Suas limitações são sua maior qualidade | Pesadelos Criativos #5

Soluções criativas surgem a partir das limitações.

Não vou mentir, às vezes a vida parece um beco sem saída.

Você pode estar aí, pensando em todo o potencial transformador para a sociedade das ideias que tem dentro de si, mas não consegue disponibilizar do tempo, não possui as ferramentas ou até mesmo as habilidades para tal. 

No final, você se torna mais um artista vivendo aprisionado em frente à tela de um computador, consumindo seus dias trancado em um escritório.

Não é fácil, todo mundo tem que pagar as contas. 

A verdade, porém, é que há uma chance considerável de você nunca atingir as condições que considera ideais e minimamente necessárias para arrancar do peito as pretensas ideias geniais que tem. 

Link Youtube | Quando puder, veja esse vídeo. É um dos melhores conselhos para quem está começando (e até nem tão começando assim).

Gosto muito desse vídeo que embedei aqui em cima, pois ele expõe uma verdade que raramente fica evidente quando olhamos os artistas ou profissionais que admiramos. 

No começo, mesmo que tenha todas as ferramentas dos sonhos, suas habilidades provavelmente não vão responder da forma como imagina. Seu texto, música, pintura ou seja-lá-o-que-for, vai estar aquém do seu padrão de consumo.

Ainda que você tenha todo o bom gosto do mundo, é preciso trabalho. Você tem de partir de algum ponto e esse ponto sempre vai ser onde você está agora.

Nesse caso, sobra trabalhar com o que você tem.

A boa notícia é que as soluções criativas surgem a partir das limitações. 

Aqui acho que vale contar uma história.

Durante a produção do meu primeiro — e até o momento único — EP e até pouquíssimo tempo atrás, minha perspectiva do “mundo ideal” era ter ao meu lado músicos muito bons que estivessem tão engajados quanto eu em criar e tocar, dispostos a sacrificar tempo e dinheiro pra fazer o projeto acontecer. 

Desde que minha antiga banda se desmontou e eu me mudei para São Paulo, passei anos procurando reunir essa condição. Eu tinha em mente, entre outras coisas, que tê-los por perto compensaria minhas limitações e traria um brilho que eu, sozinho, achava que não conseguiria atingir.

Então, comecei a produzir material por conta própria. Sim, incentivado por alguns amigos muito generosos que dispuseram do seu tempo para me ajudar. Ainda assim, longe da dedicação que eu julgava necessária, afinal, todos tinham suas vidas e próprias prioridades (e tudo bem, claro). 

Isso me frustrava bastante, era um freio. Assim, acabei seguindo com o projeto por conta, adquirindo novas habilidades no caminho, como arranhar um teclado ou arriscar linhas de baixo.

O maior problema é que, ao final, eu sentia a coisa toda de maneira bem negativa, como se eu estivesse aquém do meu potencial. Eu achava mesmo que ser um cara que fazia tudo sozinho era ruim, algo do que me envergonhar.

Então, em algum momento, decidi não mais tentar compensar pela falta de estrutura ou de outros músicos. Assim, comecei a tentar desenvolver as habilidades centrais no que faço (voz e violão) e, também, as habilidades paralelas importantes (banjo, teclado e até um pouco de percussão).

Com o tempo, percebi que eu não precisava, por exemplo, de um baterista para gravar. Eu poderia, perfeitamente, utilizar-me do que disponho, como um stompbox para o bumbo, em conjunto com MIDI e chegar em um resultado bastante convincente, desde que não tente recriar uma condição não-presente. Assim, ao invés de ter algo feito pelo computador que vai soar fake e, portanto, fora de lugar, posso me aproveitar do fato de ter que escrever linhas mais simples usando bumbo, pandeiro, outros tambores (e até às vezes batucando o próprio violão) e usar isso a meu favor. O que, antes, era uma limitação, transforma-se em uma característica, uma qualidade do meu som. 

De repente, as linhas simples que eu criava e que me faziam sentir diminuído, passaram a ser algo que abracei e do que me orgulho.

O lado mais bizarro da coisa é que, lá no fundo, eu sabia disso. Eu já tinha lido a respeito, já ouvi outras pessoas me dizerem coisas parecidas. 

Porém, existe uma enorme diferença entre algo que você apenas sabe e algo que você viveu, que compreendeu tridimensionalmente. Quando você realmente entende algo, aquilo tem ressonância, ativa não só uma linha lógica mas preenche o seu espaço mental completamente, passa a fazer parte de você de uma maneira não-linear.

Então, vamos ao ponto: qualquer que seja a sua condição agora, ela é o que te destaca, o que faz de você quem você é.

Pra mim, não mudou praticamente nada. Eu continuo fazendo música sozinho. No entanto, a mera perspectiva de deixar de ter vergonha do meu caminho e das minhas condições passou a me dar energia. 

No momento em que escrevo, já tenho todo um plano para 2018 engatilhado, um punhado de composições prontas, outras meio caminho andadas. Finalmente consigo vislumbrar uma rotina de trabalho, mesmo sozinho, sem me sentir menor por isso. Aliás, venho gostando, curtindo esse jeito de produzir.

Um dos motivos pelos quais decidi iniciar essa coluna era pra mapear bloqueios criativos e vieses que me impediam de avançar como músico, escritor e artista.

Pode não parecer, mas não existe uma coisa que define bloqueio sob a perspectiva da criatividade. Há inúmeros tipos de bloqueios que crescem e se multiplicam como pragas. Podem ser impedimentos físicos, palpáveis e dolorosos, como falta de tempo e dinheiro, ou ervas daninhas da mente que você precisa descobrir como arrancar. A sorte é que, da mesma maneira, há infinitas formas de se contornar essas dificuldades.

A pergunta chave não é só o “como”, mas o “o que” você pode fazer, utilizando suas limitações de maneira criativa. Às vezes, o que você acha que é um bloqueio, na verdade é a própria estrada que você tem que percorrer, aberta à sua frente.


publicado em 03 de Dezembro de 2017, 16:24
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Luciano Ribeiro

Cantor, guitarrista, compositor e editor do PapodeHomem nas horas vagas. Você pode assistir no Youtube, ouvir no Spotify e ler no Luri.me. Quer ser seu amigo no Instagram.


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