de cuidados.

Assim, “como raios vim parar aqui?”, você se pergunta.

O desespero é real e não deve ser desconsiderado. Ele é o alarme de que chegou a hora de recalcular a rota. É como a febre que mostra que seu corpo não está equilibrado. Fique calmo, respire fundo.

Falar é fácil, mas ouvi uma vez que a retomada pode ser dividida em duas fases, que se alternam. A fase de planejamento e a fase de execução.

A primeira dura menos tempo, mas é a mais importante. É o esforço de escolher a direção a ser seguida. Já a segunda dura períodos mais longos, afinal, é a hora de executar, de construir e trilhar o caminho definido.

E quando a paisagem da trilha escolhida já não movimenta mais energia, talvez tenha chegado a hora de voltar à fase de planejamento. Talvez você precise fazer alguns ajustes na rota para chegar ao estágio de Übermensch, fase final de desenvolvimento, de acordo com Nietzsche.

É um processo normal. O próprio autor defendia que seria necessário se passar por três estágios. Ou, como escreve, três metamorfoses:  Camelo, Leão e Criança.

A viagem é forte, mas eu prometo que vai ser boa.

O Camelo

“‘O que é que há de mais pesado para transportar?’ — pergunta o espírito transformado em besta de carga, e ajoelha-se como o camelo que pede que o carreguem bem. ‘Qual é a tarefa mais pesada, ó heróis’ — pergunta o espírito transformado em besta de carga, a fim de a assumir, a fim de gozar com a minha força?”

Basicamente esta é a etapa mais importante, pois é de onde vem o autoconhecimento. Como você pode conhecer suas habilidades se você não as levou aos seus limites? Como pode saber do que gosta se não experimentou diversas coisas?

No entanto, é a fase mais difícil, onde não há tempo nem para respirar. Geralmente é o período logo antes de grandes transições, quando estamos carregando muito peso. Quando se está terminando a faculdade, escrevendo monografia e estagiando, por exemplo. Ou quando nos desdobramos em dois ou mais empregos para pagar as contas. A sensação é de que todo o tempo do mundo não será suficiente, e nos sentimos estafados.

O Camelo é uma metáfora para este período de cumprir o seu dever na vida, carregando um fardo pesado e se abastecendo de experiências. Uma fase onde se tem energia e disposição para sustentar o máximo possível nas costas, realmente testando seus limites e aprendendo com isso.

Mas esse sofrimento tem um objetivo. É a hora de aprender na marra com a vida, começar a explorar seus sentimentos frente ao medo, amor, verdade, morte, trabalho…

Ou seja, O Camelo representa a fase de não fugir dos seus deveres (escola, faculdade, estágio, primeiro emprego) e enfrentar o máximo de experiências possíveis de peito aberto. Nesse processo, ele se fortalece e desenvolve seus músculos para a próxima transformação.

Então, o desespero, as dúvidas, não saber o que quer… tudo isso é parte do caminho, mas não vale a pena se prender a essas questões e, sim, reunir forças para conseguir executar o que foi planejado e partir para um novo estágio.

O Leão

O momento em que o indivíduo se assume e ruge para defender quem é de verdade, deixando de se preocupar em agradar os outros e fazer o que é esperado de si.

É a hora de defender seu ponto de vista para sua própria vida. E toda a bagagem acumulada pelo Camelo é usada agora como aprendizado para a tomada das decisões em como viver a vida.

Se a primeira etapa é a mais exaustiva, esta é a que exige mais coragem. É necessário a bravura do leão para construir nossa própria identidade, afirmando o que somos e o que não somos.

Na metáfora de Nietzsche, em seus últimos momentos o Camelo entraria no que seria “o deserto mais solitário”, ou seja, a crise existencial em si. Se vê sozinho e se questiona como chegou ali e para onde está indo.

Será que a carreira que você escolheu aos 16 ou 17 anos é a que irá lhe trazer a maior realização? Ou agora que você está trilhando este caminho, percebe que ela pode até trazer satisfação para os seus pais, mas nunca para você?

É hora de confrontar as verdades que lhe foram impostas e entender que não existem leis, valores universais ou um propósito único para se viver a vida. Nesse processo, ocorreria a metamorfose para o Leão.

“Meus irmãos, para que serve o leão do espírito? Não bastará o animal paciente, resignado e respeitador? Criar valores novos é coisa para que o próprio leão não está apto; mas libertar-se a fim de ficar apto a criar valores novos, eis o que pode fazer a força do leão. Para conquistar a sua própria liberdade e o direito sagrado de dizer não, mesmo ao dever, para isso meus irmãos, é preciso ser leão.”

Esta fase é extremamente importante. Na minha interpretação do autor, seria em geral a etapa de resolução da “crise dos vinte e tantos anos”. Depois de correr atrás dos objetivos que são impostos e acumular experiências, chega a hora de retirar parte da bagagem que você vinha carregando. Chega a hora de começar a dizer não.

Chega de sim. Ou é "SIM, PORRA!" ou não. – Derek Sivers

Dizendo não ao excesso de peso é quando dizemos sim para a vida que realmente devemos viver.

Como diria Picasso, “a arte é a eliminação do desnecessário”. E este é o primeiro passo para transformar a vida em arte.

Mas como fazer isso na prática?

Bem, novamente, não há uma única fórmula possível.

Mas algo que eu recomendo como primeiro passo é fazer uma lista das tarefas e compromissos atuais da sua vida. Avaliar um a um e pensar: isso me ajuda a chegar mais perto de onde eu desejo chegar?

Caso a resposta seja não, é a hora de abandonar esse compromisso. É claro que muitas vezes não será possível se livrar de um peso de um dia para o outro, mas é importante pelo menos traçar um plano para conseguir remover esse obstáculo de seu caminho.

A Criança

“Dizei-me, porém, irmãos, que poderá fazer a criança, de que o próprio leão tenha sido incapaz? Para que será preciso que o altivo leão tenha de se mudar ainda em criança?”

Chegamos ao último estágio, onde a figura da Criança representa o renascimento. O Leão deveria se transformar novamente, para limpar sua mente do passado e viver com a leveza de uma criança, que aceita e vive o momento, as incertezas e o verdadeiro fluxo da vida.

A Criança vive no eterno estado de brincar. Suas reações são espontâneas e ela está sempre imersa no momento.

Este seria o conceito de flow, citado pelo psicólogo húngaro Mihaly Csikszentmihalyi como o segredo da felicidade. Seria um estado de total absorção no momento, quando se está tão imerso em uma atividade que nada mais parece importar, ou até existir. O tempo voa e você se desvincula de sua imagem de você mesmo. Você basicamente se torna o que você está fazendo naquele momento.

Se você toca algum instrumento sabe exatamente do que Csikszentmihalyi está falando. Mas outras atividades também podem emular essa estado, como esportes, jogos de video game e até sexo.

Quem ama o que faz muitas vezes se encontra no estado de flow também em seu trabalho. E tem gente que entra em flow até mexendo em uma planilha complexa no Excel.

Ao agirmos como crianças, vendo a vida com deslumbramento e criando nossa própria realidade, atingiríamos o passo final para a conquista da própria existência. Esta seria a verdadeira liberdade e o eterno flow.

Neste estágio, o que também é muito importante é a abertura em aceitar o que o destino oferece. A falta de controle da criança sobre seu ambiente não interfere na sua capacidade de aproveitar a vida.

Muitas pessoas nunca conseguirão chegar a este estágio. E, ironicamente, muitas pessoas só atingem a fase da criança em um estágio mais avançado de idade.

Existem diversos estudos que se aprofundam no “Paradoxo do Bem-Estar”, que consiste no achado de que, ao contrário do que se acredita no senso comum, a felicidade e satisfação com a vida em geral tendem a aumentar com o avanço da idade.

Uma das possíveis causas para este fenômeno seria que ao nos confrontarmos com a realização de que nosso tempo é cada vez mais escasso, passamos mais a aproveitar e valorizar as pequenas alegrias e cada momento vivido, por mais simples que sejam. Um comportamento muito parecido com o das crianças.

E assim, Nietzsche encerra o caminho das três metamorfoses essenciais para o ser humano se tornar pleno.

Fez sentido para você?

Se você está passando pela “crise dos vinte e tantos”, talvez esteja na transição de metamorfose entre Camelo e Leão. Ao avaliar seu momento atual, existe algo que lhe incomoda ou que parece te afastar da vida que deseja levar?

Caso sim, pode ser o momento de defender seu território. A hora de começar traçar um plano para dizer não a alguns compromissos. Nem sempre será fácil, e pode ser que leve algum tempo até conseguir executá-lo. Afinal, um dos maiores problemas costuma ser justamente a incerteza sobre o que diabos fazer e se o caminho optado é o certo.

Mas, como diz o ditado, “a melhor época para plantar uma árvore foi há 20 anos atrás; a segunda melhor é agora”.

Falando por mim, um recém trintão, esse modo de ver a vida faz muito sentido. Analisando o estágio que me vejo atualmente, sinto que estou finalizando a fase de carregar o máximo de peso possível e me sinto preparado para definir meu próprio caminho a partir daqui. Tive experiências densas e começo a avaliá-las criticamente, buscando meus próprios rumos na vida.

Espero um dia chegar ao estágio de Criança e levar o dia a dia de forma leve, com menos ansiedade e frustrações. A gente chega lá.

E vocês, o que acham de tudo isso? O que têm a adicionar? Vamos enriquecer a conversa nos comentários?

* * *

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publicado em 28 de Fevereiro de 2018, 13:00
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Marcos Malagris

Publicitário, professor de Marketing Digital e graduando em Psicologia, investe seu escasso tempo livre no consumo de cultura útil e inútil. Escreve sobre cultura pop no Farofa Geek e filosofa no Twitter!


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