A tragédia de Mariana já é tida como o pior desastre ambiental do Brasil, com consequências que vão impactar a população e um ecossistema inteiro por anos a fio. Logo que as noticias começaram a se disseminar, a caça aos responsáveis se instalou e mergulhamos numa bolha de competição, raiva e culpas.

Mas, sem desmerecer a dor e sofrimento daqueles que a lama impactou, digo que não há culpados personificados, pessoas em quem podemos jogar toda a responsabilidade pelo ocorrido. Não há para quem apontar o dedo que não seja para nós mesmos. Somos todos vitimas e ajudantes da tragédia.

Antes do tsunami de lama varrer cidades inteiras, já havia lagos enormes, represas gigantescas, espalhadas pelo Brasil e o mundo, desenhadas para armazenar rejeitos, refugos, resíduos tóxicos, para os quais não vemos utilidade. E nós não dissemos nada, achamos normal.

Antes das barragens existirem, aceitamos a instalação de uma indústria que impacta a biosfera, que abre buracos enormes no chão, que move montanhas para tirar de lá os materiais que constroem nossa identidade. E nós não dissemos nada, achamos normal.

Seguimos sustentando essa indústria com o nosso padrão de vida, comprando e consumindo desenfreadamente, sem pensar no impacto que a nossa fome por novos “brinquedos” causa no mundo. E nós não dissemos nada, achamos normal.

Compramos e consumimos sendo levados pela nossa carência e ansiedade, pela nossa necessidade de novidades, pela nossa incapacidade de ver os impulsos surgindo e nos arrastando. E nós não fizemos nada, achamos normal.

Quando digo que nada fizemos, quero dizer que não desenvolvemos a curiosidade de entender como nossa mente opera e como isso interfere na nossa ação no mundo. Não desenvolvemos nossa atenção e consciência para sacar que nós não precisamos daquilo que as propagandas vendem como felicidade. Não duvidamos da nossa aposta de felicidade em coisas e condições externas. Não suspeitamos que desenvolver nosso consumo consciente e economia da atenção possa ajudar a resolver vários dos problemas modernos.

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Cada um de nós tem um pouco da lama de Mariana respingada no rosto. 

Que possamos usar das imagens e informações do desastre para fazermos um autoexame e questionar nossa participação nisso tudo. Que possamos aproveitar que o impacto e terror ainda estão frescos nas nossas mentes para tentarmos simplificar mais e mais a vida, o cotidiano, o tempo e as necessidades materiais, como forma de ajudar o planeta e salvar vidas no futuro. 

Que possamos cultivar a autocompaixão, a compaixão pelos que foram atingidos pela tragédia, a compaixão pelos que estão ajudando, mas também, que possamos cultivar a compaixão pelos empregados e dirigentes das empresas envolvidas, que estão acometidos pelos mesmos obstáculos que nós.

Este não é um chamado para volta à idade da pedra e nem é uma tentativa de relativizar as devidas responsabilidades, é apenas a lembrança de que podemos respirar e lembrar de Mariana antes da nossa próxima compra.

Ilustradora, engenheira civil e mestranda em sustentabilidade do ambiente construído, atualmente pesquisa a mudança de paradigma necessária na indústria da construção civil rumo à regeneração e é co-fundadora do Futuro possível.